Recuperação da fauna e flora da Ilha Geórgia do Sul: um exemplo a seguir
Como ocorreu com a maioria das ilhas descobertas entre os séculos XVIII e XIX, a Geórgia do Sul — território ultramarino britânico desde 1775, quando o navegador James Cook desembarcou e a reivindicou em nome do rei George III — sofreu intensamente com a exploração humana ao longo da história.

As grandes navegações à vela
Ao tempo das grandes navegações à vela, as ilhas descobertas tinham menos valor geopolítico, e mais importância como pontos de apoio às futuras embarcações que por lá passariam em suas rotas de descobertas ou de comércio. Eram usadas sobretudo para a busca por água fresca, alimentos, e lenha.

Sempre que possível os marinheiros deixavam animais como porcos, cabras, galinhas, e outros, na expectativa que as populações crescessem para abastecer futuros navios de passagem. E os animais nativos, fossem quais fossem, eram usados como alimentação.
Como chegavam de navios, alguns ‘passageiros incômodos’ acabavam também desembarcando, como insetos e ratos especialmente. A Geórgia do Sul não escapou a esta sina.
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Sua localização é um tanto fora das rotas tradicionais, à beira do Oceano Austral, o quinto e último oceano reconhecido, e a mais de 900 milhas a nordeste da ponta da Península Antártica e quase 900 milhas a leste das Ilhas Falklands/Malvinas.

