Doenças zoonóticas – as que passam de animais para seres humanos
Em 3 de março de 2020 fizemos um post para comentar a relação entre o novo coronavírus e a degradação ambiental. Até aquele momento o assunto havia sido pouco explorado pela mídia. E somos um site ambiental. Comentamos que o primeiro a fazê-lo foi o jornalista Flávio Tavares, em artigo para O Estado de S. Paulo. E repercutimos o alerta do Programa de Meio Ambiente da ONU: ‘os cientistas sugerem que habitats degradados podem incentivar processos evolutivos (de doenças zoonóticas) mais rápidos‘. Nesta fase da experiência humana em que o mal da ignorância é escancarado como virtude nas redes sociais, alguns leitores o consideraram um ‘post ecoterrorista’. Passado mais de um mês, voltamos ao tema para discutir as doenças zoonóticas.
Mais uma vez, a base de todas as informações é científica, como demonstram as fontes. Acreditamos que este período marcante da nossa história também se presta a aprendermos mais sobre nosso assunto, o meio ambiente.
Doenças zoonóticas – passam de animais para humanos
Segundo o dicionário, o adjetivo zoonótico significa ‘doença que pode ser transmitida ao ser humano por animais’. E sobre a Covid-19 os cientistas têm apenas uma certeza: de que o SARS-CoV-2, o novo vírus, se originou de animais.
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Aproveitamos para lembrar que o mar Sem Fim já denunciou inúmeras vezes o tráfico ilegal de animais silvestres, a terceira atividade ilícita mais lucrativa depois do tráfico e de drogas e de armas. De acordo com o Departamento de Estado dos EUA, o tráfico ilegal de animais movimenta US$ 10 bilhões por ano. O Brasil participa com 15% do mercado.
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Por que as doenças que os humanos adquirem de animais são tão perigosas?
Uma razão pela qual os vírus de animais são tão perigosos para os seres humanos é que as pessoas não têm como lidar com eles. Nosso sistema imunológico nunca foi “apresentado” aos novos inquilinos, e não responde ao penetra.
Os pesquisadores explicam que “a maioria dos vírus que entram no corpo humano são destruídos com sucesso pelo sistema imunológico ou passam pelo nosso sistema gastrointestinal. No entanto, de vez em quando, um vírus animal consegue se replicar dentro de um hospedeiro humano, adaptando-se e melhorando a si próprio para replicação neste novo hospedeiro. É neste momento que o vírus sofre mutação e evolui sob as restrições seletivas do corpo humano pela primeira vez. Isso significa que a disseminação para um segundo humano agora é possível, iniciando a seleção de variantes com maior capacidade de disseminação na população humana. Foi o caso do SARS-CoV-2.
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O Programa de Meio Ambiente da ONU, em seu site, alerta: “As doenças transmitidas de animais para humanos estão em ascensão, à medida que o mundo continua a ver uma destruição sem precedentes de habitats selvagens pela atividade humana. Segundo a Organização Mundial da Saúde, os morcegos são os portadores mais prováveis do COVID-19, mas acrescentou que é possível que o vírus tenha sido transmitido aos seres humanos a partir de outro hospedeiro intermediário, seja um animal doméstico ou um animal selvagem.”
“A declaração veio alguns dias antes da legislatura chinesa tomar medidas para coibir o comércio de vida selvagem e o consumo de todos os animais selvagens. Detalhes completos estão disponíveis no site do Comitê Permanente do 13º Congresso Nacional do Povo.”
“Os seres humanos e a natureza”
E prossegue o site da Organização das Nações Unidas: “”Os seres humanos e a natureza fazem parte de um sistema conectado. A natureza fornece comida, remédios, água, ar limpo e muitos outros benefícios que permitiram que as pessoas prosperassem”, disse Doreen Robinson, chefe de vida selvagem do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).”
“O relatório Frontiers 2016 da NEP sobre questões emergentes de preocupação ambiental mostra que as zoonoses ameaçam o desenvolvimento econômico, o bem-estar animal e humano e a integridade do ecossistema. Nos últimos anos, várias doenças zoonóticas emergentes foram manchetes do mundo por causarem ou ameaçarem provocar grandes pandemias. Estas incluem Ebola, gripe aviária, febre do Vale do Rift, vírus do Nilo Ocidental e doença do vírus Zika.”
Chegamos ao ponto. Os cientistas alertam sobre mais esta consequência da degradação ambiental em escala planetária.
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‘Ameaças múltiplas e frequentemente interativas aos ecossistemas’
E encerra o boletim da ONU: “Do ponto de vista da comunidade ambiental, é importante abordar as ameaças múltiplas e frequentemente interativas aos ecossistemas e à vida selvagem para impedir o surgimento de zoonoses, incluindo perda e fragmentação de habitat, comércio ilegal, poluição, espécies invasivas e, cada vez mais, mudanças climáticas.”
