Documentário Amazônia Sociedade Anônima: na mosca!

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Documentário Amazônia Sociedade Anônima, show de bola, acerta na mosca

O diabo é que a discussão está contaminada politicamente. Quem pensa de um modo, é ‘esquerdista’; se pensar do outro, é ‘direitista’. Esta  visão binária e simplista prejudica  uma discussão objetiva. Se houver desprendimento das partes interessadas, podemos avançar e chegar a bom termo. Bora tentar? De nossa parte, reafirmamos cem por cento de honestidade intelectual mesmo que  estejamos errados na avaliação. Já dissemos, e reiteramos que não somos especialistas na Amazônia mas no bioma marinho. De Amazônia somos aprendizes interessados, buscando repercutir fontes sérias e consistentes para contribuir para a grande questão do século 21, a percepção mundial da finitude da natureza selvagem e dos serviços ecossistêmicos que presta, indispensáveis à vida humana. É disso que se trata, não da ação deste ou daquele governo. A introdução se justifica porque vamos recomendar aos leitores um excelente representante destas ‘fontes sérias e consistentes’, o documentário Amazônia Sociedade Anônima.

Logotipo do Documentário Amazônia Sociedade Anônima

Para situar o leitor

A Amazônia está hoje nas manchetes da mídia mundial em razão do desmatamento ilegal, e as queimadas. Do exterior, recebemos pressão em razão do perigo para o clima caso a floresta desapareça e de uma minoria de agricultores franceses subsidiados. A Amazônia é importante para o mundo. No cenário interno, vigora polarização entre defensores, e detratores da atual política ambiental.

E qual é esta política?

Depende do ‘viés’e quem fala

Ela comporta muitas respostas, depende do ‘viés’ de quem a analisa. Nós, do Mar Sem Fim, já demos a nossa explicação: basicamente, a limitada capacidade intelectual de Bolsonaro o faz pensar que índios, unidades de conservação, ONGs e ambientalistas ‘prejudicam  o progresso do País’;  quem critica é inimigo, tem objetivos escusos como tomar a Amazônia do Brasil, ou então é ‘comunista’.

Sobre aquecimento global, principal preocupação no exterior, esqueça. O atual governo nega o aquecimento. Para o chanceler, trata-se de ‘complô comunista’.

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Governo nega aquecimento

O ministro do Meio Ambiente não vai tão longe, mas já questionou diversas vezes se o aquecimento é provocado por ação humana. E, quando vai ao exterior, frequenta reuniões de fóruns negacionistas.

Governo nega desmatamentos

Quando se fala em desmatamento, o governo nega. “A Amazônia não está queimando”, disse Bolsonaro em reunião virtual recente com líderes de outros países da região. Por causa do excesso de ‘narrativas’ o púbico fica perdido.

Afinal, há ou não desmatamento? E se houver, quem são os criminosos e porquê? Gente humilde da floresta, que o faz ‘por tradição’, como alega o governo, ou criminosos ricos e organizados?

Ou ainda como sugerem ‘ambientalistas-das-redes-sociais’, e alguns poucos desinformados e de má fé que atribuem a culpa no agronegócio?

Política indígena

Nada do que está acontecendo na política indígena ou ambiental é surpresa para este site. Desde a campanha Bolsonaro não se cansou de declarar publicamente: “Pena que a cavalaria brasileira não foi tão eficiente como a americana que exterminou os índios.”

Ou, “esta festa das multas do Ibama vai acabar”, lembra-se?

As dúvidas do público

Com o governo alegando estar tudo em paz, e outra parte dizendo o contrário, o público não especializado fica perdido. Afinal, se há desmatamento ilegal, quem seriam os responsáveis, os humildes moradores por tradição, ou quadrilhas especializadas que fazem enormes lucros, quem, afinal?

O documentário

É isso que responde o documentário sem entretanto mencionar uma só vez o atual, ou os governos passados. O trabalho procurou, e atingiu, a objetividade em nossa opinião. O que ele mostra são fatos, as imagens confirmam, e ações da polícia e do Ibama provam.

