Frota de pesca de atum gera escândalo e derruba economia de Moçambique
A pesca industrial do atum frequentemente se associa à corrupção, e não é difícil entender por quê. Com o atum em declínio, as cotas mundiais de pesca limitam a captura para os países interessados. Enquanto isso, o mercado global da espécie movimentou impressionantes US$ 41,94 bilhões em 2023. O atum azul, altamente valorizado no preparo de sushi, segue ameaçado de extinção e alcança preços absurdos, como os US$ 3,1 milhões pagos por apenas um peixe! Esse mercado bilionário atrai corrupção internacional entre as nações que exploram a espécie. Hoje, no entanto, o foco recai sobre a frota de pesca de atum que agravou o colapso econômico de Moçambique em um caso de corrupção doméstica. O país, que ocupa a 181ª posição no Índice de Desenvolvimento Humano entre 189 países, carrega o peso de uma das economias mais fragilizadas do mundo.
Conheça algumas maracutaias da pesca do atum envolvendo a Comunidade Europeia
Antes de mais nada, vamos lembrar que a pesca do atum acontece em alto-mar, um espaço sem lei como mostramos.
Recentemente, comentamos como a UE dilapida cardumes de atum no Índico, em detrimento dos países pobres da África e Ásia. Além disso, suas frotas de pesca são mortais, equipadas com os mais modernos recursos da tecnologia que não dão a mínima chance aos cardumes. Entre outros absurdos, a UE aprovou o uso de redes de arrasto elétricas!
A gota d’água aconteceu em uma denúncia de 2023. Naquele ano, mais da metade da delegação da UE de um órgão crucial de reguladores do estoque de atum, a Comissão Internacional para Conservação do Atum do Atlântico e Mares Adjacentes – ICCAT, era composta por lobistas da indústria pesqueira.
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Agora, passamos ao mais recente caso de corrupção nesta área, ainda que seja problema interno de um país.
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O escândalo da frota de Moçambique
Segundo a Bloomberg, Moçambique leiloará a frota de pesca de atum que protagonizou um escândalo de corrupção de 2 bilhões de dólares. O caso devastou a economia do país e motivou processos judiciais em três continentes. Os barcos permaneceram no porto de Maputo, sem uso, e enferrujando. Alguns deles têm apenas 10 horas de uso.
Em 2013, a estatal Ematum tomou um empréstimo de 785 milhões de dólares no Credit Suisse, com o governo oferecendo aval. O negócio envolveu subornos, propinas e dívidas ocultas, o que levou ao colapso financeiro de Moçambique.
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As duas instituições financeiras acordaram, em 2013 e 2014, emprestar mais de 2 bilhões de dólares às empresas estatais ProIndicus (atua no setor de segurança marítima), Ematum (setor da pesca), e MAM (atua no setor de reparações marítimas), numa operação que teve a empresa Privinvest como principal pivot.
A francesa RFI revelou que o Governo da Frelimo — Frente de Libertação de Moçambique, partido no poder desde a independência — avalizou secretamente os empréstimos sem consultar o Parlamento ou o Tribunal Administrativo.
O escândalo gerou consequências graves. O governo escondeu a maior parte da dívida do Fundo Monetário Internacional até 2016, quando a revelação bloqueou o acesso de Moçambique a empréstimos internacionais e mergulhou o país em uma crise, segundo o Undercurrent News.
Governo moçambicano pede cancelamento da dívida
Simultaneamente, prossegue a RFI, Moçambique alega que as garantias dadas para os empréstimos bancários não devem ser consideradas válidas porque foram obtidas através da corrupção de altos funcionários do Estado.
O Club of Mozambique informou que a situação levou o governo a entrar com uma ação em Londres que procurasse o cancelamento da dívida de 622 milhões de dólares da ProIndicus ao Credit Suisse. Este é apenas um dos empréstimos de “dívidas ocultas”, contraído através da sua sucursal britânica que reclama uma indemnização por todas as perdas resultantes do escândalo.
A pretensão de Maputo era anular as dívidas ao Credit Suisse, assim como obter compensação financeira pelos danos causados. Como réus do processo estão o ex-presidente da República, Armando Guebuza, bem como seu filho mais velho, Armando Ndambi Guebuza, o ex-ministro das Finanças, e o ex-diretor de Inteligência Econômica do SISE. O julgamento é o fim de quase quatro anos de litígio com a justiça britânica, à qual Moçambique recorreu.
Para encerrar, lamentamos que a mídia tupiniquim dê tão pouco espaço às questões do alto-mar. Assim, os brasileiros em geral que adoram sushi, mal sabem que o peixe está em extinção e que, quase tudo que se relaciona ao atum está coberto por nuvens de corrupção.
Presidente do STF intima Flávia Pascoal, prefeita de Ubatuba