Salvador, BA, condomínio e espigões ou mangue e Mata Atlântica?

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Salvador, BA, condomínio e espigões ou mangue e Mata Atlântica?

A especulação imobiliária continua obliterando o litoral. Com exceção dos Estados costeiros da região norte, todos os outros 15 sofrem com o flagelo. Quanto mais famosa e bonita a orla, mais apertos ela passa na transfiguração de sua paisagem e na qualidade de vida dos moradores. A Bahia enfrenta constantemente o problema, tanto em locais mais remotos, como a Ilha de Boipeba, quanto na própria capital, Salvador. Recentemente um grupo de ricaços quase comprou um quinto da Ilha por meros R$183.375,00 para construir um imenso resort. A

Condomínio no Vale Encantado
Condomínio no Vale Encantado. Imagem, Marco Zero.

Conheça o Vale Encantado

Segundo o artigo Parque do Vale Encantado: Mobilização Popular Por Uma Área De Conservação Em Ambiente Metropolitano, do professor Angelo Serpa, da Universidade Federal da Bahia, o Vale Encantado é uma área de Mata Atlântica em Salvador-Bahia, com cerca de 100 hectares. Ela tem mais de duzentas espécies arbóreas e uma centena de espécies de aves. Além disso, há dezenas de espécies de mamíferos, répteis e anfíbios. A área se localiza no bairro de Patamares.

Vale encantado
Vale Encantado. Imagem, SOS Vale Encantado.

Em 2016, tornou-se um parque ecológico constante do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano. Porém, em 10/12/2019, a Câmara de Vereadores aprovou o Projeto de Lei n. 299/19 alterando os limites do Parque.

Desde a aprovação do PL 299, alguns habitantes da cidade vêm se mobilizando contra a mudança dos limites do Vale Encantado. Eles argumentam que, além de funcionar como refúgio para a fauna, sua preservação é crucial para o microclima regional e a saúde ambiental de toda a cidade.

mapa do Vale Encantado
Para você que não conhece Salvador se situar, a área demarcada é o Parque Vale Encantado, a praia de Jaguaribe fica quase em frente.

Em janeiro de 2020, entidades científicas recomendaram a criação do Refúgio de Vida Silvestre do Vale Encantado. Milhares assinaram petição apoiando a iniciativa. Um movimento de mobilização sobretudo de classe média. O Coletivo SOS Vale Encantado, em parceria com o Instituto Mãos da Terra (IMATERRA), elaborou em 2018, com recursos oriundos do Ministério Público da Bahia, estudos técnicos para subsidiar a criação da Unidade de Conservação (UC) de Proteção Integral do Vale Encantado, o Refúgio de Vida Silvestre do Vale Encantado.

Mapa da praia de Jaguaribe
A praia de Jaguaribe tracejada em vermelho (abaixo de Posto Ipiranga).

Para encerrar, em 2021 o parque recebeu da Unesco o título de Posto Avançado da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (RBMA). Contudo, os predicados deste parque em área metropolitana não foram levados em conta pela indústria da construção civil.

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“O caos está instaurado”

Segundo o Marco Zero, ‘a 200 metros do manguezal na foz do rio Passa Vaca, uma Área de Proteção Ambiental (APA) localizada no bairro de Patamares, em Salvador, o caos está instaurado. Tratores e betoneiras orquestram uma sinfonia barulhenta que encobre o canto dos pássaros em ruas empoeiradas, cheias de buracos e com muito tráfego de carros e pedestres. Perto dali, na rua Fauna – vejam só que incongruência -, mais homens trabalham para edificar outro espigão, esse com cobertura duplex vista para o mar e o Selo IPTU Verde garantido pela prefeitura’.

‘Em um breve passeio pela área próxima à orla da praia de Jaguaribe, é possível contabilizar, até agora, 13 empreendimentos imobiliários em obras e seis finalizados. Aos poucos, o cenário tropical típico do litoral baiano vai sendo esmagado pela rapidez da verticalização da cidade, que ameaça ainda destruir 1 milhão de m² (100 hectares) de mata atlântica existentes nas imediações’.

E ainda assim, note, o ‘caos urbano’ mereceu o Selo IPTU Verde garantido pela prefeitura!

Sombreamento na praia de Jaguaribe

Não faz sentido. O que está acontecendo em Jaguaribe é o que aconteceu em Balneário Camboriú, SC, ou seja, o sombreamento da praia.

Eu, particularmente, tenho dificuldade em entender a cabeça destes empresários que querem arranhar o céu, mesmo que para isto tenham que destruir uma praia que levou eras para se formar e, ainda por cima, com vegetação de Mata Atlântica ao redor. Mas o que mais me espanta é que tudo é feito em nome do egoísmo e hedonismo de ‘ter vista para o mar’.

