Pesca artesanal também provoca grandes danos, e agora, como fica a crença da ‘pesca sustentável’?
Recentemente este site se envolveu em polêmica com uma pesquisadora a respeito da crendice que diz ser ‘sustentável’ a pesca artesanal. Do mesmo modo, faz algum tempo que provocamos o pessoal do ICMBio também dominado pela ilusão. Antes disso, pedimos demissão do cargo de conselheiro da ONG CI Brasil. Tanto a pesquisadora, como a ONG, e parte do ICMBio, acreditam que a pesca artesanal seria sustentável. Agora foi publicado estudo (phys.org) demostrando os grandes danos da pesca artesanal. E, então? Até quando, no Brasil, pesquisadores acreditarão na falácia?
Pesca artesanal e seus grandes danos
O estudo da UBC (setembro, 2017) descobriu que a pesca em pequena escala pode ter um impacto muito maior nos ecossistemas. Isso acontece em razão da falta de dados sobre seu desenvolvimento ao longo do tempo. Jennifer Selgrath, autora principal, estudante de PhD no Instituto para os Oceanos e Pesca da UBC declarou:
Descobrimos que a influência da pesca de pequena escala está longe de ser pequena. Em nosso estudo de caso nas Filipinas, descobrimos que as pescarias se tornaram insustentáveis porque há muitas pessoas tentando capturar um número limitado de peixes e invertebrados
Impacto da pesca industrial
“O impacto das grandes pescarias industriais têm sido monitoradas nas últimas décadas.” Observação do MSF: médio, a pesca industrial tem sido monitorada, sim, mas hoje duvida-se de sua exatidão.
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Onde foi feito o estudo
“Em comunidades pesqueiras no Banco Danajon, região central das Filipinas, para mapear o crescimento da pesca de pequena escala e seu impacto no ecossistema oceânico entre 1960 e 2010. Ali fica o único recife de barreira dupla, tornando-a uma das áreas mais ricas em biodiversidade marinha.”
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Descobertas do novo estudo provam a pesca artesanal e seus grandes danos
Eles descobriram que o esforço total de pesca, por pescadores artesanais, aumentou cerca de 1.800% em 50 anos de 1960 a 2010. Jennifer Selgrath:
Nós também notamos que à medida que o esforço de pesca se expandia, as pessoas começaram a mudar de artes de pesca relativamente benignas para artes de pesca intensivas e prejudiciais
No Banco Danajon, pescadores usam explosivos
“No Banco Danajon, os pescadores usam explosivos (no Brasil pescadores artesanais também pescam com bombas, mas as autoridades fazem vistas grossas), mastros finos para quebrar os recifes abertos para capturar invertebrados escondidos em fendas e redes feitas de mosquiteiros.”
Sobre estes métodos de pesca, disse a pesquisadora:
essas tendências não são exclusivas das Filipinas e são aparentes em outras áreas com pescarias de pequena escala em todo o mundo
Veja, mais abaixo, mais esta coincidência com o que acontece nas RESEX brasileiras.
Coincidências do estudo com o que acontece no Brasil
“A pesca no Brasil é uma esculhambação total.” Assim resumiu o chefe da Cepsul, Centro de Pesquisa e Gestão de Recursos Pesqueiros do Litoral Sudeste e Sul, Luiz Rodrigues, quando o entrevistei anos atrás.
Ele estava certo. No Brasil não existe nenhuma estatística de pesca, seja industrial ou artesanal.
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As polêmicas entre o Mar Sem Fim, ICMBio e pesquisadores
Até a última série de documentários, das UCs federais do bioma marinho, o Mar Sem Fim não tinha segurança para afirmar se a pesca artesanal era, ou não, sustentável. Acreditávamos que sim. Mas faltavam provas.
Saímos a campo. Durante o período (2014 – 2016), visitamos todas as UCs federais até mesmo as 19 RESEX que existiam à época.
Antes, vamos à definição do ICMBio sobre estas unidades: “sua criação visa a proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, assegurando o uso sustentável dos recursos naturais da unidade.”
Hoje, ao todo, temos pouco mais de 20 RESEX no litoral.
Saímos do Chuí e navegamos até o Amapá. A primeira resex é a de Pirajubaé, em Santa Catarina. Os extrativistas exploravam o berbigão (note o tempo do verbo), molusco mais conhecido como vôngole.
Já não existem mais berbigões em Pirajubaé. De tão superexplorados, acabaram. Bravos para a conservação marinha no Brasil!
As descobertas do Mar Sem Fim sobre a pesca artesanal e seus grandes danos
Quem ler os textos da série UCs federais do bioma marinho, verá que na visita à primeira resex não emitimos opinião sobre a possível ‘sustentabilidade’. Era fase de investigação.
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RESEX de Canavieiras
Esta foi a terceira visitada (a partir de quem vem do sul), a RESEX de Canavieiras. Assim começa o texto: “Depois de visitar um par de resex começo a formar opinião. Como já expliquei há, no meio ambientalista, certa reserva quanto a elas.
Uma das correntes é radicalmente contrária. Alegam que áreas preservadas devem ser totalmente preservadas, sem presença humana. Para este grupo o extrativismo não permite ‘assegurar o uso sustentável dos recursos naturais’, como diz o ICMBio. Outra, ao contrário, defende sua criação.” E expliquei: “Quanto a mim, fico no meio termo…”
RESEX de Cassurubá
No litoral baiano fica a terceira que visitamos. Diário de bordo: “De meu lado continuo resistente às resex.” E acrescentei: “Mas ainda falta conhecer outras para tomar uma decisão.”
