Ilha Anchieta, Parque Estadual, edificações e Permissão de Uso
O Parque Estadual Ilha Anchieta, criado em 1977, ‘protege’ a segunda maior ilha do litoral norte, com 828 hectares e 17 km de costões rochosos, além de sete praias e o que restou da mata Atlântica depois de múltiplos usos. Atualmente, está entre as 10 Unidades de Conservação mais visitadas com 45 mil turistas ao ano. Como curiosidade, e atração exclusiva, Ilha Anchieta foi transformada em presídio em 1908 com o nome de Colônia Correcional do Porto das Palmas, cujo prédio foi construído por Ramos de Azevedo, o mesmo arquiteto do Teatro Municipal. O prédio histórico, cercado de ruínas do antigo presídio, tornou-se, por si só, uma atração única do litoral paulista. E além disso, apesar de todos os usos equivocados Anchieta ainda é uma beleza. Contudo o parque, como os outros, carece de infraestrutura.
A privatização dos parques nacionais
Desde sempre este site defendeu a privatização dos parques nacionais. Antes de tudo, o Estado tem que investir em educação, saúde e segurança, entre outros. Ainda assim, o assunto é controverso no Brasil. Até mesmo pessoas bem intencionadas caem na ladainha contra as privatizações que, em si, nada têm de errado.
Depois da série de documentários sobre as unidades de conservações federais do bioma marinho ficou claro que não há outra solução.
É o único modelo possível, ‘inventado’ pelos norte-americanos e seus parques nacionais. Nossa legislação ambiental, e igualmente a ideia da criação das áreas protegidas, deriva deste modelo.
Mais lidos
Declínio do berçário da baleia-franca e alerta aos atuais locais de avistagemPrejuízo ambiental nas festas de fim de anoA mídia e o pernicioso vício dos ‘paraísos do litoral’Vicente de Carvalho, primeiro a dizer não à privatização de praiasDevemos a Paulo Nogueira Neto, ainda nos anos da ditadura. Antes de mais nada, um modelo vencedor adotado até mesmo por Cuba, um país comunista. Seu famoso Jardines de La Reina é um parque nacional com grande sucesso internacional arrendado para uma empresa privada através de parceira público privada.
É preciso copiar os bons exemplos
Além disso, nosso exemplo mais notável é o Parque Nacional do Iguaçu em regime de Parceria Público-Privada (PPP) a partir de 1998. Desde então, mudou a relação dos habitantes com a área protegida. No rastro da concessão vieram empregos, e a renda, com o consequente aumento do turismo. A cidade e seus habitantes ganharam, assim como o incipiente ecoturismo tupiniquim.
PUBLICIDADE
Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos
Finalmente, em 2019, o Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) da Presidência da República deu sinal verde para prosseguir a política de concessões de Parques nacionais e concessões públicas. Única forma de dotá-los da infraestrutura que não têm. O Mar Sem Fim aplaudiu no post Parques nacionais e concessões públicas.
Parque Estadual e Permissão de Uso
Em 2021, os equipamentos de Anchieta passaram por uma revitalização. Assim, banheiros foram adaptados, rampas de acesso criadas, iluminação melhorada, além de revisão em quiosques, Centro de Visitantes, etc. Um investimento total de R$ 8 milhões. Simultaneamente, o Governo e a Fundação Florestal, gestora das UCs do Estado, iniciaram estudos para ‘privatizar’ os serviços através da Permissão de Uso.
Leia também
Um estudo sobre a flora da Ilha de AlcatrazesIlha Diego Garcia, última colônia britânica na África será devolvidaEspeculação na praia dos Nativos, Trancoso, suspensa pela JustiçaNa época a Fundação Florestal justificou: “A modalidade Permissão de Uso permite oferecer mais serviços e mais qualidade nos serviços de hospedagem, alimentação (restaurante e lanchonete), recepção e orientação de visitantes, loja de souvenir, locação de espaços para eventos, locação de quiosques com churrasqueiras, serviço de praia, serviço de atendimento em embarcações (alimentação), controle da visitação, dentre outros.”
Consideramos correto, especialmente porque a ilha Anchieta é ‘colada’ ao município de Ubatuba, a estância balneária mais procurada entre as 70 de São Paulo. Ou seja, o carro-chefe da economia é o turismo. Logo, para ampliá-lo é preciso mais investimento, melhorias, e mais qualidade. Neste sentido, a concessão ou permissão é o caminho.
Erros do passado vão permanecer
Entretanto, houve erros conforme já mostramos. Em 1983, a Fundação Parque Zoológico introduziu mais de cem animais exóticos, de 15 espécies diferentes. Entre elas, capivaras, saguis, tatus, quatis e cutias.
Houve um segundo erro. A omissão da Fundação Florestal que jamais tomou qualquer medida para mitigar as consequências, sequer se pronunciou publicamente sobre o que, sabe-se há muito, é uma agressão ainda mais perigosa em ambientes frágeis como são os das ilhas. Perdeu, e muito, a vida alada da ilha Anchieta. Os ovos de passarinhos são alimentos dos saguis, por exemplo.
