A revolução industrial nos oceanos e seus perigos
O site outraspalavras.net publicou (2/2/2023) uma interessante entrevista com o biólogo marinho Dough McCauley. McCauley, que trabalha como pesquisador na Universidade de Santa Bárbara, Califórnia, participa ativamente de fóruns internacionais de conservação dos oceanos. Contudo, ele alerta para a revolução industrial nos oceanos e seus muitos perigos, a maioria dos quais totalmente ignorados pelas pessoas comuns e a mídia tradicional. Até aqui, nada de novo. Desde 2005, quando foi aberto, este site alerta para o fenômeno: a mídia dá pouca atenção aos oceanos logo, o público leigo não tem mesmo como saber. Para Dough McCauley, ‘A maioria das pessoas não sabe, mas o que está acontecendo nos oceanos é uma revolução industrial muito silenciosa.’
A Economia Azul e suas consequências
O Mar Sem Fim já abordou algumas vezes a Economia Azul. Neste post, repercutimos a tese de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Economia e Desenvolvimento, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, de autoria de Andréa Bento Carvalho.
Qual o valor do PIB do Mar brasileiro?
Aos olhos da nova economia que está nascendo, Andréa queria saber qual o valor de nosso PIB do Mar. Foi a primeira vez que nossa economia azul foi avaliada. O ano escolhido para o estudo foi o de 2015.
O resultado foi impressionante. Em 2015, de acordo com a tese, a economia do mar gerou R$ 1,11 trilhão. O estudo da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio Grande do Sul estimou que os setores da economia dos oceanos representaram 19% do PIB nacional, incluindo segmentos como petróleo, transporte, pesca, cabos submarinos, lazer e turismo.
Entretanto, nosso assunto hoje são as ameaças que isto pode trazer. Vamos por partes.
Definição de Economia Azul
A National Geographic foi feliz em sua definição: ‘Considerar os espaços aquáticos como motores de inovação e crescimento para um desenvolvimento econômico sustentável e rentável é o eixo da chamada economia azul.‘
Sobre o conceito, o Banco Mundial afirma que envolve o “uso sustentável dos recursos oceânicos para o crescimento econômico, a melhoria dos meios de subsistência e do emprego, preservando a saúde do ecossistema”.
Antes de mais nada, tanto um como o outro usam a expressão ‘sustentável’. É difícil ler um texto sobre aquecimento global, biodiversidade, etc, sem que a palavra ‘sustentável’ seja usada. Ela, definitivamente, tornou-se uma ‘bengala’.
Contudo, para nós do Mar Sem Fim é muito difícil encontrar algo que seja de fato sustentável acontecendo nos oceanos. Quem nos lê já sabe disso. E parece ser este o enfoque do biólogo californiano.
Novas tecnologias favorecem a exploração
Antes vamos nos lembrar que, como o outraspalavras.net abriu a entrevista, ‘as novas tecnologias favorecem a exploração do ambiente marinho como nunca antes: aquicultura, mineração, transporte, energia ou cidades erguidas sobre o oceano. Uma revolução que já impacta a nossa alimentação e a biodiversidade.’
Segundo Dough McCauley, ‘Ao longo da história, o transporte marítimo e a pesca têm sido os pilares da economia oceânica. Essas atividades têm milhares de anos na indústria humana. Mas isso está mudando. A pesca e o transporte marítimo estão aumentando e várias novas atividades surgiram e registram um crescimento significativo.’
‘Um exemplo é a aquicultura, que aumentou exponencialmente nas últimas duas décadas. Existem também outras indústrias, como a energia marítima, as construções costeiras, a dessalinização ou, mais preocupante, a mineração em alto mar.’
Em conclusão, diz McCauley, ‘Assemelha-se muito com a revolução industrial que ocorreu na terra há 200 anos. Há uma parte estimulante de criação de alimentos, de empregos, de energia limpa, de dados, mas também um grande desafio para que a industrialização não danifique os oceanos.’
Oceanos e a energia limpa
Este é o sonho dos cientistas: criar uma energia limpa que seja prática e a custos compatíveis. McCauley percebe que haverá grande procura por ela também nos oceanos.
‘Veremos cada vez mais centrais de energia no mar, que incluirão não apenas a energia eólica e maremotriz, mas também outras de tipo mais experimental como a energia térmica e ondomotriz.’
Isso significa mais pressão sobre o já hiper pressionado oceano. ‘Mas é preciso reconhecer que isso significará mais atividade humana no oceano que produzirá algumas mudanças. Temos que pensar no que devemos fazer para minimizar o impacto.’
Mineração no fundo do mar
Para quem está ‘por dentro’, esta é a bola da vez. Ou seja, a cada dia que passa as novas tecnologias que nos cercam precisam mais metais de terras raras, ou outras preciosidades já quase esgotadas em terra firme, porém ainda virgens nos oceanos.
A mineração marinha é o terror de pesquisadores como Sylvia Earle, ou Enric Sala. Mas, a despeito de seus inúmeros problemas para a biodiversidade, parece que será inevitável minerar o subsolo marinho.
