Decisão de Trump sobre mineração submarina pode desmoralizar a ISA

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Decisão de Trump sobre mineração submarina pode desmoralizar a ISA

A agência Reuters noticiou a novidade que pode sair do ‘saco de maldades’ de Donald Trump, colocando ainda mais pressão sobre os oceanos e desmoralizando a ISA – Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (agência da ONU). A agência, atualmente dirigida pela oceanógrafa brasileira Letícia Carvalho, comanda neste mesmo momento uma discussão mundial sobre as regras da mineração no subsolo marinho. Mas, ‘a Casa Branca avalia uma ordem executiva que aceleraria a licença para mineração em águas profundas, vale dizer águas internacionais, permitindo que empresas de mineração contornem um processo de revisão apoiado pela Organização das Nações Unidas (ONU)’.

robô para mineração submarina
Imagem, www.cimsec.org.

Esta nova carta que Trump tira da manga, quem sabe mais factível que anexar à força a Groenlândia, pegou os especialistas de surpresa. E, se for em frente, ela tem a capacidade de acabar com o pouco da governança mundial dos oceanos conseguida a duras penas nestes últimos 20 anos.

Uma decisão arriscada e controversa

A Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos – ISA – criada pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar em 1982, que os EUA não ratificam – há anos considera os padrões para a mineração em águas internacionais. Ainda não houve divulgação porque restam algumas arestas a serem acertadas, entre elas o nível tolerável de poluição, ruído, enfim, de ameaças à biodiversidade.

Em 2024, às vésperas das eleições na ISA, o Mar Sem Fim entrevistou Letícia Carvalho sobre o enorme desafio de buscar consenso nessa discussão. Na época, a Autoridade já enfrentava um desgaste considerável por conta do forte lobby das mineradoras sobre o então presidente, o inglês Michael Lodge. Segundo a imprensa, ele tergiversou diversas vezes nos últimos anos — além das acusações de suborno ligadas à eleição que Letícia acabou vencendo.

Justamente por causa desse cenário de desmoralização que Letícia conquistou o cargo: uma profissional séria, competente e vinda de um país fora do eixo hegemônico.

Uma breve pincelada nos problemas dos oceanos

Até meados do século 20 os oceanos eram um espaço sem lei. Assim, houve um ímpeto para estender reivindicações nacionais sobre os recursos offshore. De tempos em tempos surgiam reivindicações marítimas gerando tensão entre os direitos das nações costeiras.

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Então, o mundo percebeu que os oceanos — patrimônio da humanidade — estavam largados à própria sorte no que diz respeito à governança. O motivo principal é evidente: eles ocupam 71% da superfície do planeta. Ainda assim, quando pensamos na Terra, nosso olhar quase sempre se volta ao espaço terrestre. Sempre foi assim.

Mas tão preocupante quanto a vastidão dos oceanos é o fato de que ninguém se reconhece como responsável por eles. Como ninguém é “dono” desses 71%, não há comprometimento. Estamos falando de 361 milhões de quilômetros quadrados simplesmente esquecidos no debate global até 20, 30 anos atrás!

A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, um marco

Desse modo, começaram os esforços para construir, de forma consensual, uma governança global dos oceanos. A primeira grande conquista veio com a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, que alcançou um acordo para dividir 40% da área oceânica entre as nações costeiras — respeitando um limite de 200 milhas a partir da costa. Esse espaço passou a ser chamado de Zona Econômica Exclusiva, ou ZEE, e contou com aceitação mundial.

Mao mundi com as zonas econômicas exclusivas
Imagem, Wikepedia.

Foi um avanço significativo na governança do espaço. Para se ter uma ideia da dimensão, a área continental do planeta — ou seja, a soma dos sete continentes — é de apenas 148 milhões de km². Mesmo assim, o desafio permanece gigantesco: ainda faltam normas para os outros 216 milhões de km², que representam 60% de toda a área oceânica.

É o que tentam fazer organismos como a ONU, a ISA, a  IMO – Organização Marítima Mundial, e seu seu braço ambiental, o Comitê de Proteção ao Meio Ambiente Marinho, e outros. Organismos que, se a ideia de Trump prevalecer, podem ser implodidos. Este é o maior risco. Vale destacar que esta demora foi a maior responsável pelo estado crítico em que estão os oceanos. Portanto, se estes organismos forem desmantelados a situação pode sair totalmente de controle.

desenho de mineração submarina
Imagem, The Metals Company.

Conheça o potencial do mercado da mineração submarina

Mas quem se importa? O que está em jogo é um mercado estimado em US$ 7 bilhões até o final de 2026 — isso com a mineração comercial ainda por começar. As empresas do setor se preparam para liderar a economia azul, apostando nos minerais abundantes do subsolo oceânico. E a indústria já sonha alto: menciona um potencial de até US$ 16 trilhões. Imagine o tamanho da coceira na mão…

O mapa abaixo mostra a área Clarion Clipperton, no Pacífico, que está em discussão na ISA.

mapa da área Clarion Clipperton, no Pacífico
A imagem é do site www.mining.com.