RESEX de Tracuateua
Ela fica no Pará, e foi a última visitada. Diário de bordo: “Na entrevista com o presidente da associação de usuários, ‘Mandira’, ficou nítida a nostalgia do passado. Com semblante triste, ele fala da época em que fisgar um mero, com até 180 quilos, era prática comum. Era…
”Hoje não tem mais”, diz resignado. E concluí: “Quantas vezes ouvi isso ao longo desta série? Perdi a conta. É quase um mantra dos pescadores artesanais. Hoje os meros estão na lista do Ibama de peixes ameaçados de extinção, ao lado de outras 97 espécies marinhas (mais uma?).”
E, então, onde está a ‘sustentabilidade’?
Durante a gravação dos programas entrevistei os chefes, pescadores, e líderes comunitários. Descobri que muitos não respeitam o defeso. Quando a fome aperta, pescam com veneno, ou bombas (mais uma coincidência com o estudo).
Não respeitam tamanho mínimo (para peixes e crustáceos), fecham bocas de rios com redes (o que é proibido), usam armadilhas já banidas. Até guarás já foram usados como isca! E já houve mortes entre pescadores pela disputa ao peixe. Então, pesca artesanal e seus grandes danos, ou ‘sustentável’?
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De volta às polêmicas…
“Pesca artesanal: sustentável, ou falácia?” Este post foi uma provocação (junho, 2016), estávamos fartos de saber sobre a pesca artesanal e seus grandes danos.
E, recentemente, nos envolvemos em outra baseada em estudo de uma pesquisadora publicado pela agência Fapesp. A pesquisa, na opinião deste site, confirma nossa tese sobre a pesca artesanal e seus malefícios.
Mesmo assim a autora não gostou, e recorreu até à Justiça para impedir que publicássemos. Fomos obrigados a cortar seu nome, e vários trechos do texto. Ainda assim vale a pena dar uma espiada nos “comentários“, ao final. Houve 36 deles. Inacreditável!
Soluções para a pesca artesanal?
Sim, existem. Se a criação das Resex acontece por motivos humanitários, como dar definitivamente a posse da terra a quem as ocupa há tanto tempo, seria um caso para o Incra que apoiaríamos com prazer. Os nativos merecem.
Como já dissemos, são talvez o grupo menos protegido dos brasileiros. Não há políticas públicas para eles. Mas, em vez de criarem novas Resex, seria o caso de mais áreas de proteção integral, aquelas onde é proibido extrair seja o que for: recursos vivos, leia-se vida marinha, ou não, leia-se minerais.
Por quê? Porque na zona costeira quase não há unidades de conservação deste tipo. E é ali que começa 90% da cadeia de vida marinha. Recentemente, através de um movimento que começou neste site, o Governo Temer criou duas imensas áreas de proteção integral, mas oceânicas.
É preciso criá-las também no litoral onde peixes e crustáceos poderiam continuar seu ciclo de vida para, depois, repovoarem outras áreas. Não há outra solução.
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Sylvia Earle e os pontos de esperança
Recentemente esteve no Brasil a maior referência mundial sobre os oceanos. A cientista Sylvia Earle, que veio lançar seu livro, A Terra é Azul, um clássico. Aos 82 anos, com mais de 7 mil horas de mergulhos, Sylvia corre o mundo defendendo a criação de áreas marinhas de proteção integral ou, como diz, ‘pontos de esperança’.
Locais onde é proibida a extração justamente para dar tempo ao prosseguimento do ciclo de vida marinho. Este será o grande desafio dos ambientalistas a partir de agora. Sylvia sabe que é impossível minimizar os efeitos da pesca.
Ela era cientista chefe da NOAA, agência norte-americana que cuida de tudo em relação aos oceanos, inclusive pesca. Foi a primeira mulher a ocupar o posto. Pediu demissão depois de propor regras mais rígidas para a atividade. Sugestão não aceita. Qual governo teria coragem para induzir desemprego? Por isso, hoje Sylvia defende a criação de áreas de proteção integral. Mas não basta só isso…
Unidades de Conservação e as PPPs
Todos sabem da falência do estado. E não é de agora. Faltam investimentos em áreas prioritárias como educação, saúde, segurança, saneamento básico, etc. Como esperar do próximo governo que invista em unidades de conservação? Impossível.
Se fossemos nós a decidir, não investiríamos, mas sim em educação. Então? A solução para este caso é passar as UCs com potencial turístico, e são muitas, para a iniciativa privada.
O ICMBio daria as regras. Mas a gestão seria privada como acontece em quase todos os países do mundo. Até mesmo na anacrônica Cuba. Turismo de observação gera renda e empregos (para os nativos, basta prepará-los).
O dinheiro arrecado é dividido entre todas as UCs tornado-as, pouco a pouco, sustentáveis sem aspas. Assim é no mundo. Por que reinventar a roda, ou insistir em dogmas?
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Turismo outdoor no mundo
Nos Estados Unidos existe a expressão ‘recreation economy‘. Ela envolve todas as atividades outdoor. Naquele país a atividade gera inacreditáveis US$ 877 bilhões em consumo; 7.6 milhões de empregos; e US$ 65.3 bilhões em impostos.
Até o atrasado Brasil sabe disso. A prova é o Parque Nacional do Iguaçu, gerido pela iniciativa privada. Ele mudou a situação do município, gerando empregos e renda, e mantendo a unidade de conservação com folga. Por que não fazer o mesmo nas outras?
Porque há uma divisão no ICMBio, e na academia, que considera isso ‘entreguismo’. Mais um dogma a ser combatido, tal qual o que pretende que a pesca seja ‘sustentável’…Temos muito chão pela frente, e muito trabalho, finalmente…
Fonte: https://phys.org/news/2017-09-small-scale-fisheries-big-impact-oceans.html.
Aos que ainda creditam na falácia, recomendo o post: Ilha de Páscoa, autodestruição, parábola de nossa época.