Algumas pessoas que têm dinheiro suficiente para terem uma casa de segunda residência, portanto, puderam estudar e subir na vida, não pensam um segundo sequer nas consequências nefastas de suas preferências. Em outras palavras, para esta parcela da população pode-se destruir uma paisagem que levou eras para se formar, desde que o dono do imóvel tenha vista para o mar.

É o que já acontece na praia de Jaguaribe, conforme explica o Marco Zero. ‘O economista Marco Antônio Santos Dias diz que o sombreamento provocado pelos espigões na praia de Jaguaribe já é uma realidade. O local recebe uma menor quantidade de banhistas no período da tarde justamente pela falta de sol, o que, a longo prazo, pode acarretar prejuízos à vida marinha e à qualidade da areia’.

“Essa área, delicada e frágil pela presença de dois rios (Jaguaribe e Passa Vaca) próximos ao mar, está condenada. As ruas não suportam a construção desses espigões. Quando vierem os futuros moradores, isso vai virar um inferno de carros e de gente, tentando viver a ilusão de estar num verde que os seus próprios prédios derrubaram”, analisa Isa Trigo, atriz, que há mais de 30 anos reside em Patamares.

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“Os preços estão aumentando”

Segundo o Marco Zero, os preços nas redondezas estão aumentando, tanto no comércio como no aluguel de imóveis, seguindo a lógica da gentrificação [valorização acentuada de determinada área, que culmina na saída de moradores antigos em razão do aumento local do custo de vida]. Assim, todos os terrenos em que estão sendo edificados os espigões, com pelo menos mais de 1.000 m2, pertenciam a antigos moradores que se mudaram para longe.

É óbvio! É o que sempre acontece nos processos de especulação no litoral. Num primeiro momento, os antigos moradores vão embora cedendo seu lugar aos mais ricos. Depois, como as construções não costumam parar, as periferias incham com a vinda de centenas, às vezes, milhares de peões para as obras.

imagem aérea Parque Vale Encantado
Imagem aérea publicado pelo Marco Zero. À esquerda, como era em 2005. À direita, como ficou em 2024. E apesar do superadensamento, querem mais.

Como o Estado frequentemente ignora os menos assistidos, muitas áreas com grande concentração de pessoas acabam controladas por criminosos. Ao mesmo tempo, a infraestrutura nem sempre acompanha o ritmo frenético de crescimento. Mas o importante é que as centenas de recém-chegados tenham vista para o mar..

A qualidade de vida despenca

Assim, a qualidade de vida despenca com o trânsito, a poluição,  a mudança do microclima, o lixo espalhado, a falta de saneamento, e a criminalidade.

Quando fica duro de aguentar até mesmo para os novos ricos, estes vão embora à procura de melhores ‘points’. E o local entra numa decadência digna do Guarujá, ex-pérola do Atlântico, no litoral paulista, onde acontece neste momento uma guerra civil. Em dois meses de Operação Verão 54 pessoas foram mortas pela PM.

Em Copacabana, um retrato do Brasil atual, quem manda são os bandidos que não se acanham de estuprar vítimas à luz do dia, e espancam, e quase lincham aqueles que reagem.

O mesmo processo já está em andamento no sul da Bahia. Porto Seguro, por exemplo, depende do turismo que representa 70% da economia. A cidade cresce rapidamente e tem 168,3 mil habitantes. Mas o turismo também alimenta o tráfico de drogas, facções criminosas e a violência, piorada por conflitos de terra.

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Assim, a mais populosa cidade da ‘Costa do Descobrimento’, teve em 2022 uma média de 57,7 mortes violentas intencionais por 100 mil habitantes. Isso é mais que o dobro da taxa nacional de 23,3 e acima da média da Bahia, 47,1, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Mas, importante: os novos ricos de lá também seguem suas vidas com vista para o mar. Enquanto isso, Santa Cruz Cabrália, vizinha de Porto Seguro e também um polo turístico, teve taxas de homicídio e letalidade policial ainda maiores no ano passado. Lá, a violência se entrelaça com questões indígenas.

Prefeitos evitam sancionar o Refúgio de Vida Silvestre

O Refúgio de Vida Silvestre, ou Revis, é uma das 12 categorias de unidades de conservação de acordo com a Lei do SNUC. Trata-se de uma das categorias de proteção integral, as mais efetivas, de onde nada pode ser retirado.

Povo protestando contra espigões na orla
Imagem, Marco Zero.