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Documentário Amazônia Sociedade Anônima

imagem da capa do documentário Amazônia Sociedade Anônima

O trabalho abre com uma cena da floresta.

Uma tarja surge no vídeo: “Em 14 mil anos de coexistência com a espécie humana, 1% da floresta foi desmatada. Desde 1970 quase 20% da Amazônia brasileira foram desmatados, outros 20% estão degradados em sua biodiversidade por retirada ilegal de madeira e incêndios.”

Até aqui tudo bem?

Música brasileira na doce voz de uma mulher por cima de imagens da pujante floresta. Closes da biodiversidade mostram os serviços de muitos insetos, e saltam para imagem aérea da floresta e sua beleza sugerindo a ideia do conjunto perfeito, as leis naturais da natureza em sua plenitude. Cachoeiras de tirar o fôlego distraem a atenção em imagens de encher os olhos.

Do começo ao fim o documentário é ágil, rápido e variado, bem editado.

Cacique Juarez Saw Mundukuru

A obra é recente, 2019, e aborda a polêmica da terra indígena Mundukuru, próxima a Itaituba, Pará. Juarez, o cacique,  mostra a terra que lhes pertence.

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Tarja no vídeo sinaliza nova mudança para a…

Operação ‘Castanheira’, 2014

É uma operação de grampo telefônico, informa a tarja. Entra uma imagem de estrada de rodagem no Sudeste. O áudio solta uma gravação abafada de grileiros falando nos celulares sobre o valor da terra na região.

Uma voz masculina não identificada: “Olha, eu tenho uma construtora mas queria fazer uns investimentos que dessem mais dinheiro…” O outro responde confirmando o ‘bom’ investimento.

Corta.

Close de Beto Veríssimo (formação na área de engenharia agronômica com pós-graduação em ecologia pela Universidade Estadual da Pensilvânia-EUA), pesquisador sênior da ONG mais respeitada da região, Imazon, confirmando o que dissemos em recente post, que nunca demos bola para a Amazônia e que hoje, pela omissão, pagamos o pato. “O Brasil quis povoar a Amazônia num processo de colonização recente, surgido nos últimos 40 anos (‘Integrar para não Entregar‘).

Filme de época (anos 70) mostra sucessão de enormes tratores com esteiras na recém aberta BR-163 enquanto o locutor, com a enfadonha voz tradicional do poder central de então, informa que ‘homens, máquinas e recursos são destinados à abertura das estradas’.

Começava a se intensificar o processo de desmatamento.

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Terras Mundukuru, Pará

Beto Veríssimo: “o governo incentivava a ocupação (‘Integrar para não Entregar’) dando títulos de terra de forma legal de um lado, enquanto de outro estimulava a grilagem.”

Beto explica que na época, ‘este mesmo território era dos mundukurus e populações tradicionais, não era do governo (Portanto ele não poderia ter distribuído títulos de terra neste local).”

Estava criado mais um impasse o governo, sem saber, dava títulos de terras que não eram suas (terras indígenas e sua posse são garantidas pela Constituição). Prossegue Beto Veríssimo: “os grileiros se apropriaram de grandes áreas de florestas públicas para revendê-las no futuro.”

E completa: “o processo de desmatamento sinaliza (a preparação da área) para a grilagem, o desmatamento não é o fim; nos próximos anos ele vai tentar legalizar a terra e realizar seu lucro (vendendo-a por alto preço algo que não era dele, depois de garantir a posse por uma das muitas ‘anistias’ que ocorrem há anos, desde a redemocratização em 1985).”

Desmatamento: primeira parte do processo de grilagem

Portanto, o desmatamento é apenas parte do processo de grilagem incentivado, sem este propósito,  pelos governos militares (e pelo atual dizemos nós).

Beto Veríssimo: “O processo tem de ser desconstruído, se não avança para florestas públicas que ainda não estão protegidas (através de unidades de conservação. Observação do MSF: estas florestas públicas são as áreas mais desmatadas nos últimos anos).”

