Oxigênio negro desafia futuro da mineração submarina
Cientistas lembram que conhecemos menos de 5% do subsolo marinho e já discutimos formas de explorá-lo. Sylvia Earle, Elizabeth Kolbert e Enric Sala repetem o alerta: “mal exploramos o reino mais escuro do oceano e já o estamos destruindo”. A prova mais recente dessa ignorância é a descoberta do chamado oxigênio negro — produzido sem fotossíntese, a 4.000 metros de profundidade, em regiões onde a luz nunca chega.

O oxigênio produzido sem fotossíntese
Segundo a CNN, tudo começou em 2013, quando o cientista marinho Andrew Sweetman registrou um fenômeno estranho no Pacífico. Em várias expedições à zona Clarion-Clipperton — uma área gigantesca, duas vezes o tamanho do México, rica em metais raros a 4.000 metros de profundidade — os sensores mostraram sinais de oxigênio sendo produzido no fundo do mar.

“Coloquei os sensores de volta na caixa. Depois, disse aos meus alunos: vamos devolvê-los ao fabricante porque estão malucos”, contou Sweetman, professor da Associação Escocesa de Ciências Marinhas. “Mas toda vez que voltavam, o fabricante repetia: estão calibrados.”
‘Implicações de grande alcance que podem ajudar a desvendar as origens da vida’
Para Katie Hunt, articulista da CNN, o estudo da Universidade de Lisboa publicado na Nature Geoscience mostra o quanto ainda ignoramos sobre as profundezas do oceano. A pesquisa expõe os riscos de explorar o fundo do mar em busca de metais raros e revela que existe outra fonte de oxigênio além da fotossíntese. Esta descoberta tem implicações de grande alcance, que pode até ajudar a entender as origens da vida.
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Ilhabela em último lugar no ranking de turismo 2025Garopaba destrói vegetação de restinga na cara duraCores do Lagamar, um espectro de esperançaAs observações ocorreram enquanto Andrew Sweetman e sua equipe estudavam a biodiversidade da zona Clarion-Clipperton, no contexto da decisão da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA) sobre liberar ou não a mineração submarina na região. O levantamento identificou mais de 5.000 novas espécies, muitas delas endêmicas. Ou seja, mais uma prova da nossa ignorância sobre o maior ecossistema da Terra. Mas a descoberta quase simultânea de oxigênio sendo produzido sem fotossíntese revelou algo ainda mais surpreendente.
Uma virada no jogo da mineração submarina?
Segundo o Washington Post, a descoberta de que metais do fundo do mar podem produzir oxigênio tem potencial de “virar o jogo” — e até mudar nossa compreensão sobre as origens da vida.
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Os cientistas identificaram que nódulos polimetálicos, formados por minerais como manganês e ferro — os mesmos usados em baterias — geram atividade eletroquímica capaz de extrair oxigênio da água. E isso acontece mesmo em completa escuridão. Esses nódulos se formam ao longo de milhões de anos e podem atingir o tamanho de uma batata.
O Washington Post destacou que o estudo contou com financiamento de empresas ligadas à mineração submarina. Já Bo Barker Jørgensen, especialista em biogeoquímica marinha que revisou o trabalho, mas não participou dele, classificou a pesquisa como uma “descoberta muito incomum”.
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O Washington Post observa que a novidade pode transformar completamente o cenário da mineração submarina. O jornal ouviu Tobias Hahn, coautor do estudo, que explicou: “Pensamos que a vida começou quando a fotossíntese trouxe oxigênio à Terra. Mas pode ser que o processo eletroquímico de divisão da água já fornecesse oxigênio ao oceano. E isso muda a história sobre como a vida começou”.
Franz Geiger, professor de química da Northwestern University e também coautor, alertou: se a descoberta se confirmar, será preciso “repensar a forma de extrair” metais como cobalto, níquel, cobre, lítio e manganês do fundo do mar, para não eliminar uma fonte vital de oxigênio das profundezas.
Áreas de mineração, como Clarion-Clipperton, “são mais diversas que florestas tropicais”
Franz Geiger fez uma afirmação contundente ao Washington Post. Ele lembrou que as primeiras experiências de mineração submarina, nos anos 1980, deixaram um alerta. Qual? Bem, décadas depois, biólogos revisitaram os locais e descobriram que nem mesmo as bactérias haviam se recuperado. Já em áreas intocadas, a vida marinha floresceu.
“O motivo pelo qual essas zonas mortas persistem ainda é desconhecido”, disse Geiger. Mas o fato de resistirem mostra o risco da exploração de nódulos polimetálicos em regiões que, segundo ele, “podem abrigar mais diversidade de fauna do que as mais diversas florestas tropicais”.
O Mar Sem Fim segue acompanhando a reunião da ISA, em andamento na Jamaica, onde serão definidas as regras para a mineração submarina e eleito um novo secretário-geral. Revelações como a do oxigênio negro reforçam a relevância do cargo, que pode ficar cada vez mais próximo da oceanógrafa brasileira Letícia Carvalho.









