Aos leitores do Estadão um até breve do Mar Sem Fim

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Aos leitores do Estadão um até breve do Mar Sem Fim

Encontrar a verdadeira felicidade muitas vezes depende de como cuidamos do que nos cerca — especialmente da natureza. Como ativista ambiental, enxergo a felicidade como algo mais profundo, que nasce do pertencimento e do respeito ao mundo natural. Penso nisso toda vez que contemplo o magnífico litoral brasileiro. Essa costa, rica em beleza e biodiversidade, merece mais do que admiração: precisa de uma exploração consciente e sustentável. Aos leitores do Estadão, um até breve do Mar Sem Fim. E, como escreveu Paulo Vanzolini, se cairmos,
“Reconhece a queda / e não desanima. / Levanta, sacode a poeira / e dá a volta por cima.”

o mar sem fim dando adeus aos leitores do Estadão
O mar Sem Fim navegando solo again. Acervo MSF.

A primeira série de documentários Mar Sem Fim

Em 2004 superei uma crise de pânico e comecei a pensar no que fazer. Tive sorte, na mesma época Affonso Hennel, então diretor da Semp Toshiba e amigo desde que começara a anunciar  na Eldorado, convidou-me para almoçar. Ele queria saber como eu estava e o que pretendia fazer. Expliquei que pensava em documentários sobre o litoral brasileiro tão pouco conhecido e muito mal tratado. Affonso não titubeou: se eu conseguisse uma TV ele patrocinaria.

Foi um dos melhores encontros de minha vida. Poucos dias depois bati na porta da TV Cultura, então dirigida por Jorge Cunha Lima, e expus o projeto. Ele topou. Agora eu precisava organizar minha equipe. A primeira pessoa que chamei foi Paulina Chamorro, uma chilena apaixonada pelo meio ambiente que trabalhava na Eldorado.

JOAO LARA e Alonso Goes
Por cerca de 25 anos meu saudoso amigo, Alonso Goes, foi meu anjo da guarda no mar. Sem ele eu jamais poderia ter iniciado a série de documentários.

Depois, contratei um cinegrafista e avisei meu grande amigo o marinheiro do Mar Sem Fim, Alonso Goes, que iríamos navegar pra valer. Ele adorou!

Rumo ao Oiapoque

Logo em seguida, eu e Alonso partimos levando o barco para a fronteira norte. Na altura do Ceará, já cansado e atrasado devido às várias paradas para descanso, decidi ir numa só pernada de Fortaleza até o Oiapoque, à beira do rio de mesmo nome. Seriam muitos dias de navegação para apenas duas pessoas. Então, chamei uma amiga e skipper, Nádia Megonn, para nos acompanhar. Onze dias depois fundeamos em frente ao derradeiro município do País.

Enquanto Alonso ficava a bordo, voltei para São Paulo para descansar alguns dias, comprar alguns equipamentos e retornar de avião. Pouco depois, eu, Paulina, o cinegrafista Paulo Cesar Cardozo, e mais um amigo da vela, Fernando Cerdeira, seguimos ao seu encontro.

Assim, em abril de 2005 deixamos o Oiapoque e começamos a descer a costa brasileira. Exatos dois anos depois, arribamos no Chuí. Na bagagem trouxemos algo em torno de 50 horas de documentários e milhares de fotos (você pode vê-los aqui). Nos dois anos em que a primeira série Mar Sem Fim ficou no ar tivemos recordes de audiência para uma TV estatal, com três pontos de média, e picos de até 4.6. Nada mau  para quem nunca tinha feito TV.

O resto, quem nos acompanha já sabe. Nunca mais abandonei os documentários até que, em 2016, um raríssimo tipo de câncer linfático, Síndrome Sezary, me obrigou a cuidar da saúde. Foram cinco anos no estaleiro até que, aos poucos, pude retornar ao mar.