“Um milhão de km2 já foram para o saco, uma área do tamanho de Minas Gerais.”  E finaliza: “enquanto elas (as terras sem dono oficial, ou ‘florestas públicas’) estiverem disponíveis serão os grandes atrativos.”

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Com isso o documentário toca em outra ferida de maneira sutil, sem necessariamente mostrá-la, a ausência total do Estado na Amazônia a não ser nas grandes cidades. Quem como eu conhece a região, sabe disso.

A primeira viagem para a Amazônia, 1982

Apesar de insistir em não ser especialista no tema a primeira vez que fui para a Amazônia foi em 1982 quando voei de Nova Iorque onde estudava até Letícia, na Colômbia. Letícia fica na margem esquerda do rio Amazonas. Na margem direita fica Benjamin Constant, a primeira cidade brasileira da fronteira.

Atravessei, instalei-me num hotel, e aguardei por uma das gaiolas que descem até Manaus. Demorou uma semana navegando 24 horas por dia. Em Manaus peguei outra gaiola e desci até a ilha de Marajó na foz do grande rio, em mais uma semana de viagem. Durante estes 15 dias só vi a presença do Estado em duas localidades: Manaus, e Santarém.

No resto impera a lei do mais forte. E esta foi apenas a primeira vez em que fui para o Amazonas. De lá para cá, só no município fronteiriço do Oiapoque (do outro lado do rio de mesmo nome fica a Guiana Francesa), já estive cinco vezes.

Sem falar que atravessei navegando a foz do Amazonas, com cerca de 300 km de extensão, de Macapá até Belém através dos furos da região.

A viagem durou uma semana porque parávamos em todos os lugares possíveis. Só vi a presença do Estado em três localidades, e ainda assim em número que mal atendia a população: Afuá (A ‘Veneza’ brasileira) Breves, e Curralinho. No resto, impera a lei do mais forte. E isto na foz do rio, que diria nos rincões do interior.

Experimente por um dia tirar a polícia das ruas de São Paulo. Você assistirá uma matança generalizada por parte da bandidagem. Vai imperar a lei do mais forte. Por que na Amazônia seria diferente?

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“O que move o desmatador?”

Tarja com os dizeres: “O que move o desmatador?”

“A regularização fundiária futura.”

Mas, e como é financiado o processo de desmatamento, afinal, é preciso muita gente e grandes máquinas?

“A BR-163 parou na divisa com o Pará. Mas as estradas vicinais cresceram. As linhas onde são abertas valorizam o preço das terras por elas cortadas.”

Gravação telefonica entre grileiros: “A fronteira (do desmatamento) é ali (referindo-se às vicinais), e o Amapá. Só que o Amapá fica a 4 mil kms, e ali, 2.500.”

Pessoal do Ibama, armado, em meio à floresta

Esta, a cena seguinte do documentário. A câmera mostra fiscais do Ibama e rastros de tratores de esteira na estrada de ‘chão’.

A equipe segue a trilha e chega aos funcionários do desmatador. Gente humilde, mas que sabe muito bem que fazem o mal feito.

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“Eu ganho mil e seiscentos reais.” Outro: “Eu tiro três mil por mês.”

Corta.

Fiscal do Ibama: “O desmatador preenche os dados do CAR (Cadastro Ambiental Rural) falsificados, e mostra o documento.

Entra mapa de satélite mostrando o tamanho real da área desmatada, pelo menos 10 vezes maior que a relatada. Por quê?

Porque quando a fiscalização um dia chegar, ele pode mostrar o documento e alegar que ‘já estava assim quando chegou’ (mas na realidade quem desmatou foi ele).

Fiscal do Ibama: “É um crime cada vez mais difícil de pegar (dada a sofisticação das quadrilhas).”

Helicóptero sobrevoando terra grilada

Cena de helicóptero sobrevoando a área enquanto um fiscal do Ibama instrui por rádio as equipes em terra.

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Aviso do MSF: a operação ocorreu próxima à hidrovia do rio Tapajós, via normal para escoar a produção (seja agropecuária ou madeira ilegal) para o porto de Santana, no Amapá, e daí para o mundo.