Agora, o importante é olhar para frente e melhorar o que temos. Retirar estas espécies, depois de terem se proliferado como aconteceu, é algo que só acontece no mundo rico dado ao altíssimo custo.
Edital provoca polêmica
Em 29 de julho, O Estado de S. Paulo publicou a matéria Ubatuba: SP quer hotel, restaurante e loja em ilha de antiga prisão, de Priscila Mengue.
Priscila dá conta que a Fundação Florestal lançou um edital ‘que prevê a operação privada de restaurante, lanchonete, hospedagens e uma loja de suvenir, artesanato regional e itens de primeira necessidade’ com o objetivo de ‘ampliar o potencial turístico’.
E ao que parece o edital acertou ao tornar ‘obrigatório que no mínimo 70% dos funcionários sejam nativos enquanto pelo menos 30% dos produtos utilizados (orgânicos, pescados e outros) sejam comprovadamente locais’, como informa o tamoiosnews.com.
A gestão ambiental, respeitando o que determina o Plano de Manejo, continua com a FF, assim como a fiscalização da execução do contrato de dez anos. ‘Os dois lotes somados chegam à proposta mínima de outorga anual fixada em R$ 255 mil’, informa Priscila Mengue.
PUBLICIDADE
Ainda assim, o jornal diz que o edital ‘tem dividido opiniões entre moradores de Ubatuba’. E continua, ‘um abaixo-assinado criado no ano passado chegou a atrair mais de 850 apoiadores, que temem danos ambientais à ilha’.
As redes socais repercutem a medida
A matéria fez crescer os comentários negativos nas redes sociais. Chegamos a receber um abaixo-assinado virtual que, entretanto, não assinamos.
Ao nosso ver são críticas infundadas já que o Plano de Manejo será respeitado. O problema não é este. É a especulação imobiliária que continua detonando Ubatuba. E, infelizmente, com a omissão criminosa da FF, especialmente porque o município faz parte da APA Litoral Norte.
A extraordinária força da especulação é a grande chaga do litoral brasileiro movida pelos ‘poderosos’, os tais ‘amigos do rei’ que podem tudo.
Agora, quando finalmente o poder público começa a investir nas unidades de conservação para logo depois passá-las à iniciativa privada, não é hora de criar caso.
Olho vivo, denúncias ao MP, e cobrança de ação por parte da FF sobre a especulação é o que precisamos. O resto é perda de tempo.
Assista ao programa que fizemos (2015) do Parque Estadual da Ilha Anchieta
Assista a este vídeo no YouTube
Oi João, bom dia. A matéria é polêmica e cabe pontuar os questionamentos. Em primeiro lugar, concordo que a PPP é uma boa solução, em tese, para a exploração do potencial turístico, mas também ecolôgico e histórico-arquitetônico-cultural do Parque Estadual da Ilha Anchieta e de outros sítios históricos do Litoral Norte. Entretanto, como você mesmo bem pontuou, a FF tem sido omissa, assim como outras agências de fiscalização, no que diz respeito à preservação ambiental e patrimonial, para falar apenas do Estado de São Paulo.
No caso da Ilha Anchieta, que acompanho de perto, além dos problemas de ordem ecológica, que não vou discutir por não ser da minha competência, temos o problema da valorização do espaço arquitetônico e histórico do lugar. Como já comentei com a jornalista Priscila Mengue e também nas reuniões para discussão da Permissão de Uso, junto ao Conselho Gestor do PEIA, existem ruínas que não foram recuperadas na Ilha e que representam risco às pessoas que visitam o local. Me refiro especialmente às ruínas do antigo “quadrado” do presídio, formado pelos pavilhões, celas de isolamento, cozinha e lavanderia, mas também ao antigo quartel do destacamento militar da Força Publica, cujas paredes correm risco de desabamento. No edital da permissão está escrito que o uso desses espaços será permitido apenas após sua restauração. Porém, será permitida a instalação de campings nas suas imediações. Entendo que essa limitação não garante que usuários circulem pelo interior dessas ruínas, como alias é feito de forma corriqueira atualmente, sem nenhuma restrição de acesso. Ocorre que, o futuro administrador poderá potencializar o acesso ao local, atingindo um limite de mil visitantes/dia. Como garantir a preservação dessas ruínas com uma frequencia tão elevada? Como garantir a segurança dos visitantes, bem como o acesso a informação sobre a história do sítio, sem a devida recuperação, restauração e preservação das ruínas? Se a FF é omissa com relação às outras áreas do Litoral Norte, como garantir a fiscalização do uso da Ilha Anchieta? Enfim, são questões graves demais para serem ignoradas. Por ultimo, quando manifestei essa preocupação em reunião online com o representante da FF, ainda em 2020, foi dito que as ruínas seriam restauradas antes do lançamento do edital. Promessa vazia? Um abraço, Dirceu Franco Ferreira. Historiador e autor de “Rebelião e reforma prisional em São Paulo. Uma história da fuga em massa da Ilha Anchieta em 1952”, São Paulo: Revan/FAPESP, 2018.