Como está a Guiana depois do boom do petróleo?

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Como está a Guiana depois do boom do petróleo?

Em 2008 a ExxonMobil iniciou a exploração em águas da Guiana na busca de petróleo,  um dos países mais pobres da América Latina com menos de 800 mil habitantes. Entretanto, a busca provou ser bem-sucedida. Em 2015 um consórcio liderado pela Exxon, que incluía Hess e a empresa chinesa Cnooc, fez uma grande descoberta no Campo Liza. Para o Financial Times, a produção deverá sustentar o negócio de petróleo bruto da Exxon por décadas. Desse modo, a economia cresceu a uma taxa recorde de 62,3% em 2022, a mais alta do mundo. Você já imaginou que um dia a Guiana conseguiria tal feito?

Na contramão do mundo, ou um desejo correto por maior riqueza?

No entanto, à medida que o mundo busca se distanciar dos combustíveis fósseis e os ativistas climáticos lutam pela transição energética, analistas estão preocupados com o histórico conturbado das operações das empresas de petróleo em países mais pobres. Estudiosos se perguntam qual será o impacto da entrada massiva de dólares na Guiana.

Extração de petróleo na Guiana
Foto usada pelo www.thehindubusinessline.com, com a legenda: Em apenas cinco anos, a Guiana ingressará no cobiçado clube dos 20 países que produzem mais de um milhão de barris de petróleo bruto por dia | Crédito: Matias Delacroix

O caso da riqueza repentina da Guiana

A súbita transformação da Guiana, que até então estava esquecida, tem sido objeto de discussões em todo o mundo. O Financial Times relata que os investimentos das principais empresas petrolíferas dos Estados Unidos parecem destinados a fazer da Guiana um dos últimos petroestados a emergir na era do petróleo.

Para as empresas do setor, o que está acontecendo no país é considerado como a “joia da coroa” da ExxonMobil, como afirmou Alistair Routledge, presidente da Exxon na Guiana, ao Financial Times.

 Georgetown, Guiana.
Imagem aérea da capital Georgetown. Foto, www.newsroom.gy.

Enquanto isso, destacou o www.thehindubusinessline.com , o Campo Liza é considerado a maior adição às reservas globais de petróleo em várias décadas. Antes dessa descoberta, o maior campo já encontrado era o de Mangala, na Índia, com reservas estimadas em 1 bilhão de barris. Em comparação, a descoberta na Guiana é dez vezes maior do que a de Mangala, de acordo com a mesma fonte.

Embora analistas de Wall Street tenham classificado o investimento liderado pela Exxon como “o melhor negócio petrolífero da história moderna”, outros advertem que o país corre o risco de cair na “maldição dos recursos”. Essa maldição ocorre quando a súbita riqueza proveniente dos recursos naturais esvazia outras indústrias nacionais, gera divisões políticas e promove a corrupção.”

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US$ 100 bilhões de dólares ao longo do contrato

No caso da Guiana, o país não tem ‘outras indústrias’. Contudo, o risco de divisão política e corrupção é fato. Para efeito de comparação, o orçamento nacional era de apenas cerca de 3,5  a 4 bilhões de dólares. Porém, os retornos para a Guiana poderão ultrapassar os 100 bilhões de dólares ao longo das décadas de vida das suas operações com a Exxon.

Ao que parece, o contrato entre as partes é por demais favorável à petrolífera. Não poderia ser diferente. Estas empresas já demonstraram não ter escrúpulos e, além disso, têm centenas de advogados especializados, enquanto os países mais pobres, carecem de experiência e ‘abrem as pernas’ ao sentirem a possibilidade de ganhar divisas.

mapa da Guiana.
Imagem, www.ieefa.org.

O Financial Times ouviu Tom Mitro, investigador sênior do centro de investimento sustentável da Universidade de Columbia e antigo gestor da Chevron que ajudou a negociar os seus contratos em países como Angola, Nigéria e Papua Nova Guiné. Não por acaso, todos países pobres.