Cacique Juarez: “por 20 anos tentamos regularizar a terra e não conseguimos (não só os pobres migrantes que não conseguem regularizar, muitas tribos indígenas também não). Percebemos que o pessoal da Funai, que deveria nos proteger, é pressionado (assim mesmo, com esta precisão).”

Entra cena de reunião entre índios e brancos, com a responsável dando desculpas sobre o por quê da terra não ter sido demarcada em 20 anos.

Cacique Juarez conversa com outras lideranças mundukurus

“Quando percebemos que não saía, decidimos pela autodemarcação, é preciso mostrar ao governo que aqui é terra mundukuru. Aqui, e aponta com sua mão para a floresta,” só sobrou isso, estamos cercados por madeireiros (guarde bem esta informação: ‘estamos cercados por madeireiros’).”

Alguém duvida com a ausência do Estado?

Entra cena de madeireiro identificando  toras de árvores recém cortadas. Ele aponta, diz os nomes, e dá os valores de cada tora.  Ao identificar um tronco de um Jatobá, uma voz pergunta é madeira legal?

Ele mostra os documentos falsificados, “pode ter certeza, com isso aqui não tem problema não, todo mundo aceita.” Em seguida diz que um só tronco de argelim é vendido por ‘até dez mil reais’.

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Assim as  quadrilhas, geralmente de fora da Amazônia, agem. Com a madeira ilegal pagam o batalhão de ‘funcionários’ que desmata auxiliados por máquinas de esteira com garras na frente para pegar e redistribuir enormes toras de madeira. Máquinas que custam de 2 a 4 milhões de reais. Quem paga por isso, se não quadrilhas capitalizadas?

O desmatamento ilegal não é feito pelos ‘humildes’ posseiros, mas por quadrilhas sofisticadas que pagam aos ‘humildes’ valores que não ganhariam em meses de trabalho. Eles fazem a parte suja. Os chefes dão ordens de São Paulo, Paraná, Santa Catarina, etc.

O financiamento das quadrilhas de grileiros profissionais

Procurador da República, Daniel Azeredo, do MPF: “Hoje a madeira ilegal tem aparência de legal, acobertada por papéis falsos.”

Mas, de onde viriam estes papéis falsos?

Procurador: “O Estado do Pará aparece como maior importador de madeira.”

Como assim, o Pará (onde está a madeira) aparece como maior importador?

Procurador: “O Estado do Pará está importando papel crédito que vai legalizar depois (a madeira extraída ilegalmente).”

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Enquanto isso…

Enquanto isso, o documentário mostra cenas de uma batida do Ibama com 16 peruas em estradas de asfalto se dirigindo para Santarém, próxima da qual  sabiam que havia desmatamento. O áudio por cima destas imagens é do pessoal da quadrilha avisando comparsas mais à frente: “são 16 caminhonetes sujas do Ibama mais duas cegonhas subindo pro Pará’.

Os bandidos não sabiam, mas a caravana do Ibama sabia que estava sendo espionada e delatada, mesmo assim prossegue até chegar ao acampamento dos humildes contratados para o serviço sujo.

Ao lado, um trator de esteira que, de tão sofisticada a quadrilha, até rádio tinha. O motorista, enquanto separava as toras derrubadas ilegalmente, acompanhava o desenrolar da ação. E pouco depois abandona o acampamento deixando os humildes abandonados à própria sorte.

O Fiscal do Ibama põe fogo no trator (ainda era permitido, Bolsonaro proibiu), e explica que o faz com amparo legal: “se deixarmos aqui logo será usado de novo.”

Avisos do documentário Amazônia Sociedade Anônima

Ilustrando cenas da floresta e depoimentos de índios, os ‘humildes’ moradores de cidades próximas, e autoridades, surge um dizer na tela que congela a imagem: “Em 2009 a Lei 11.952 legalizou invasões de terras públicas ocorridas até 2004.”

