Europa repudia o turismo de massa neste verão
Conforme o verão avança na Europa aumenta o repúdio ao turismo de massa. A BBC descreveu o cenário como ‘Revolta mundial contra os maus turistas’. É impressionante o número crescente de antigos points de turismo, cuja população agora repudia a chegada de visitantes. Assim, habitantes de locais tão distintos como os das Ilhas Canárias, Veneza, Atenas, Barcelona, Maiorca, ou Santorini, agora fazem protestos, assediam turistas, e pedem normas mais duras aos respectivos governos. Em princípio, o turismo é uma atividade que gera muitos empregos e movimenta a economia de tal modo que muitas cidades mundo afora dependem de sua renda. Entretanto, para tudo deve haver limites, especialmente o turismo que, se prosseguir desordenado e crescente, pode prejudicar seriamente o meio ambiente e tornar o local de desejo um caos na alta temporada.
Alguns dos locais mais visitados são os mais frágeis
O turismo em ilhas, e no litoral em geral, estão provocando danos ambientais onde quer que se torne ‘moda’. Ambos são locais extremamente frágeis. O solo da maioria das ilhas, por exemplo, é extremamente poroso, um solo fraco que não aguenta excessos. E muitas das cidades em ilhas são pequenas, portanto, não têm infraestrutura para suportar milhares de pessoas.
O excesso de lixo de garrafas plásticas acabam nos mares, para não falar em congestionamentos imensos, barulho, alta de preços, saneamento em colapso, etc. Tudo isto representa perda de qualidade de vida. É por isso que surgiram as revoltas que hoje ocupam as manchetes mundiais.
Há outros locais que não ficam necessariamente no litoral, mas que são tão ou mais frágeis por guardarem relíquias históricas, por exemplo. É o caso de Machu Picchu, no Peru, da cidade de Veneza, na Itália, Atenas, etc.
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O jornal Le Monde resume em um parágrafo o problema e a possível solução. ‘Neste verão, sob temperaturas às vezes escaldantes em Atenas, turistas esperaram quase uma hora antes de visitar a Acrópole. O número de visitantes saltou 80% desde 2019, de acordo com o Ministério da Cultura grego. Em julho, até 23 mil pessoas subiram a colina do famoso local, de acordo com a agência que opera sítios arqueológicos. No início de agosto, o ministério decidiu regulamentar as visitas ao local mais famoso da Grécia. Um máximo de 20.000 pessoas poderão subir a colina todos os dias. De acordo com o projeto piloto, entre 8h e 12h, 8 mil pessoas divididas em quatro grupos poderão visitar o local; então, entre 12h e 20h, até 12.000 pessoas divididas em oito grupos poderão seguir’.
Outro problema é que a rede hoteleira não atende à demanda. Daí surgiu a ideia da locação de casas, o Airbnb. A ideia se desenvolveu tão bem que onde foi empregada o preço dos imóveis foi às alturas, inflacionando o mercado, e trazendo mais problemas à maioria dos moradores. Hoje, poucos podem pensar em casa própria, ou mesmo em se mudarem.
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Ou as cidades regulamentam o turismo, ou serão engolidas por ele. No caso da Grécia, o turismo responde por 25% da economia, e emprega um em cada cinco trabalhadores, segundo Le Monde. E mesmo assim o governo não teve dúvidas em agir e pôr ordem na casa.
Ou as cidades regulamentam o turismo, ou serão engolidas por ele
Muita gente se esquece de que hoje somos 8 bilhões de pessoas dividindo o mesmo planeta. É muita gente! Nunca antes na história do planeta houve tanta superexploração dos recursos naturais. Por isso, e pela ciência de que o turismo cresce a cada ano, não há outra solução que não seja regulamentá-lo.
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A repercussão da retomada da análise da PEC das Praias pelo SenadoDecisão do STF proíbe criação de camarão em manguezaisMP-SP pede suspensão de decreto que livrou Flávia Pascoal da cassaçãoSem ordenação, o problema cresce. Mesmo com os benefícios que traz à Grécia, parte significativa da população não tolera mais as seguidas invasões. Em toda a Grécia, informa o Le Monde, os moradores estão cada vez mais se rebelando contra o turismo de massa. Há vários dias, um “movimento de toalha” vem se mobilizando da ilha de Paros para Creta, pedindo praias gratuitas, não privatizadas por bares ou hotéis ou por espreguiçadeiras e guarda-sóis. A Grécia tem dezenas de pequenas ilhas disputadas por turistas e que acabam barbarizadas a cada verão.
Veneza também regulamentou o turismo
Veneza interditou a lagoa onde fica a cidade para navios de passageiros, e impôs uma taxa de 5 a 10 euros, dependendo do caso. Imediatamente após, melhorou o padrão de vida da população, e a ideia da taxa se espalhou por outras cidades italianas. A BBC nos lembra que ‘desde 2019 o Butão adotou as taxas com valores altíssimos, US$ 100 dólares por dia. E conseguiu de fato significativa diminuição no número de visitantes’.
O turismo de massa e Jogos Olímpicos
O turismo de massa e seus inúmeros problemas é, junto com os Jogos Olímpicos, o assunto do momento na Europa. Segundo a CNN, este verão, os protestos anti-turismo têm varrido a Europa, com manifestações nos Países Baixos, na Grécia e, claro, na Espanha.