O jornal diz que ‘ele e outros especialistas argumentam que o contrato de partilha de produção assinado com a Guiana em 2016 é excessivamente generoso para com a Exxon, e alguns dizem que deveria ser renegociado’.

“Acordo extremamente agradável”

“Foi um acordo extraordinariamente agradável”, disse Mitro. O governo da Guiana dispõe agora de dinheiro para hospitais, habitação, transportes, infraestruturas de gestão de cheias, além de um fundo soberano que deverá reforçar as finanças públicas. Entretanto, os lucros recorde gerados pela Exxon no ano passado e a compra pela Chevron da participação de 30 por cento da Hess no Bloco Stabroek trouxeram um novo escrutínio dos termos do contrato.

Nesse acordo, explica o Financial Times, a Guiana concordou em dividir os lucros na proporção de 50:50 com os desenvolvedores que desejava atrair. Mas até três quartos das receitas vão primeiro para cobrir os custos do consórcio. Entre outras vantagens, a Guiana também concordou em pagar o rendimento das empresas e o imposto sobre as sociedades a partir da sua parte nos lucros.

Contrato  antecipado, unilateral e repleto de impostos

A Associated Press também repercutiu as consequências do acordo. A agência diz que para um relatório do Instituto de Economia Energética e Análise Financeira,  “o contrato é antecipado, unilateral e repleto de impostos, e outras lacunas que favorecem as empresas petrolíferas.”

Tom Sanzillo, diretor do Instituto de Economia Energética e Análise Financeira, aponta para potenciais problemas para a Guiana daqui a alguns anos, quando a produção estiver esgotada e alguém tiver de pagar para desativar a infraestrutura petrolífera.

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A prática da indústria normalmente envolve a criação de um fundo para custos de desmantelamento, que são retirados das receitas do petróleo ao longo da duração do contrato, de acordo com Kellas. Isto não faz parte do contrato da Guiana.

O boom do petróleo provoca disputa por despojos

Para a Associated Press o boom do petróleo irá gerar bilhões de dólares para a nação em grande parte empobrecida. Contudo, também é certo que desencadeará lutas acirradas sobre como a riqueza deve ser gasta num lugar onde a política está fortemente dividida em linhas étnicas: 29% da população é de ascendência africana e 40% de ascendência indiana oriental, de trabalhadores contratados trazidos para a Guiana depois que a escravidão foi abolida.

A AP disse ainda que ‘os especialistas preocupam-se com o fato de a Guiana não ter a experiência e o quadro jurídico e regulamentar necessários para lidar com o influxo de riqueza. Eles alertam que isso poderia enfraquecer as instituições democráticas e conduzir o país num caminho semelhante ao da vizinha Venezuela, um petroestado que mergulhou no caos político e econômico.

A agência cita um relatório da USAID que alerta para “A instabilidade política da Guiana suscita preocupações de que o país não esteja preparado para a sua riqueza recém-adquirida sem um plano para gerir as novas receitas e desembolsar equitativamente os benefícios financeiros.”

A AP alertou, igualmente, para o fato de que mais de 40% da população vivia com menos de 5,50 dólares por dia quando a produção começou em Dezembro de 2019, prevendo-se que cerca de 380.000 barris por dia aumentem para 1,2 milhões até 2027.

Os riscos de vazamentos e os problemas do clima

Antes de mais nada, como em todos os casos de exploração de petróleo o da Guiana também tem riscos. Segundo informações do Guardian, em agosto de 2021, ‘O enorme projeto da ExxonMobil enfrenta acusações de desrespeito pela segurança por parte de especialistas que afirmam que a empresa não se preparou adequadamente para um possível desastre’.

‘Os especialistas afirmam que a Exxon parece tirar partido de um governo despreparado num dos países de mais baixo rendimento da América do Sul, permitindo à empresa contornar a supervisão necessária’.

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Mais de 2 bilhões de toneladas métricas de CO2

O Guardian lembra que o projeto da Exxon enviará para a atmosfera mais de 2 bilhões de toneladas métricas de CO2, que destroem o clima. Contudo, diz o jornal, a Exxon afirma que os seus objetivos climáticos são “alguns dos mais agressivos.”

