Decisão do STF proíbe criação de camarão em manguezais
Ah, como é prazeroso divulgar uma boa notícia! Desde que o aquecimento global saiu totalmente de controle, quase só temos notícias negativas sobre o meio ambiente marinho. Entretanto, a de hoje é a melhor possível. Os manguezais são um importante berçário, ao mesmo tempo em que protegem a linha da costa contra a erosão e, ao mesmo tempo, são excepcionais como sumidouro de gás carbônico, um dos gases de efeito estufa. Para você ter uma ideia desta capacidade, saiba que um hectare de mangue sequestra quatro vezes mais CO2 que a mesma área de qualquer floresta tropical.
Apesar destes predicados, o ecossistema é extirpado no Nordeste para a criação de camarões em manguezais. No sul e Sudeste, o mangue é aterrado para dar lugar a casas de veraneio, hotéis, marinas, etc. Assim, saber que o STF proíbe a prática em manguezais é algo muito bom.
Carcinicultura, um flagelo ambiental fora da grande mídia
O Mar Sem Fim é um dos poucos veículos que denuncia a carcinicultura desde o início dos anos 2000, quando tomamos conhecimento dessa prática. O manguezal, reconhecido por seus valiosos serviços ecossistêmicos, é protegido pela legislação ambiental como Área de Preservação Permanente. Mesmo assim, sua destruição continua quase sem nenhuma reação do poder público.
Durante minha primeira viagem pela costa brasileira, do Oiapoque ao Chuí, em dois anos de expedição, testemunhei diversos cenários marcantes, tanto positivos quanto negativos. O que mais me chocou foi o descaso com o tema que debatemos hoje. Ao chegar ao Piauí e seguir até o Sul da Bahia, vi uma sucessão de estuários degradados pela carcinicultura. A Paraíba foi o único estado que se posicionou contra essa atividade.
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Pior que isso, as áreas de mangue são públicas, pertencem à União, ninguém pode se dizer ‘donos de manguezais’. E, no entanto, era o que acontecia, ao menos ao tempo de minha viagem. Investiguei dezenas de fazendas de camarão, a grande maioria ‘pertencia’ a políticos; prefeitos, deputados, senadores, e até um ex-vice-presidente da República era proprietário.
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Acredite se quiser, os manguezais eram doados a estas pessoas que os extirpavam para gerar piscinas criatórias, onde criam uma espécie exótica, oriunda do Pacífico, o Penaeus vannamei.
Alimento das criações: farinha de peixe
Para agravar o problema das criações, os camarões recebem alimentação à base de farinha de peixe. Essa prática levou à captura de espécies de peixes não-alvos da pesca industrial para a produção da farinha. E o impacto é alarmante: são necessários sete quilos de peixes para produzir apenas um quilo de farinha. Em outras palavras, a carcinicultura representa uma atividade completamente insustentável.
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Diocese de Sobral envolvida na especulação no litoral oesteDepravação moral da Câmara de Vereadores de UbatubaMunicípio de São Sebastião e o crescimento desordenadoPorém, apesar de todos estes malefícios, raramente a grande mídia abordou a questão. O Mar Sem Fim está praticamente sozinho na denúncia deste descalabro. Fizemos dezenas de matérias a respeito, entrevistamos um dos mais proeminentes pesquisadores da academia, Jeovah Meireles, da Universidade Federal do Ceará. E, mesmo assim, nada acontecia.
STF proíbe a criação em manguezal
Em 2020, os mangues e restingas sentiram o baque quando o ex-ministro de Meio Ambiente, Ricardo Salles, suspendeu a proteção de mangues e restingas. Houve forte reação da academia, de ambientalistas, e até de políticos. Senadores reagiram às mudanças nas regras de proteção. Pouco depois, a medida de Salles caiu.
Mesmo com a volta da ‘proteção’ os mangues e restingas seguiram perdendo espaço pela absoluta falta de fiscalização no litoral. Mas, agora, a situação muda.
O processo que gerou esta decisão começou no Rio Grande do Norte, hoje o maior produtor de camarões, seguido pelo Ceará. Segundo o jornalista Sydnei Silva, ‘o Supremo Tribunal Federal (STF) acolheu o recurso extraordinário movido pelo Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN) e reformou uma decisão sobre a regulamentação da carcinicultura no estado. Por maioria, a corte superior declarou inconstitucional qualquer interpretação das normas estaduais que permita a prática da carcinicultura em áreas de manguezais ou em áreas de preservação permanente em geral, com base em dispositivos da Lei nº 9.978/2015, do Rio Grande do Norte’.
O jornalista explicou que o MPRN moveu uma ação direta de inconstitucionalidade contra uma lei estadual. Segundo o órgão ministerial, a lei permitia a exploração de áreas ecologicamente sensíveis para a criação de camarão, contrariando a legislação federal de proteção ambiental.
Levei um susto ao descobrir esta ação bem-vinda, porque não vi nenhum grande jornal, site, portal ou TV, noticiando o fato. Descobri sem querer ao pesquisar na internet. Depois de confirmar a notícia pelo site O Eco, procurei quem mais havia dado a boa notícia. Encontrei-a em sites como Saiba Mais, e Ponta Negra News. Na dita grande mídia, nada, zero.
Isso demonstra o descaso da mídia, como sempre falamos, com tudo o que se relaciona ao bioma marinho e à zona costeira.