União Europeia dilapida cardumes de atum no Índico

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União Europeia dilapida cardumes de atum no Índico

Eu já escrevi muitas vezes que ‘a pesca no Brasil é uma esculhambação total‘. É verdade e não retiro o que disse. Contudo, acrescento que a pesca industrial mundial é mais do que esculhambada. É uma avacalhação total. Sobrepesca, subsídios indecentes que atingem US$ 35 bilhões de dólares por ano, pesca ilegal, matança generalizada de predadores como o tubarão, o arrasto, e até mesmo a pesca elétrica, uma indecência aprovada pela Comissão de Pesca do Parlamento Europeu em 2017, são algumas das práticas recorrentes. Mas hoje o tema é a predação da União Europeia no Índico.

União Europeia dilapida cardumes no Índico.
União Europeia dilapida cardumes de atum no Índico.

Por que a UE pesca industrialmente no Índico?

Veja, no mapa, a imensa distância do Índico para o continente europeu. Os navios industriais queimam milhares de toneladas de diesel apenas para chegar ao Índico.

Além de expelirem quantidades inimagináveis de CO2 na atmosfera, piorando ainda mais o cenário apocalíptico do aquecimento global, uma vez lá eles passam meses com seus motores ligados 24 horas por dia dilacerando os cardumes de atum.

Agora preste atenção aos países que fazem fronteira com o Índico. São alguns dos mais pobres do mundo. Pequenas nações insulares, africanos, e asiáticos. Com exceção da Austrália e poucos outros, são os mais pobres do mundo como o Iêmem, a Somália, Myamar, etc.

Mas os europeus estão pouco se lixando, apesar de às vezes darem ‘lições de moral capengas’ por maus tratos ambientais aqui ou acolá. Antes de mais nada, com relação ao que aconteceu no Brasil no último desgoverno, eles têm toda razão. Aí está o drama dos Yanomamis para ficarmos só neste exemplo.

Porém, uma coisa é certa. O que os europeus fazem nos mares do planeta é tão ruim quanto o governo Bolsonaro para a Amazônia, se não pior. Com sua tecnologia, descrita no parágrafo de abertura, e com o tamanho de suas frotas, eles dizimam a vida marinha sem dó nem piedade.

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A diferença, como já disse centenas de vezes, é que as barbaridades praticadas nos oceanos não sensibilizam a opinião pública. Então, eles seguem matando até acabar de vez com os cardumes.

A indecente pesca de atum no Índico

Bastam as explicações acima para adjetivar como indecente. Mas acontece que tem mais. Agora está na moda a pesca com  “dispositivos de agregação de peixes”, conhecidos como FADs, ou seja, Fish Aggregating Devices.

Os dispositivos de agregação de peixes (FADs) são estruturas no mar que atraem peixes, tornando-os mais fáceis de serem capturados.

O que são os dispositivos de agregação de peixes?

Segundo a marine.conservation.org  ‘Dispositivos de agregação de peixes – chamados FADs – resultam em cinco vezes mais capturas acessórias do que outros métodos de pesca, e FADs perdidos se tornam equipamentos fantasmas, custando milhões de dólares em esforços de limpeza em ecossistemas frágeis. Esses objetos oceânicos flutuantes têm um enorme impacto ecológico.’

Ou seja, em primeiro lugar, o dispositivo implica em cinco vezes mais ‘capturas acessórias’. Isso significa, milhares de toneladas de peixes que são devolvidos ao mar, mortos. Os espertos europeus só querem o atum, cujas muitas espécies estão sob ameaça de extinção. No caso do Índico, trata-se da  albacora.

navio pesqueiro que usa FAD
Navio pesqueiro da União Europeia que usa FAD. Imagem, Jiri Rezac.

Albacora é uma das espécies de atum, um dos predadores marinhos mais rápidos e fortes. Além disso, é o peixe mais valioso dos mares depois que a globalização fez a porção rica dos habitantes do planeta cobiçarem os famosíssimos sushis, prato típico do Japão. Até mais ou menos os anos 50 só se comia sushi de atum nos países asiáticos.

Contudo, aos poucos a iguaria foi se difundindo mundo afora. Com a globalização, houve uma explosão. O mundo quer comer sushi de atum, e não há atum para todo mundo. Simples assim.

Para você ter uma ideia da predação, o Guardian informa que ‘Até 300 FADs flutuantes, normalmente consistindo de uma jangada e material submerso onde os peixes se reúnem, podem ser usados ​​por uma única embarcação.’

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Trezentos FADs por embarcação! Segundo outra matéria do Guardian (2021), apenas ‘Espanha e França – operam uma frota de 43 embarcações que pescam nos mares a milhares de quilômetros de casa.’