“Em 2017 a Lei 13.465 estendeu as invasões até 2011 e ampliou o tamanho das áreas de 1.500 para 2.500 hectares.”

Se você tem dúvidas sobre como são possíveis estas legalizações sistemáticas, lembre-se que uma das bancadas mais fortes do Congresso é a dos ruralistas, gente financiada por parte do agronegócio faz tempo para defenderem seus legítimos interesses mas que, para este site, a banda boa do agro perdeu o controle, e hoje os entre os ruralistas há gente ligada ao crime de especulação de terras, o verdadeiro causador da devastação da floresta.

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É por isso que de tempos em tempos aparece uma aberração como a MP da grilagem que tanto escândalo provou recentemente e acabou suspensa. E quem explicou bem como nasceu a bancada ruralista foi o cientista Carlos Nobre em entrevista a este site.

Os especuladores que comandam as ações descritas no documentário, conversam livremente sobre isso sem saber que foram grampeados. É questão de tempo para a legalização chegar e, com ela, os lucros exorbitantes.

Lições para não esquecer

Liderança dos mundukuru: “Os grileiros não percebem o aquecimento (do planeta) porque vivem rodeados por ar condicionado. Têm no carro, no trabalho, em casa. Mas no futuro nós vamos estar brigando pela água’ (acredite se quiser), e aponta com a mão o caudaloso Tapajós que banha suas terras.

As dificuldades em conter a ação criminosa

Por ano são cerca de 25 mil focos de incêndio na Amazônia Legal que representa cerca de 60% do território brasileiro. Para além da dificuldade de fiscalizar a vasta região, as quadrilhas, como se viu, são sofisticadas,  têm documentos (comprados) em perfeito estado, ajuda de uma bancada no Congresso, espiões, e muita organização.

Fica difícil conter os mal feitos que vão de sonegação fiscal a evasão de divisas, passando por roubo de terras públicas e sonegação tributária.

Os irmãos Villas Bôas e a atração de índios na década de 70

Quem já é ‘idoso’ há de se lembrar das aventuras dos irmãos mais que famosos, tributários das idéias do Marechal Rondon e unanimidade nacional, nos confins do Brasil, na década dos 70. Eu acompanhava suas expedições na floresta quilômetro a quilômetro, através de reportagens do Jornal da Tarde que muitas vezes conseguia colocar um repórter nas caravanas.

Lembro com nostalgia a aproximação cautelosa com a tribo dos gigantes que assombrava o Brasil, os kreen-akarore, que por séculos esconderam-se na mata do norte do Mato Grosso. Quando o governo militar decidiu construir a Cuiabá-Santarém, que corta o território deles na bacia do rio Peixoto de Azevedo, era chegado o  momento do contato.

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Como disse o cacique Juarez, ‘os índios não podem ficar cercados’ (sob pena de extermínio). Eles não têm poder de fogo nem resiliência suficiente para aguentarem o cerco.

Cláudio e Orlando partiram ao seu encontro com a aventura relatada quase diariamente pelo jornal. Seriam agressivos? Quem era aquela gente gigante?

O contato foi amistoso, afinal, e os índios, que nem eram tão altos assim, aceitaram ser vacinados contra doenças de ‘homem branco’. Algum tempo depois assisti uma entrevista do Orlando na TV. Às tantas alguém perguntou cheio de animação qual teria sido a emoção daquele encontro, soando para mim como a nova descoberta dos ‘aztecas’.

Deixá-los onde estão

Triste e resignado, Orlando voltou a dizer que o melhor a fazer seria deixá-los onde estão, ‘mas quando estão cercados, não há o que fazer, o contato tem que ser feito’. E explicou que com ele, os índios talvez tenham uma chance de sobreviver, uma vez que passarão a ter ‘proteção’ do Estado; se ficassem cercados acabariam por morrer (não só por doenças, mas pela violência que se segue à construção de uma estrada que também é percorrida por grileiros criminosos).

Documentário Amazônia Sociedade Anônima

É o que demonstra com precisão desconcertante Amazônia Sociedade Anônima, documentário de excelente qualidade técnica, em 70 minutos de belas cenas entremeadas por depoimentos dos principais protagonistas.