Talvez seja por isso que, mesmo com o projeto pronto, os sucessivos prefeitos se recusam a sancioná-lo, como explica o Marco Zero: ‘Para que a fauna e a flora dessa área sejam realmente protegidas, é necessário que ela se torne um Refúgio de Vida Silvestre, só que a grande incógnita é: por que o prefeito Bruno Reis ainda não assinou o decreto, aprovado em audiência pública desde 2020 [quando a cidade era administrada por ACM Neto, que nem sequer tocou no documento]?

Nem o Ministério Público baiano consegue deter o avanço dos espigões

O Marco Zero cita a promotora de justiça do Ministério Público da Bahia (MPBA), Hortênsia Gomes Pinho, que lamenta não ter êxito no enfrentamento do problema de uma forma plena pelo MP-BA. O PDDU de 2016 permitiu uma verticalização maior da orla de Salvador, que sempre foi a “menina dos olhos” do mercado imobiliário.

“As soluções possíveis são a tentativa de composição negociada do conflito e a judicialização; esses são os remédios jurídicos propostos”.

Segundo a mesma fonte, as leis que afrouxam as regras de proteção ambiental em áreas da capital baiana já favoreceram os interesses imobiliários do empresário Carlos Suarez, um dos fundadores da empreiteira OAS, atualmente Metha, empreiteira que apareceu em seguidos escândalos de corrupção nos anos 1990 e 2000.

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Mais uma vez, repetimos, é sempre assim que acontece. A indústria da construção civil tem um apetite voraz pelo litoral. Assim, não é incomum que ela patrocine campanhas de políticos que, uma vez eleitos, pagam a conta abrindo as pernas da legislação de uso e ocupação do solo para o conhecido vale-tudo. E sempre o fazem de maneira embaçada, enrustida, sem participação popular como determina a Lei.

Mudança da legislação em 5 segundos

Outra matéria do Marco Zero, de 2022, comenta a mudança que aconteceu na Câmara dos Vereadores e confirma o que dissemos no parágrafo anterior.

‘Seriam necessárias habilidades quase sobre-humanas para entender o que disse o presidente da Câmara de Vereadores de Salvador, Geraldo Júnior, do MDB, nos 5 segundos em que colocou em votação e aprovou um projeto de lei que afrouxa as regras de proteção ambiental em ao menos oito áreas da capital baiana. Nem mesmo os vereadores sabiam que a proposta existia e seria votada naquele momento. Mas assim foi e, em seguida, a lei foi sancionada pelo prefeito Bruno Reis, do antigo DEM, atual União Brasil. Ela favorece interesses imobiliários do empresário Carlos Suarez, um dos fundadores da empreiteira OAS’.

O Marco Zero afirma que ‘não havia registro no site da Câmara, na época, de que o projeto tivesse passado pela Comissão de Planejamento Urbano e Meio Ambiente antes de ser aprovado’.

Dono da antiga OAS, Carlos Suarez, já é ‘conhecido’ do Ministério Público

Por fim, o Marco Zero mostra que o dono da antiga OAS, Carlos Suarez, já é ‘conhecido’ do Ministério Público. ‘Carlos Suarez, seus sócios, suas empresas e até a Fundação Baía Viva já foram denunciados por causar degradação ambiental em diversas áreas da Ilha dos Frades. Segundo o processo aberto em 2010, as obras realizadas no local resultaram em desmatamento, alteração da vegetação natural, aterramento de manguezais, eliminação e modificação da fauna e flora, além de outros prejuízos às APPs.

Isso acontece em pleno aquecimento global fora de controle, demonstrando que parte significativa dos políticos de Pindorama, em conluio com empresários, estão pouco se ligando para as gerações futuras. Pensam no aqui, e agora, e ponto final.

Em toda parte do mundo, pessoas replantam manguezais devido aos seus serviços ecossistêmicos, incluindo a proteção da linha da costa e a capacidade de absorver CO2 da atmosfera, que é quatro vezes maior que a de um espaço equivalente de floresta tropical.  Como o Brasil quer liderar a questão ambiental no concerto das nações, mesmo protegida por lei, aqui continuamos decepando a Mata Atlântica e os manguezais.

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Comentários

1 COMENTÁRIO

  1. Excelente matéria! Bem sei quão difícil é suportar a destruição ambiental em Salvador e áreas adjacentes. Em vão tentei salvar uma faixa residual de mata, em Buraquinho, área metropolitana. A resposta que obtive de cada instituição, dentre elas, o IBAMA, era nada mais que a recomendação de que telefonasse para outra instituição, de competência similar e diferente abrangência. Até caírem as árvores centenárias e morrerem os micos, atropelados nas ruas próximas, nada conteve a sanha destruidora da construtora e o apetite pecuniário voraz da prefeitura do município.

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