O Código Florestal as mudanças e os ‘amigos do rei’
O Código Florestal e os amigos do rei. Artigo publicado pelo O Estado de S. Paulo, pag.2, em 17/12/2011.
Escândalo nas mudanças do Código Florestal: Apicum e manguezal perdem a proteção
O grande escândalo da aprovação do novo Código Florestal não é a anistia a quem desmatou até 2008. Como apontou o artigo A tolerante lei da selva, de Manuela Carneiro da Cunha, Ricardo Ribeiro Rodrigues e Jean-Paul Metzger (Estado, 10/12), “antes disso, os infratores já sabiam o que estavam fazendo”. Data mais justificável seria 24 de agosto de 2001, “data da medida provisória que definia e regulamentava as atividades em reserva legal e áreas de proteção permanente. Ou a data de 1998, da Lei de Crimes Ambientais. Quem obedeceu e tem consciência limpa deve hoje se sentir ‘otário'”.
O escândalo, daqueles que, “em nome da agricultura familiar” (desvirtuando este acertado conceito), apequenaram a lei de 1965, decepcionando os cerca de 20 milhões que na última eleição expressaram seu interesse pelo meio ambiente votando em Marina Silva, foi a introdução da emenda que permite a ocupação de apicuns e manguezais.
Manguezais nada tem a ver com o agronegócio
Mas até o ruim tem lado bom. O ato tem força de prova. Desmascara o ardil que pretendia transformar o debate nacional numa peleja de ambientalistas e ruralistas. Os manguezais nada têm que ver com o agronegócio, tão importante para o Brasil do século 21.
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Declínio do berçário da baleia-franca e alerta aos atuais locais de avistagemNavio de cruzeiro aporta em NY arrastando baleia na proaA saga do navio oceanográfico Prof. W. Besnard terá final felizO mundo planta árvores de mangue enquanto o Brasil cortaAntes da aprovação do novo texto, eles eram considerados áreas de proteção permanente. E sua ocupação, proibida. Mas proibir alguma coisa, no Brasil, é risível. Depende do tipo que afronta a lei: se for pobre, vai para a cadeia; se não, quase sempre é “anistiado”.
Já expliquei, em outros artigos, os benefícios dos manguezais: proteção à linha da costa, agindo como anteparo às ressacas, aos ventos, às ondas e às correntes que assolam o litoral. Criatórios de vida marinha, deles dependem peixes, moluscos e crustáceos para se reproduzir. Suas raízes aéreas retêm nutrientes, o que os torna parques de engorda para a vida marinha; e quando submersas, filtram e melhoram a qualidade da água. Ponto importante a favor da sua manutenção, num país que não dá a mínima para o saneamento básico. O IBGE mostra: só 20% de todo o esgoto produzido pelos brasileiros recebe algum tipo de tratamento – a maior causa de poluição dos oceanos, no mundo, é o despejo de esgoto não tratado.
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Os mangues amenizam a caradura de governantes que não investem em saneamento.
Serviços prestados pelos manguezais
Suas copas são hábitat de aves marinhas e migratórias. E a fotossíntese de suas folhas produz parte do oxigênio que respiramos, enquanto sequestram dióxido de carbono – gás causador do efeito estufa – da atmosfera, suavizando o aquecimento global.
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Mesmo assim, o lobby dos carcinicultores foi mais forte. Caiu a proteção legal. E isso ocorreu no mesmo momento em que a comunidade acadêmica mundial não se cansa de avisar que a morte da vida marinha se avizinha. Motivos?
Dois piores problemas para a perda da biodiversidade: desaparecimento de habitats, e introdução de espécies exóticas
O desaparecimento de hábitats como, entre ouros, os mangues; a introdução de espécies exóticas, como, mais uma vez, a criação de camarões em cativeiro; a poluição, a pesca predatória, o aquecimento e a acidificação dos oceanos em razão do excesso de gás carbônico, que alterou seu pH, afetando “metade dos corais do Globo (desde 1950), matando 80% destas formações no Caribe e causando, simultaneamente, uma preocupante diminuição de 40% dos proclorococos em décadas recentes (minúsculas algas também conhecidas como fitoplâncton, produtoras de oxigênio e base da cadeia alimentar)”, disse Sylvia Earle, cientista americana, referência mundial no tema, no livro The World is Blue – How Our Fate and the Ocean’s Are One, ou O Mundo é Azul – Como Nosso Destino e o dos Oceanos São Um Só, Random House).
Zonas Mortas nos Oceanos
Sylvia Earle conta que mais de 400 zonas mortas se formaram no litoral (o estuário de Santos e a Baía de Guanabara são contribuições brasileiras às estatísticas), “refletindo mudanças na química dos oceanos”. E ressalta a cientista: todas essas ações, em conjunto, “estão matando o ecossistema que tornou possível a vida na Terra”.
Ocupação de manguezais e mudanças no Código Florestal
Mas por que a ocupação de manguezais nada tem que ver com a discussão maior, e sim com interesses particulares de uma minoria privilegiada, razão deste artigo?
Um agricultor – seja ele plantador de cana, de soja ou café – precisa investir, comprando a terra que vai explorar. Sem esse primeiro dispêndio não há como produzir. A não ser… criando camarões.
Nossos mangues, por sua importância, são áreas públicas. Não estão à venda. São doados a brasileiros especiais, os “amigos do rei”: grandes empresários, prefeitos, deputados e senadores. Os únicos a ganhar com a medida, em detrimento de todos os outros.
Visita às fazendas de camarão
Quando produzi a série Mar Sem Fim, para a TV Cultura, visitei pelo menos 90% das fazendas instaladas, sobretudo, no Nordeste, desde o Piauí até o sul da Bahia. E constatei mais: poucos empregos gerados (normalmente sem carteira assinada, empregos temporários) e conflitos socais impostos aos nativos que têm no mangue o sustento de seu dia a dia. Poluição dos estuários por abuso de produtos químicos, contaminação de lençóis freáticos pelo mesmo motivo e salinização de água doce também foram observados.
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A carcinicultura nunca foi tradição. É fenômeno recente, esperteza de quem se aproveita de um bem público em proveito próprio.
A Constituição e a zona costeira
A Constituição federal reconhece a importância dela e define a zona costeira como “patrimônio ambiental brasileiro”. Por isso, acrescenta: “Sua ocupação deve se dar de modo autossustentável”.
No ano que vem o Rio de Janeiro sediará a conferência de cúpula mundial Rio+20, para discutir as questões relativas ao meio ambiente e aquecimento global.
Se o texto passar na Câmara dos Deputados, restará apenas o possível veto presidencial.
Presidenta Dilma, a senhora vai agir ou prefere se explicar?
(foto: ricardonagy.wordpress.com)
Li seu artigo na Revista IUH (Unisinos, RS), e lá deixei meu comentário. Deveria te-lo feito aqui. Não vou repetir o texto; escrevo para endossar suas palavras e indignação, manifestarndo meu apoio à sua luta, que deveria ser de TODOS os brasileiros de bom senso (infelizmente pouquíssimos).
Nem sabia que ele havia sido publicado nesta revista. Seja como for, muito obrigado. O caminho é este: protestar e acreditar que ainda podemos modificar o Código Florestal.
abraços, seja bem-vindo ao site.