O começo da colaboração com o Portal do Estadão

Em 2018 tive a ideia de oferecer meus posts ao Portal. Naquela época a imprensa escrita sentia fortemente o golpe das redes antissociais e passou a trabalhar com equipes mínimas. Ofereci meu site à editora Viviane Bittencourt, que topou. Desde então o Portal passou a publicar um post por dia, nos sete dias da semana. E assim foi até cerca de três ou quatro meses atrás.

Novo jornalista assume

Sem que eu fosse avisado, um novo editor assumiu o Portal com outros critérios do que deveria, ou não, ser publicado. E meus posts começaram a ser barrados sem que eu soubesse o motivo. Até que um dia estourei e mandei um correio um tanto ríspido perguntando os motivos pelos quais meus posts não saíam com a frequência anterior. Foi só então que descobri o novo editor.

Ah, bom, disse eu, então vamos nos reunir para que eu saiba quais são as novidades. Foi uma reunião virtual da qual saíram faíscas de ambos os lados. Às tantas, o irritado editor disse de modo agressivo que ‘a única coisa que tinha lugar cativo eram os editoriais’. Ok, respondi, concordo. ‘E mais uma coisa’, disse ele, ‘nenhum post ou matéria acusatória será publicada enquanto o ‘outro lado’ não for ouvido’. Mais uma vez, concordei.

Mas, apesar de seguir as novas regras, tudo que conseguia era a publicação de dois a três posts por semana. Isso me irritou porque, ao mesmo tempo, eu via matérias ridículas no Portal a exemplo do que dissera algum participante do BBB, ou polêmicas estúpidas geradas pelos ‘influencers’ das redes antissociais.

Passei a mandar recados desaforados ao presidente do conselho, em outras palavras, aos acionistas homens que são quatro e, junto com mais sete acionistas mulheres, fazem parte do grupo majoritário formado por  15 cotistas no total. Pois foram estes quatro (as acionistas mulheres quase nada sabem do que se passa la dentro) que decidiram  humilhar e vilipendiar Dr. Ruy – Ruy Mesquita (1925 – 2013) – meu pai e de meus três irmãos, ao restringirem sua ação aos editoriais da página três, proibindo-o de dar qualquer palpite na redação depois da morte de Júlio Mesquita Neto (1922 – 1966).

Dr. Ruy

Dr. Ruy, considerado um dos melhores jornalistas de sua geração, não se apequenou. Sentiu-se humilhado, é lógico, mas como caráter não lhe faltava não disse palavra e, ao morrer, legou ao Estadão a melhor página de editoriais da imprensa de Pindorama.

Contudo, ele morreu indignado com a violência sofrida por nossa família, e apreensivo pelo futuro do jornal que completou 150 anos. Dr. Ruy sabia muito bem que, o que diferencia um jornal de outro, são os credos da família proprietária algo difícil de transferir. É por este motivo que o New York Times segue sendo referência, um ícone da imprensa mundial. E, por mais que Jeff Besos injete milhões de dólares, o Washington Post será sempre um jornal de segunda linha.

Ruy Mesquita na redação do Estadão
Ele dedicou mais de 60 anos de sua vida ao jornal.

Troca de e-mails pra cá e pra lá, e, de repente percebi que meus posts não sairiam mais. Acabava mais uma etapa de minha vida. Nada de novo. Já foram tantas que nem me incomodo.

Um tranco e tanto

Este não foi o primeiro tranco que recebi. Houve vários desde o tempo em que meu trabalho passou a ser elogiado na Eldorado. Já perdi a conta… Mas considero que um deles merece ser novamente relatado. O trecho abaixo é um dos capítulos  de um dos quatro livros que publiquei desde que fui saído da rádio, Eldorado – A Rádio Cidadã (Terceiro Nome).

‘O último ato’ – penúltimo capítulo de Eldorado – A Rádio Cidadã

Ninguém sabia a data certa de nossa saída, naquele início de 2003. Mas ela estava próxima. As coisas andavam estranhas naqueles dias. Muita fofoca, pouca clareza. Particularmente, me sentia péssimo. Tinha falhas de memória, não conseguia me concentrar. Sentia medo. Muito medo. E não descobria o motivo. Eu estava em frangalhos.