A Geórgia do Sul, do ponto de vista da geografia, é uma coluna de montanhas, com cerca de 160 quilômetros de comprimento por, no máximo, 35 quilômetros no ponto mais largo.
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E, por ser uma ilha subantártica, animais como focas, aves, elefantes marinhos e outros eram invariavelmente consumidos pelas famintas tripulações.
Ilhas do Atlântico Sul
Como já explicamos no post Ilhas do Atlântico Sul – histórico e importância geopolítica, a vasta maioria foi descoberta pelos marinheiros lusitanos em seu périplo marítimo, com algumas fugindo à regra como as Falklands/Malvinas, ou a própria Geórgia do Sul, entre outras.
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Este foi o princípio do fim de sua fauna e floras originais. Naquele período longevo, os exploradores mal sabiam sobre o que mais esta herança de suas sagas náuticas produziria séculos depois.
A ocupação da Geórgia do Sul: ‘Sua história parece uma lista de crimes contra a natureza’
O New York Times, na matéria Abundance, Exploitation, Recovery: A Portrait of South Georgia (Abundância, exploração, recuperação: um retrato da Geórgia do Sul) assim se refere à história da ilha: ‘parece uma lista de crimes contra a natureza.’
O jornal explica que quando Cook chegou, em 1775, a descreveu como “selvagem e horrível”, mas também encontrou milhões de focas antárticas nas praias, o que levou a uma corrida por suas peles. De volta à Inglaterra James Cook descreveu o que encontrou em suas viagens.
Não demorou para os primeiros caçadores de focas chegarem, em 1786. Naquele tempo a sociedade dependia de combustível animal, como a nossa ainda depende de combustíveis fósseis, para a iluminação e a lubrificação das recentes máquinas a vapor da Revolução Industrial.
Começa a matança de animais
‘No século seguinte, diz o NYT, ‘milhões de animais foram mortos, suas peles transformadas em artigos de luxo, como luvas e cartolas. Como resultado, a foca foi quase exterminada’.
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‘Ao mesmo tempo, caçadores mataram elefantes marinhos do sul, incluindo os enormes machos que podem chegar quase a 4.000 kg. Sua gordura foi convertida em combustível e a caça continuou indiscriminadamente. À medida que essas duas espécies desapareceram, cessaram seus latidos e rugidos – as praias ficaram cada vez mais silenciosas’.
A caça à baleia
Depois de quase exterminarem focas e elefantes-marinhos, os exploradores avançaram cada vez mais para o sul, em direção ao continente antártico, descoberto apenas em 1820. A cada nova enseada no fim da América do Sul, ou em cada ilha subantártica alcançada, a matança desses animais dóceis crescia de forma descontrolada.
Alguns especialistas ainda veem como um milagre a recuperação das colônias de pinípedes na região subantártica. Eles só pararam de ser caçados quando estavam à beira da extinção. Depois disso, começou a matança das baleias. Foi essa nova caça que levou à ocupação da Geórgia do Sul, ponto estratégico entre a Europa e o continente Antártico.
O New York Times situa o inicio da caça à baleia em 1904, com Carl Anton Larsen, um capitão e empresário norueguês que estabeleceu o assentamento de Grytviken em 1904.
Larsen e sua tripulação mataram a primeira baleia na véspera de Natal e, no final dessa temporada, haviam capturado 183 baleias, principalmente jubartes, sem nunca ter que sair sair da baía, tal a abundância de vida de que fala o título da matéria.
Beleia-azul, ‘criticamente ameaçada’
Nos 60 anos seguintes, diz o Times, um punhado de estações em terra processou 175.250 baleias, um número que não inclui os navios-fábrica pelágicos – grandes navios oceânicos que podiam processar carcaças inteiras integralmente a bordo – que operavam impunemente em todo o Oceano Antártico. Esta colheita maciça deixou as baleias azuis, o maior animal já conhecido, criticamente ameaçadas.
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Quando a caça às baleias na Geórgia do Sul terminou definitivamente em 1965, também deixou para trás um oceano em grande parte silencioso.
A introdução de renas na Geórgia do Sul
Os principais impactos humanos continuaram em terra. Larsen trouxe renas para a Geórgia do Sul para que os baleeiros tivessem algo para caçar.
Enquanto as geleiras, que atuam como divisórias naturais, confinaram os animais a duas penínsulas da Geórgia do Sul, suas populações ainda cresceram de forma constante, especialmente depois que as estações fecharam. Em muitos lugares, as renas pisotearam a frágil gramínea que crescia na ilha.
Ratos e camundongos
Ratos e camundongos também acompanhavam os caçadores de focas e baleeiros. Os ratos, em particular, encontraram muitos ovos de pássaros e filhotes para se alimentar, incluindo os de duas espécies endêmicas: o pintail da Geórgia do Sul, um pequeno pato; e a petinha da Geórgia do Sul, a única ave canora da ilha. Esses pássaros foram literalmente engolidos – e suas canções também desapareceram.
Recuperação da Geórgia do Sul
Livrar a ilha dos mamíferos terrestres invasores – renas, ratos e camundongos – exigiu um esforço monumental e mais de US$ 13 milhões, mas a recompensa pela vida selvagem foi extraordinária, diz o Times.

Durante o verão de 2013, equipes que incluíam pastores de renas indígenas Sámi e atiradores noruegueses vieram para erradicar uma população de renas de 6.700 animais. Os atiradores voltaram em 2014; eles eram tão eficientes que para cada 10 animais que matavam, usavam apenas 11 balas. Em 2015, a ilha estava livre de renas.
Maior projeto de erradicação de ratos da história
Enquanto isso, outro esforço estava em andamento: o maior projeto de erradicação de ratos da história. Contando com o apoio do navio, helicópteros e a experiência de 39 membros da equipe (de logísticos a cozinheiros de acampamento), esses especialistas espalharam 333 toneladas de pellets de veneno especialmente formulados em cada centímetro quadrado do habitat dos ratos e esperaram.
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No verão austral, eles monitoravam a presença de ratos, usando (entre outras coisas) bastões pintados com manteiga de amendoim. A ilha foi declarada livre de ratos em 2018 – e os camundongos também desapareceram.
As petinhas vieram de áreas livres de ratos tão rapidamente que os cientistas não tiveram tempo de documentar sua recuperação. Como essas aves podem colocar quatro ninhadas de três a cinco ovos por ano, seus números cresceram rapidamente.