McCauley faz parte dos que temem a atividade: ‘Recentemente, mais de 650 cientistas marinhos assinaram uma carta alertando que esta indústria criará grandes ameaças à saúde do oceano. Precisamos desacelerar e ver se existe uma maneira sustentável de fazer isso, embora estejamos preocupados em não encontrá-la. Talvez esta seja uma atividade que devemos evitar.’
Aquicultura, o equivalente à agricultura terrestre
O tema acima foi outro dos abordados pelo biólogo da Califórnia. Para ele, ‘ O fator mais importante do nosso impacto vem de como usamos a terra e das práticas agrícolas. Agora estamos iniciando uma nova revolução ao produzir alimentos cultivados no oceano.’
‘Há alguns anos, o número de peixes produzidos para consumo humano superou o da pesca selvagem, o que é um marco importante, similar ao que aconteceu quando deixamos de ser caçadores-coletores para nos tornarmos agricultores.’
‘Sabemos que existem fazendas sujas e outras que utilizam técnicas mais limpas. Destruímos ecossistemas inteiros em países como o Chile ou a Noruega e em muitos lugares da Ásia. Nesse caso, precisamos ser mais inteligentes e rigorosos para garantir que apenas as técnicas mais limpas prosperem.’
Sobre as fazendas ‘sujas’ ou ‘limpas’, no caso da primeira ele se refere à criação de salmão no Chile, que já abordamos, e igualmente na Noruega. Quanto à Ásia, ele não cita mas deixa implícito tratar-se das destrutivas fazendas de criação de camarão.
Finalmente, sobre as fazendas ‘limpas’, apesar dele não dar exemplos, certamente se refere à criação de alguns frutos do mar, especialmente organismos filtrantes como a ostra, o mexilhão, além de vieiras e algas. Estas são de fato sustentáveis, ou seja, ‘limpas’, produzem alimentos sem degradar o meio ambiente.
A revolução industrial nos oceanos e a população morando no litoral
Esta é outra preocupação de Dough McCauley. ‘Um grande crescimento de diversas atividades que irão alterar os litorais. A forma mais extrema são os bairros urbanos construídos no mar em lugares como o Oriente Médio, mas as cidades costeiras e a população dessas áreas estão aumentando em todo o mundo.’
E ele prevê um aumento também nesta área: ‘Haverá também um grande aumento das telecomunicações e hardware nos oceanos, e a dessalinização está aumentando em alguns lugares para garantir o acesso à água.’
‘Por fim, existem outros tipos de novas infraestruturas sendo consideradas, como os data centers submarinos que aproveitam o potencial de resfriamento desse ambiente.’
Ajuda da tecnologia
Apesar das muitas ameaças, McCauley acredita que as novas tecnologias podem ajudar. E cita seu projeto de proteção às baleias.
‘Uma das principais causas de morte de baleias ameaçadas de extinção em muitas partes do mundo são as colisões com navios. É um problema cada vez maior com o aumento do tráfego (Desde 1980, o transporte marítimo aumentou 1.600%).’
‘ A solução que projetamos, chamada Whale Safe, é baseada em hardware que tenta detectar baleias encontradas em rotas marítimas.’
‘O ideal seria que esses navios desacelerassem ao entrar em determinadas regiões, mas como não o fazem, porque tempo é dinheiro para eles, criamos esse sistema de alerta de baleias. O hardware compartilha as informações diretamente com as companhias de navegação, que as repassam aos capitães dos navios para que diminuam a marcha.’
‘No nosso primeiro programa piloto na Universidade de Santa Bárbara, instalado há dois anos, conseguimos chegar a zero colisões. Acho que não resolvemos o problema, mas é encorajador olhar para ele de maneira diferente.’
Conclusão
Perguntado sobre qual a importância da colaboração com as variadas indústrias que trabalham nos oceanos, respondeu: ‘Eu estudo baleias, peixes, corais e esse tipo de coisa, e nunca pensei que passaria tanto tempo conversando com empresas e executivos.’
‘Trata-se de uma peça muito importante: conversar com a indústria e saber exatamente o que ela precisa – quais dados são mais relevantes, em que formato devemos apresentá-los, com que frequência, com que antecedência.’
‘Precisamos lidar com as mudanças climáticas, um tema em relação ao qual, dependendo do dia, me sinto mais ou menos otimista.’
‘Por outro lado, estão ocorrendo algumas discussões internacionais que penso que podem ter uma grande influência na saúde dos oceanos. Uma delas é sobre o tratado internacional sobre biodiversidade em alto mar. Se fosse possível criar um acordo forte, teria grande relevância.’
‘O outro tratado muito interessante é o acordo internacional para acabar com a poluição plástica. O plástico é outro grande problema no mar. Se esse tratado chegasse a ser um acordo sólido e efetivo, poderia administrar uma das maiores externalidades da industrialização.
‘Cidade perdida’ no fundo do oceano é um habitat que pode ter gerado a vida no planeta