Decidiram quem seria meu substituto

Até que um dia fiquei sabendo que,  “na Marginal” como chamávamos eufemisticamente o Estadão, haviam decidido quem seria meu substituto na Rádio. Caramba! Ninguém tinha me procurado para um bate-papo. Seria possível?

Seria.

Liguei prá lá, e chamei Elói Gertel, àquela altura promovido a “gestor”. Ele estava numa reunião, me disse a secretária. Pedi para interromper, o assunto era sério e não podia esperar. Elói atendeu. Então perguntei quem seria. Eu queria saber, ao menos, para poder reunir minha equipe, explicar, e pedir a mesma colaboração de sempre. A resposta foi assustadora: “Não posso dizer.”

“Cccccomo, não pode dizer? Então não posso saber quem vocês escolheram para me substituir? O que vou falar pra minha equipe???” Foi assim.

Resolvi que o dia “D” seria aquele

Reuni meus gerentes, a quem eu já tinha explicado que meus dias estavam no fim: “É hoje, pessoal. Agora mesmo. E não me perguntem quem vai sentar nesta cadeira. A informação me foi negada.”

Eles ficaram atônitos, olhos esbugalhados, sem ter o que dizer. Algumas lágrimas rolaram, e não foram minhas. Abracei um por um, demoradamente, pedi calma e paciência. Em seguida me tranquei na minha sala e escrevi:

15 de abril de 2003

De: João Lara Mesquita.

Para: Conhecimento Geral.

Como antecipei aos gerentes desde Novembro passado, chegou a hora de minha saída. É preciso ter coragem, a mesma coragem que não me faltou ao assumir a direção desta emissora, em 1982, num momento em que os equipamentos dela mais pareciam peças de museu, que o sinal da AM sequer pegava na cidade, que a equipe estava desmotivada, praticamente paralisada e, como resultado, as programações de AM e FM completamente anacrônicas para a época.

A Eldorado daquele tempo era uma  caricatura de si mesma, uma máquina de prejuízos, uma luz quase apagada entre as mais de três mil emissoras do país.

A vontade de um punhado de funcionários

Sem nenhum investimento, apenas com a vontade de um punhado de funcionários, que acreditava ser possível, aos poucos ela foi se reerguendo e nós todos aprendendo.

Apostamos, seguindo a diretriz de Júlio Mesquita Filho, na qualidade, na ética, na transparência. A relação com nossos clientes internos e externos deveria ser norteada por estes princípios, afinal, eram estes os valores do Grupo Estado.

E o futuro provou que a escolha foi correta. Internamente procurei aprender, sistematizar os acertos, disciplinar, ensinar, cobrar com rigor e contribuir com a sinergia entre as empresas do Grupo. E, além disto, jamais subestimei a capacidade de nossos ouvintes.

Prêmio Eldorado de Música, o Visa, o Cara-de-Pau…

Foi em nome deles que criamos o Prêmio Eldorado de Música, o Visa, o Cara-de- Pau, o ouvinte- repórter, o serviço de trânsito com helicópteros, as emocionantes coberturas como a da Guerra do Golfo, a da emenda Dante de Oliveira, ou as viagens do Amyr, o Paris- Dacar, a escalada do Everest, e tantas outras.

Foi junto com nossos ouvintes que derrubamos a Voz do Brasil, e contribuímos para a renúncia de ACM e Arruda. Criamos a campanha do Tietê, mobilizamos a população e ajudamos a manter a Lei da Mata Atlântica, e a aprovação da Lei dos Resíduos Tóxicos.

Fizemos muito mais que Rádio. Honramos nossa concessão e devolvemos dignidade ao meio. Praticamos cidadania, demos exemplos, execramos e denunciamos o jabá. Ou a venda do editorial.