Depois de comentar os borrifos de água que moradores de Barcelona jogaram em turistas, a CNN informou que mais recentemente, milhares de pessoas protestaram na ilha espanhola de Maiorca, com os organizadores afirmando que o modelo de turismo da ilha “empobrece os trabalhadores e enriquece apenas alguns”.
Turismo desordenado no litoral brasileiro
É curioso o quanto a declaração acima é parecida com nossos seguidos alertas sobre os malefícios que o turismo insustentável provoca no litoral paulista, e brasileiro em geral. Quando avisamos sobre excessos, muitos declinam as vantagens do turismo. Ocorre que, quando ele é demasiado, ou de massa, quem ganha são os operadores. O resto da cadeia fica à míngua, as cidades perdem qualidade de vida, enquanto o meio ambiente sofre seguidos ataques quando já é sabido que eles estão debilitados por outra ação nossa, os gases de efeito estufa.
Os borrifos de água contra turistas
Os borrifos de água contra turistas em Barcelona, e a greve de fome a que apelaram os moradores das Ilhas Canárias, demonstram o quão agudo está o problema.
A matéria da CNN mostra que outras cidades europeias estão estudando e, em alguns casos, aumentando as taxas a serem cobradas de turistas. ‘O presidente da câmara de Barcelona, Jaume Collboni, anunciou recentemente que pretende aumentar a taxa turística da cidade para passageiros de cruzeiros’.
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O caso dos navios de cruzeiro remete à posição da Grécia, que ousou ordenar o setor da economia responsável por um quarto de seu Produto Interno Bruto. Em Barcelona, atualmente, a taxa turística é a terceira maior fonte de financiamento da cidade. Em 2023 arrecadou cerca de 100 milhões de euros. Cada passageiro paga 6,25 euros para entrar – assim como turistas que ficam em hotéis e outros alojamentos turísticos.
‘Garantir que os nativos se beneficiem do turismo’
Antes de encerrar, vale conhecer alguns trechos da matéria da BBC. É mais uma que repete o que venho dizendo sobre o litoral.
“A discussão não é realmente sobre o tipo certo de turista, é sobre garantir que os nativos se beneficiem do turismo”, diz Sebastian Zenker, especialista em turismo e diretor acadêmico do Mestrado em Turismo Sustentável e Gestão de Hotelaria da Copenhagen Business School. “Se você olhar para as Ilhas Canárias, eu li que um terço da população vive à beira da pobreza. O turismo oferece uma grande renda para essas ilhas – mas para quem? Não é suficiente dizer que queremos receber turistas bem comportados que estão quietos e gastam mais dinheiro, é para onde o dinheiro vai. No momento, uma grande proporção da população não se beneficia”.
É exatamente o que ocorre com os nativos do litoral no Brasil. O turismo tem sido importante para parte dos municípios costeiros. Contudo, na vasta maioria deles os nativos perderam suas posses, foram empurrados para os ‘sertões’, e vivem de forma miserável, em outras palavras, um tipo insustentável de turismo.
Navios de cruzeiro e as cidades visitadas, casamento prestes a ruir
A posição de Barcelona, ou de Veneza, contrasta fortemente com o que acontece nas cidades costeiras brasileiras. O Rio de Janeiro até que tem tamanho para receber navios de cruzeiro e seus milhares de passageiros, mas o que dizer de municípios como Ilhabela, SP, ou Búzios, RJ?
Basta um grande navio chegar para o caos se estabelecer nestes locais. E, infelizmente, os prefeitos não percebem os estragos. Para eles, quanto mais movimento, melhor. São por estes motivos, pela indução exagerada ao turismo em locais sem infraestrutura para a própria população, que ano após ano decai a qualidade de vida no litoral. E basta conversar 10 minutos com um nativo para saber que eles também não aguentam mais os excessos. São tantos, e tão perniciosos, que acabam por engolir, ou subtrair, as vantagens que o turismo ordenado pode trazer.
Na Ilhabela o problema é claro, houve verão com 100 navios parando na Ilha, quase todos com excursões nacionais, baratas, com turistas que descem e quase não consomem nada, até porque são diversas paradas e ninguém consegue gastar em todas. Resultado: gente andando pelas ruas, comércio frustrado, só vantagens ilusórias.
Eu acho que tudo isso tem uma pitada de xenofobia, principalmente ao atacar diretamente turistas nas ruas, é de uma grosseria e violência, coisa horripilante, não se faz isso com uma pessoa, tem algo de errado em quem sai na rua jogando água e proferindo palavras raivosas contra um casal/família almoçando em um restaurante, são só pessoas comuns, não são responsáveis pelas políticas locais…
Dito isso, é claro, é obvio, que esses locais precisam de uma plano sustentável para turismo, não é possível, uma cidadezinha turística simplesmente ficar esperando, e em um feriado o mundo todo resolver visitar a tal cidadezinha, por melhor que seja a infraestrutura, claro que existe um limite físico.
Eu moro em cidade turística, não temos tantos problemas assim, ainda estamos vivendo só as vantagens do turismo, mas mesmo assim, quando os “astros se alinham” e vem muita gente ao mesmo tempo, é possível perceber problemas já por falta de estrutura suficiente.
Só vejo que como em quase toda discussão política, alguns maus estão usando uma pauta legítima como brecha para dar vasão aos seus valores deturbados, temos que tomar cuidado com isso.