Vincent Adams, engenheiro petrolífero e ambiental que trabalhou durante 30 anos no Departamento de Energia dos EUA antes de regressar à sua terra natal, a Guiana, para se tornar diretor executivo da Agência de Proteção Ambiental,  sugere que a Exxon está economizando para aumentar os lucros. A Exxon “não respeita a saúde, a segurança e o meio ambiente das pessoas.”

Por outro lado, matéria do Mongabay diz que o governo da Guiana afirma que o país  já alcançou emissões líquidas zero de carbono e acrescenta que reduzirá ainda mais as emissões em 70% até 2030.

“Já estamos onde o mundo tenta chegar até 2050”, disse o vice-presidente Bharrat Jagdeo a um jornal local em Outubro de 2021. Ele atribuiu isto às vastas florestas da Guiana, que funcionam como sumidouros de carbono.

A mesma fonte destacou uma declaração do presidente Irfaan Ali a outros líderes mundiais na COP26: “Embora nos tenhamos tornado recentemente produtores de petróleo, apoiamos a remoção dos subsídios à produção de combustíveis fósseis e defendemos um forte preço global do carbono.”

A produção mundial de petróleo e o Acordo de Paris

Antes de culpar a Guiana, é oportuno lembrar a conclusão do relatório do  Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), publicado em 9/11: ‘Os governos planejam produzir cerca de 110% mais combustíveis fósseis em 2030 do que seria consistente com a limitação do aquecimento a 1,5°C; e 69% mais do que seria consistente com 2°C’.

Assim, a esta altura muitos cientistas acreditam num aquecimento, sobre os níveis pré-industriais, de no mínimo 2ºC, e isto se começarmos a agir já. E, apesar dos pesares, este combate ainda não está fixado como um programa como deveria nos radares das elites mundiais.

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Por último, se alguém tem ‘culpa’, somos todos nós: a mídia tradicional que dá pouco espaço, políticos e legisladores, empresários, jornalistas, estudantes, flibusteiros da internet, e assim por diante.

Buraco grande demais

Antes a questão da produção de petróleo fosse tudo. O relatório da ONU revela que ‘embora 17 dos 20 países apresentados tenham se comprometido a atingir emissões líquidas zero nenhum se comprometeu a reduzir a produção de carvão, petróleo e gás, em linha com a limitação do aquecimento a 1,5°C’. 

Não por acaso, ‘abrimos as portas do inferno’ tornou-se bordão do secretário-geral da ONU.  Infelizmente, este personagem singular está só em seu pleito; e é o único a demonstrar saber o que vem pela frente.

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Comentários

5 COMENTÁRIOS

  1. As “narrativas” podem subverter a “ordem normativa” das sociedades.
    Ou seja, as práticas das Sociedades Humanas.
    Mas as “narrativas” NÃO podem subverter a “ordem natural” das coisas.
    Ou seja, os processos físicos, químicos e biológicos que regulam as transformações da Natureza.
    Uma “nova sociedade” está nascendo.
    Mas as atitudes de muitos indicam que essa “parto” vai ser “doloroso” …

  2. É isso aí, o país se tiver juízo deve aproveitar essa riqueza repentina e traçar o futuro que já chegou com muito dinheiro, os que falam é normal para os perdedores de plantão. O povo deve se beneficiar dessa riqueza e preparar o pequeno país para desfrutar de tudo isso no futuro e que seja juste e sustentável.

  3. A Guianna precisa buscar o quanto antes, entender o negócio do petróleo e não deixar a Exxon conduzir os negócios com rédeas frouxas não! O país é soberano e precisa aproveitar ao máximo os lucros também, investir pesado em infraestrutura, saúde, moradia, educação e ciência para um futuro sustentável

  4. Parabéns à Guiana. Parabéns à Exxon. Não adianta os invejosos chorarem. Quando a empresa ficou vários anos investindo ali não apareceu nenhum desses pulhas para darem palpites. Pelo contrário deviam ficar menosprezando a idéia da empresa. Quem investe e acredita merece lucrar e muito. Os cães ladram mas a caravana passa.

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