Hoje somos conhecidos e respeitados em todo o País, mesmo sendo uma emissora local. Não há Rádio tão premiada pela sociedade como a Eldorado. Somos farol, estamos na frente abrindo caminhos. Por isto tudo é que peço serenidade neste momento difícil.

Não temos o direito de pôr tudo isto a perder

Em nome de todos que passaram por aqui contribuindo, e não foram poucos, peço que lembrem que não temos o direito de pôr tudo isto a perder.

Quanto a mim, saio orgulhoso, feliz, emocionado com a obra que juntos construímos. A Eldorado deu sentido à minha vida, espero que para a de vocês, também. Ela é mais que uma emissora, é um órgão vivo a serviço de uma sociedade que conta sempre com ela. E, além disto, vocês são suficientemente bons para segurarem e melhorarem este padrão.

Mantenham a disciplina e o sentido de grupo. Inovem sempre. Ouçam muito e ensinem aos que vierem. E saibam que levo daqui as melhores recordações da minha vida. Não vou me despedir pessoalmente de cada um, é fisicamente impossível. Fica o recado, via correio, além de meu respeito e admiração por todos vocês.

Sucesso e até a próxima.

Aos leitores do mar Sem Fim

O site continua firme e forte. Para aqueles que gostam de seu conteúdo nós estaremos diariamente nas seguintes redes antissociais:

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Tik Tok: Marsemfim1.

Um pedido aos que gostam deste site

Se você gosta deste site nosso único pedido é: sempre que considerar que vale a pena, compartilhe, não dê likes porque não adianta rigorosamente nada. O que vale é que mais pessoas tenham acesso ao conteúdo, este é o sentido do apelo. Quando acharem que vale a pena, compartilhem; quanto mais pessoas souberem das baixarias que acontecem no litoral e que sempre comentamos, melhor. Para dar um basta na estupidez que rola solta na orla, só mesmo a força da opinião pública. Quanto a nós, seguimos inabaláveis em nossa trincheira.

Quem já levou os trancos que meu pai, eu e irmãos já recebemos, não se abala jamais. Além disso,  já passei por um naufrágio dramático na Antártica e por um câncer tão raro que nem nos EUA há estatísticas, portanto…Que venga el toro!

Declaração de Paz pelo Oceano – artigo de Jorge Serendero, representante da For the Oceans Foundation.

Comentários

6 COMENTÁRIOS

  1. Caríssimo, já faz algum tempo que estou achando difícil ler o nosso querido Estadão, seja pela mudança na linha editorial, seja pela péssima qualidade tecnológica do app que, praticamente, inviabiliza o acesso ao conteúdo das manchetes ali postadas e estava mesmo estranhando a inconstância das postagens do Mar Sem Fim.
    Agora você explicou que, de fato, algo vem acontecendo no coração do jornal.
    Pena!
    São duas perdas, a credibilidade que sempre depositei no Estadão e a sua contribuição para a qualidade editorial desta importante publicação paulista e brasileira.
    Mas, com relação a você, tenho certeza de que novos ventos o levarão a reencontrar o rumo firme em que navegava o Mar Sem Fim e fico na torcida por novas e excelentes postagens.
    Quanto ao jornal, bem, que Deus no ajude…
    Um forte abraço!

    • Nardelli, você é um querido desde o tempo do Rio Branco, tive sorte de minha cruzar com a sua. Um beijo nas ‘alfaceas’ amigo, vamos nos ver. Abração.

  2. Caro João, muito bacana o seu texto. Foi o privilégio de ter participado nas coberturas de regatas Brasil afora, incluindo aquela inicial de Santos até Fernando de Noronha. Uma honra ter feito parte em algum momento dessa história. Vida que segue.Parabéns e Bons ventos!

    • Obrigado, Paulinho, lembro bem de nossa cobertura numa Refeno, eu num veleiro, você noutro, e os dois mandando boletins pra Eldorado. Que delícia foi aquilo. Abração.

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