O documentário não tem ‘viés’ político. O atual governo é citado duas vezes por índios que justificavam que, como ‘este governo não ajuda’, resolveram se organizar e lutar pela autodemarcação da terra de seus ancestrais, já cercada por grileiros e especuladores.

Preparando a terra para venda

Foi só. Ele não deixa dúvidas também de que, ao contrário do diz o atual governo, o desmate ilegal acontece e é apenas parte do processo dos especuladores. Primeiro eles contratam os humildes para tirar tora por tora, as mais valiosas.

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Feito isso, cortam as restantes e limpam o terreno com fogo. A área pública, para ficar pronta para venda, ainda exige mais duas aplicações de fogo. Pouco tempo depois, ela estará no ponto certo para se tornar pasto.

Agricultura e pecuária de passagem para a ‘indústria da invasão de terras públicas’

Ainda depois de um tempo, e sempre com coordenação sofisticada de quadrilhas de fora da Amazônia, a terra pode ser aproveitada para a agricultura, especialmente a soja (mas a agricultura não é o fim, e nem a soja pertence aos produtores do agronegócio, mas de grileiros).

Durante este longo processo, os criminosos compram documentos falsos e iniciam o processo de legalização, sempre com a certeza de que, com o tempo, virá a anistia como sempre acontece.

Trata-se como disse Beto Veríssimo, da ‘indústria da invasão de terras públicas’, é disso que se trata, realidade evidente por quem conhece o tema agora escancarado no documentário. Mesmo quem não conhece esta história com intimidade ficará convencido. Ou no mínimo, terá muitas dúvidas com as quais se debater.

Como assistir o documentário Amazônia Sociedade Anônima

Com roteiro, direção e produção de Estevão Ciavatta, a quem parabenizamos, Amazônia Sociedade Anônima foi incluído recentemente no Globoplay. Vale a pena assistir e recomendar para amigos.

Ele dará mais embasamento a uma discussão polarizada politicamente, recheada por fake news nas redes sociais, e palpites de toda sorte da maioria das pessoas que não conhecem os meandros agora expostos.

Estevão Ciavatta, o diretor do documentário Amazônia Sociedade Anônima

“É diretor, roteirista, produtor e sócio-fundador da Pindorama Filmes, referência em questões sociais e ambientais. Ciavatta escreveu e dirigiu dezenas de programas de televisão, incluindo Brasil Legal, Central da Periferia e Programa Casé. Para a HBO, criou, dirigiu e produziu as séries Preamar e Santos Dumont. Amazônia Sociedade Anônima é seu primeiro longa-metragem.”

Assista o trailer do documentário Amazônia Sociedade Anônima
Amazônia Sociedade Anônima (2018) - Trailer

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Comentários

7 COMENTÁRIOS

  1. Acabei de assistir ao documentário e a sua resenha é maravilhosa! Ficou muito bem explicado que a política não se importou no início com os indígenas e agora está piorando, não há um só culpado, todos foram e permanece sendo. São sites como o seu que ajuda pessoas, como eu, a se manterem informadas para que possamos mudar o nosso futuro. Abraços!

  2. A lamentar q a reportagem/vídeo não esteja disponível ao acesso livre, no YouTube, para q a sociedade, milhões de brasileiros, como um todo, exercesse pressão sobre os 3 poderes constituídos para o devido encaminhamento do assunto.

  3. Leitora diária do Mar sem Fim. parabenizo o site, sempre interessante e esclarecedor. De pequena me perguntava porque empresários não investiam na amazônia, polo turístico por excelência. Barcos bons, bonitos, confortáveis, pousadas agradáveis, bem localizadas, aliadas a um incentivo a que brasileiros possam conhecer a fauna e a flora da região. Em lugar de destruir, lucrar com as belezas da floresta. Aos 80 anos já não tenho esperança que o Brasil consiga preservar toda essa beleza se os “donos atuais do poder” só pensam em destruí-la.

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