Do outro lado dessa disputa, dezenas de governos, centenas de ambientalistas e mais de 700 especialistas oceânicos já se manifestaram contra a pressa em explorar o fundo do mar. Eles assinaram uma declaração pedindo o adiamento da atividade em alto-mar, alertando para o risco de causar uma perda irreversível de biodiversidade. Além disso, ainda faltam informações que comprovem a viabilidade de uma atividade realmente sustentável — na verdade, tudo indica o contrário.

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A  cientista  Elizabeth Kolbert, por exemplo, famosa depois de ganhar o Prêmio Pulitzer pelo livro The Sixth Extinction: An Unnatural History (Extinção em Massa, começou a sexta), declarou:  “Mal exploramos o reino mais escuro do oceano. Com a mineração de metais raros em ascensão, já o estamos destruindo”.

Ela também explica algumas características dos tão falados ‘nódulos polimetálicos’.

‘O processo pelo qual os metais se acumulam não é totalmente compreendido. Entretanto, é extremamente lento. Uma única pepita do tamanho de uma batata pode levar cerca de três milhões de anos para se formar’.

The Metals Company (TMC), do Canadá, está negociando com Trump

O mundo já conhece a posição de Donald Trump em relação à regulamentação de atividades econômicas — especialmente aquelas com potencial de causar danos ambientais —, por isso o risco é enorme.

Para piorar, a canadense The Metals Company (vale uma boa olhada no site) ignorou o debate conduzido pela ISA e resolveu tratar diretamente com o presidente dos Estados Unidos, o que provocou forte irritação dentro da instituição.

sugando o subsolo marinho
Sugando o subsolo marinho. A imagem é do site da The Metals Company.

Segundo o Guardian, Leticia Carvalho, secretária-geral da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos, manifestou “profunda preocupação” com o anúncio feito pela TMC.

Durante uma reunião com os delegados, Carvalho afirmou que as atividades de exploração precisam seguir o controle da Autoridade. Qualquer atitude unilateral, segundo ela, viola o direito internacional e enfraquece os princípios fundamentais do multilateralismo. Sobretudo, o uso pacífico dos oceanos e a estrutura de governança coletiva.

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Oposição imediata de 40 nações

O New York Times trouxe algum alívio. O jornal informou que ‘quase 40 nações, grandes e pequenas, expressaram oposição ao plano da empresa de mineração apoiada por Wall Street para se unir ao governo Trump e contornar o direito internacional iniciando a mineração no fundo do mar, no Pacífico, com uma permissão dos EUA’.

‘O furor generalizado refletiu um raro alinhamento de países tão variados como China, Rússia, índia, Reino Unido, Nova Zelândia, Indonésia, França, Argentina, Uganda e as pequenas nações insulares das Ilhas Maurício e Fiji’.

Essa união é muito positiva e deve pesar na balança. Contudo, o NYT revelou outra informação que corrobora o título deste post, ou seja, que pode aniquilar o braço da ONU dedicado ao subsolo marinho, a ISA.

máquina de mineração submarina
Esta imagem de um ‘robô-minerador’ foi tirada de um vídeo da Metals Company, para que o leigo se dê conta dos ‘tamanhos’ envolvidos na possível operação.

Governo Trump discorda da ISA

‘O Departamento de Comércio do governo Trump, em um comunicado ao The New York Times, confirmou que discordava da interpretação da Autoridade dos Fundos Marinhos do direito internacional’.

‘As empresas podem solicitar licenças de exploração e permissões de recuperação comercial para mineração em águas profundas em áreas oceânicas além da jurisdição nacional”, disse Maureen O’Leary, porta-voz do departamento. Ele citou uma lei federal de 1980, a Deep Seabed Hard Mineral Resources Act. ‘A lei que autoriza a mineração oceânica em escala industrial nunca foi usada’ acrescentou o Times.

nódulos polimetálicos
Os cobiçados nódulos polimetálicos como este demoram cerca de 3 milhões de anos para se formar, segundo Elizabeth Kolbert.

Antes de encerrar, consultei o  site da ISA para saber se havia algum pronunciamento sobre o atropelo de Trump, mas nada encontrei. A ver quais serão os próximos passos. Continuaremos esta cobertura tão logo tenhamos novidades.

Você pode saber mais sobre mineração submarina ouvindo o podcast que gravamos com Alexander Turra, professor titular do Departamento de Oceanografia Biológica da Universidade de São Paulo, e responsável pela cátedra UNESCO para a sustentabilidade dos oceanos.

Assista a animação e saiba como será a atividade

Visualizing Deep-sea Mining

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Comentários

1 COMENTÁRIO

  1. MUITO BOA REPORTAGEM COMO SEMPRE , ME DA ENJOO DE VER O SER HUMANO HOJE LIDERADO PELO PRESIDENTE DOS EUA AGORA ARRASTAREM O FUNDO DOS OCEANOS POR DINHEIRO E COBIÇA
    FORÇA SEMPRE EM SUAS PALAVRAS DE TEXTO LINDO E LITERARIO,/SHOW E PERSEVERANCIA

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