O New York Times entrevistou Sally Poncet, que esteve pela primeira vez na Geórgia do Sul em 1977. Poncet é uma ecologista de campo independente que pesquisou, ou contou tudo, de gramíneas e albatrozes a elefantes marinhos, que havia na ilha, desde seu primeiro desembarque até hoje.
O jornal encerra sua matéria com uma declaração de Poncet: “Somos capazes de fazer coisas boas. E a Geórgia do Sul é um desses exemplos.”
Enquanto isto, nas ilhas brasileiras…
O que aconteceu na Geórgia do Sul pode ser o mesmo retrato das ilhas oceânicas brasileiras, mas não apenas. Fernando de Noronha, e Trindade (introdução da cabras), sofreram dos mesmos problemas durante os primeiros séculos pós descoberta. E até hoje se ressentem destes problemas.
Fernando de Noronha
Em Fernando de Noronha o que mais se encontra são ratos. Aos milhares, eles pululam pelas gramíneas que cobrem a ilha principal. E teiús, espécie de lagarto introduzido para combater os ratos.
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Acontece que um deles tem hábitos noturnos, enquanto o outro, diurnos. Como resultado, nunca se encontraram. E os teiús passaram a ter como alimentação, entre outros, ovos de tartarugas-marinhas que desovam na ilha, e outros animais endêmicos como o lagarto-de-noronha ou caranguejo-amarelo.

‘Teiús chegam a ser uma ameaça ao turismo em Noronha’
De acordo com o Jornal da USP, em Fernando de Noronha os teiús já representam uma ameaça ao turismo, principalmente por transmitirem a bactéria Salmonella enterica. E, num típico paradoxo brasileiro, mesmo sendo uma espécie invasora, o teiú recebe em Noronha o status oficial de espécie nativa e protegida.
O teiú é o maior lagarto da América do Sul e, no continente, pode chegar a 5 quilos — em Noronha, os exemplares raramente ultrapassam 2 kg. Apesar de introduzidos na década de 1950, Ibama e ICMBio ainda não adotaram medidas eficazes para controlar a praga. Segundo o jornal da USP, a ilha principal abriga atualmente entre 7 e 12 mil teiús adultos.

As espécies invasivas e seus múltiplos problemas
Outras ilhas brasileiras, próximas à costa, também sofreram com a introdução do que hoje se chama de fauna invasiva, ou espécies invasoras, que atualmente não chegam mais a bordo de navios, mas como ‘passageiros’ até mesmo em caixas de plástico que boiam ao sabor das correntes até darem em terra firme.
Ilha Anchieta, litoral norte de São Paulo, e a introdução de 15 espécies
Outras espécies chegaram por ação humana e de forma desastrosa, como ocorreu na Ilha Anchieta, quase colada a Ubatuba. Em 1983, a Fundação Parque Zoológico de São Paulo levou para lá mais de cem animais exóticos, de quinze espécies diferentes.
Hoje, Anchieta é ‘silenciosa’ como foi Geórgia do Sul. Não há mais praticamente nenhum pássaro pequeno, já que os saguis introduzidos se alimentam de ovos de pássaros.
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Enquanto isso, a ‘zelosa’ Fundação Florestal que deveria cuidar de nossas áreas protegidas como é o caso do Parque Estadual da Ilha Anchieta nada faz. Nunca vi a FF sequer comentar o problema, quanto mais combatê-lo.
A diferença entre as ilhas brasileiras e as inglesas, reside no fato de que estas últimas levam a sério os alertas de cientistas. E combatem as pragas. O exemplo maior, e agora aplaudido pelo maior jornal do mundo, aconteceu na Geórgia do Sul.
Enquanto isso, no Brasil brincamos de ‘fazer conservação’.
Imagem de abertura: New York Times.
Fontes: https://www.nytimes.com/2022/04/18/travel/south-georgia-island-recovery.html; https://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-biologicas/teius-ja-sao-considerados-hospedes-indesejados-em-fernando-de-noronha/.













Matéria realista! Parabéns. Os conservacionistas de arrastão carecem do banhos de Verdade! Macaco é macaco. Lagarto é lagarto. Atobá é Atobá.