Só dois países europeus, França e Espanha, pescaram 70 mil toneladas em 2019

‘Em 2019, eles capturaram 70.000 toneladas de albacora, mais do que os estados costeiros do Oceano Índico, como o Irã (58.000 toneladas), Sri Lanka e Maldivas (44.000 toneladas cada).’

Só dois países europeus capturaram 70 mil toneladas! E a sacanagem maior está em tirar este recurso do quintal dos países mais pobres do mundo.

Estatística da pesca de atum no Índico
Estatística da pesca de albacora no Índico. Note a participação de apenas dois países da União Europeia.

Não à toa, o título da matéria é “UE acusada de pilhagem ‘neocolonial’ de atum no Oceano Índico.”

Conheça as espécies de atum e suas vulnerabilidades

O leitor leigo não tem como conhecer as espécies de atum, muito menos sua vulnerabilidade. A mídia de Pindorama simplesmente esqueceu-se do mar e da vida marinha antes mesmo da concorrência desleal com as redes sociais.

Depois desta concorrência, então, a coisa piorou muito. Especialmente em países pobres como o nosso. Consequentemente, muitas vezes ativistas ambientais como eu são taxados de ‘ecoterristas’.

‘Os atuns compreendem quinze espécies da família Thunnini de peixes de água salgada. Destes, oito são considerados “atuns verdadeiros”: cinco espécies de rabilho e três espécies de albacora, todas pertencentes ao género Thunnus’ , conforme ensina a National Geographic.

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‘Ferraris dos Oceanos’

O site do WWF diz que ‘Se os peixes fossem como os carros, os atuns seriam as Ferraris do oceano — elegantes, potentes e feitos para a velocidade.’

‘Os atuns são animais selvagens notáveis e impressionantes. O atum-rabilho do Atlântico pode atingir três metros de comprimento e pesar cerca de 800 Kg. A forma especializada do corpo, as barbatanas e as escamas permitem que algumas espécies nadem a uma velocidade de 70 km/h.’

‘Os atuns nadam distâncias incríveis enquanto migram. Alguns  nascem no Golfo do México e viajam por todo o Oceano Atlântico para se alimentar na costa da Europa e depois nadam de volta ao Golfo para procriar.’

‘Segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, a maioria dos estoques  está totalmente explorada (o que significa que não há espaço para expansão da pesca) e alguns já estão superexplorados (há risco de colapso dos estoques).’

Contudo, algumas são as preferidas de pescadores e consumidores. E estas estão ameaçadas de extinção conforme o ocean.si.edu. “O atum rabilho do sul ( Thunnus maccoyii ) está listado como “criticamente em perigo” na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da IUCN. Se sua população continuar diminuindo, a espécie corre o risco de extinção. Não está sozinho. Os cientistas classificaram o atum rabilho do Atlântico ( T. thynnus ) como “ameaçado” e o atum patudo ( T. obesus ), ou albacora,  como “vulnerável”. 

 Grandes companhias propõem uma trégua para a albacora

‘A acusação de “hipocrisia e neocolonialismo” da UE aconteceu por propor medidas insuficientes para combater a sobrepesca da albacora, sendo que esta espécie é a ‘premiada’ no Oceano Índico. Segundo o jornal inglês, a albacora ‘é massivamente sobreexplorada no Índico – tanto que supermercados e marcas como Tesco, Co-op e Princes recentemente deram o passo surpreendente de se juntar a cientistas e grupos ambientais para pedir uma ação dura para reconstruir a população.’

Redes de deriva
Redes de deriva quilométricas usadas por pesqueiros da União Europeia. Imagem, www.thefishingdaily.com.

Estes mesmos países são tão sacanas que, além dos FADs, utilizam redes de deriva com centenas de quilômetros!  Como ficam à deriva, frequentemente se perdem, entupindo o Índico de plástico.

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Este tipo de rede é proibida. Mesmo assim, diz o thefishingdaily.com ‘A frota atuneira espanhola declara-se perplexa pelo fato de algumas partes contratantes da Comissão do Atum do Oceano Índico (IOTC) pretenderem atribuir quotas de atum albacora a frotas que pescam com redes de deriva, quando, paradoxalmente, as redes de deriva foram proibidas pela IOTC em 2012 devido à sua alta captura acidental de espécies ameaçadas e protegidas, como tubarões, mamíferos marinhos e tartarugas.’

Enquanto isso, outras espécies de atum ameaçadas de extinção como o atum azul, o preferido para sushis por sua gordura, são vendidos nos mercados japoneses por mais de US$ 3 milhões de dólares para um único exemplar.

Quando você for ao próximo restaurante japonês, prefira o yakissoba em vez de sushi. Você já estará ajudando demais.

Assista ao vídeo e saiba mais sobre os dispositivos de agregação de peixes, ou FADs

The Truth About FADs (Fish Aggregating Devices)

Concreto em praia da Tijuca merece  o Oscar da Burrice

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