MP barra condomínio na praia da Enseada, Ubatuba
Ainda bem que pelo menos um dos três poderes ainda age no litoral. A partir de uma denúncia do Instituto Ubatuba Sim, o MP – SP acaba de barrar mais um empreendimento irregular, fruto da especulação imobiliária, na praia da Enseada, Ubatuba. Ao mesmo tempo, o MP anulou todo o processo administrativo, e o alvará de construção ‘dada a ilegalidade destas aprovações, uma vez que emanadas de órgão incompetente e no bojo de procedimento administrativo repleto de vícios formais e materiais.’ Trata-se de Enseada Palms, da construtora RUA DONA PAULINA EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO SPE LTDA. Esta foi mais uma tentativa de se ocupar APPs, ou Área de Preservação Permanente, no litoral. Do mesmo modo, o MP – SP obrigou a empresa à ‘total recuperação ambiental de toda a área.’
Enseada Palms
Já alertamos nossos leitores para que abram os olhos quando virem um empreendimento com nome em inglês, ou mesmo outra língua estrangeira. Normalmente, quando isso acontece, por trás está a especulação desenfreada. É só verificar o que aconteceu com Jurerê Internacional, SC, espécie de templo da especulação no litoral.
Jurerê, na língua dos primeiros habitantes carijós, significa ‘boca de água pequena’. O termo era usado para designar o estreito que separa a ilha de Florianópolis do continente. Apesar disso, o lugar é o paraíso de nomes em língua estrangeira. Lá existem os “beach clubs” El Divino e Cafe de La Musique; ‘resorts’ como o “Il Campanário Villaggio”, e o Jurerê Beach Village; eventos como a feira de produtos orgânicos “Jurerê Organic” ou a ‘Floripa Convention’; bares como o ‘Devassa On Stage’, que era o antigo ‘Stage Music Park’; e tem até o Jurerê Open Shopping.
Complexo de inferioridade ainda não identificado?
Deve ser algum complexo de inferioridade ainda não identificado por médicos especialistas. Seja como for, o Enseada Palms caiu antes de ficar pronto. É um alento que devemos ao Juiz da Terceira Vara de Ubatuba, Diogo Volpe Gonçalves Soares; e o Promotor de Meio Ambiente, Dr. Tiago de Barros Silva, tido como ‘o melhor nos últimos tempos’.
A página do Face descreve o empreendimento como, “Um dos destinos mais buscados tanto para moradia como para turismo. A cidade de Ubatuba com as praias mais lindas de São Paulo. Enseada Palms oferece um estilo de vida luxuoso e simples ao mesmo tempo.”
Empreendimentos pé na areia, um equívoco que destrói o litoral
É lamentável que este desejo, casas pé na areia, esteja no inconsciente do brasileiro. Trata-se de um terrível equívoco que bombardeia o litoral do País.
Praias são ambientes móveis, além de serem áreas públicas, por isso a proibição de sua ocupação. Ali, reina o que os acadêmicos chamam de equilíbrio dinâmico, cujos elementos atuantes são forças naturais como ventos, correntes, as ondas e as marés. Enquanto eles agem livremente, as ‘praias se mexem’, mudam em certas ocasiões, para voltarem ao lugar natural, em outras.
Ao mesmo tempo, muitas vezes logo atrás das praias estão as restingas, de maneira idêntica, APPs. Sua função é a de ‘segurar com a vegetação a areia que há por baixo’, impedindo a erosão natural. Por isso a ocupação do litoral deve ser sempre atrás, bem atrás das praias.
Desse modo a praia terá uma chance de regeneração com a erosão natural, ao mesmo tempo em que mantém-se a paisagem que levou eras para se formar, e que é um bem coletivo, pertence a todos os brasileiros.
Empresas de construção civil insistem no erro
Apesar de ser simples assim grande parte das empresas de construção civil, que têm técnicos como engenheiro em seus quadros, desrespeita esta regra básica, ao mesmo tempo em que atenta contra a legislação ambiental. Por causa disso a erosão se espalhou por perigosos 60% do litoral brasileiro.
Agora, com o aquecimento global fora de controle, o aumento do nível do mar, e a frequência e potência dos eventos extremos, mais que nunca é imperativo seguir estas regras. Não é possível que empresas continuem a ignorar fatos óbvios como estes.
Executivo, legislativo, e judiciário
Os três poderes deveriam zelar por estas regras e legislação. Contudo, como denunciamos, a especulação é induzida, ou facilitada, pelo próprio Executivo. Muitos prefeitos recebem financiamento do setor da construção civil. Uma vez eleitos, pagam a conta fechando os olhos aos ilícitos.
Da mesma forma, o Legislativo, em cidades costeiras, muitas vezes é composto por interessados diretos. Donos de terrenos ou posses, executivos da construção, etc. Quando chega a hora da revisão dos Planos Diretores, abrem as portas para todo tipo de ocupação: em praias, em restingas, manguezais, ou até mesmo dunas, contribuindo para a decadência do litoral.
Judiciário age de modo diferente
Graças ao bom Deus, o Judiciário age de modo diferente. Aos poucos está se tornando o ‘salvador’, o ‘São Sebastião’, do litoral. Recentemente, por abuso de poder, a prefeita de Ubatuba, Flávia Pascoal (PL), foi cassada.
O Plano diretor de São Francisco do Sul, SC, pelo mesmo motivo, vícios de origem, foi suspenso pelo Ministério Público Local. Enquanto isso, em Caraguatatuba, felizmente a população fez pressão, atuou fortemente, e impediu o Executivo de aprovar construções em encostas ou topos de morro, como queria o prefeito Aguilar Júnior (MDB).
Já, em Ilhabela, que sofre os mesmos desmandos por parte do prefeito, Antonio Colucci (PL), quase que mensalmente o MP barra absurdas tentativas de mudar a ordenação e uso do solo.
Temos que agradecer a pessoas como Diogo Volpe Gonçalves Soares, neste caso de Ubatuba, ao Instituto Ubatuba Sim; ou à Procuradora da República Maria Rezende Capucci, e Promotores de Justiça Alfredo Luis Portes Neto e Tadeu Ivahy Badaró Júnior, no caso mais recente de Ilhabela.
Que eles prossigam em suas ações de anjos da guarda do litoral. As futuras gerações vão agradecer.
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