‘Erosão contínua de espaços selvagens’
Inger Andersen, diretora do Programa Ambiental da ONU declarou: “A natureza está nos enviando uma mensagem com a pandemia de coronavírus e a atual crise climática. Nunca houve tantas oportunidades para os patógenos passarem de animais selvagens e domésticos para as pessoas”. Ela concluiu explicando que 75% de todas as doenças infecciosas emergentes vêm da vida selvagem. “Nossa erosão contínua de espaços selvagens nos trouxe desconfortavelmente perto de animais e plantas que abrigam doenças que podem saltar para os seres humanos.”
E o que temos a ver com isso?
Tudo. Somos o País com a maior floresta úmida do planeta. E, como cidadãos, temos obrigação de praticar cidadania, participar, contribuir. Quem provoca o aquecimento global se não nós, e nossos hábitos insustentáveis?
Entenda os por quês
Por que existe tráfico de animais silvestres? Porque, entre muitos outros motivos, ainda existem pessoas inclusive no Brasil, que gostam de tê-los em casa enquanto são novidade, e pagam para consegui-los. Por que aumenta significativamente a quantidade de espécies invasivas? Entre outros, pelo gosto de muitas pessoas em exibi-los para os amigos. Depois, quando o inusitado ‘perde a graça’, soltam-nos em habitats onde não há predadores naturais.
Desmatamento na Amazônia em 2019 versus 2018
E, por fim, porque temos a maior floresta úmida do planeta decepada pelas bordas há anos. Mas cujo desmatamento ilegal aumentou no primeiro ano de mandato de Jair Bolsonaro, pela incompreensão de que conservação e produção não são necessariamente antagônicas. Além da falta de ‘comando e controle’ do ministro de Meio Ambiente que não faz senão criar crises desnecessárias com parceiros externos, desmerecer publicamente a própria equipe, e ‘flexibilizar’ a fiscalização da Amazônia.
8 de abril de 2020
Enquanto o mundo corre para conter a pandemia, em 8 de abril o Estadão publicou: ‘Desmatamento explode na Amazônia e já é quase dobro do ano anterior’. No corpo do texto a explicação: “A extração ilegal de madeira corre em ritmo acelerado na Amazônia, fazendo com que o volume do desmatamento acumulado de agosto de 2019 a março de 2020 já chegue ao dobro do verificado no mesmo intervalo anterior, quando a derrubada recorde da floresta virou alerta global. Uma área superior a três vezes a cidade de São Paulo já foi abaixo neste período. Os números são do próprio governo federal.”
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Em outras palavras, enquanto o mudo corre para conter a pandemia, e as atenções estão voltadas a este esforço, Ricardo Salles, na surdina, continua o desmonte do aparato do Ministério do Meio Ambiente.
E enquanto o desmatamento aumenta em 2020, a ONU alerta sobre as doenças zoonóticas
“As doenças zoonóticas que surgiram ou ressurgiram recentemente são: Ebola, gripe aviária, síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS), vírus Nipah, febre do Rift Valley, síndrome respiratória aguda súbita (SARS), vírus do Nilo Ocidental, doença do vírus Zika e, agora, o coronavírus. Todos eles estão ligados à atividade humana.”
“O surto de Ebola na África Ocidental foi o resultado de perdas florestais, levando a contatos mais próximos entre a vida selvagem e os assentamentos humanos; o surgimento da gripe aviária estava ligado à criação intensiva de aves; e o vírus Nipah estava ligado à intensificação da suinocultura e produção de frutas na Malásia.”
“Os fatores determinantes do surgimento de doenças zoonóticas são as mudanças no ambiente – geralmente o resultado de atividades humanas, que vão desde a mudança no uso da terra até a mudança climática; mudanças em animais ou hospedeiros humanos; e mudanças nos patógenos, que sempre evoluem para explorar novos hosts.”
Assista ao vídeo ‘ecoterrorista’ da ONU (para aqueles que estampam o mal da ignorância como virtude nas redes sociais)
Assista a este vídeo no YouTube
Imagem de abertura: ONU
Fontes: https://www.unenvironment.org/news-and-stories/story/coronavirus-outbreak-highlights-need-address-threats-ecosystems-and-wildlife; https://www.theguardian.com/world/2020/mar/25/coronavirus-nature-is-sending-us-a-message-says-un-environment-chief; https://environmentlive.unep.org/media/docs/assessments/UNEP_Frontiers_2016_report_emerging_issues_of_environmental_concern.pdf; https://www.unenvironment.org/news-and-stories/story/six-nature-facts-related-coronaviruses.
Conforme evolui o nosso cérebro, mais desafios e mais problemas teremos no futuro, portanto cada um de nós deve ser responsável de si mesmo perante os desafios que a evolução e a natureza nos impõe.
Temos que exercer nossa cidadania, denunciando e alertando os pares. Caso contrário corremos o risco de vermos a Amazônia se tornar o que é hoje a Mata Atlântica.
Excelente texto. Quanto as doenças transmitida por animais domésticos, gostaria de lembrar que nesse caso, temos controle através da vacinação e de um acompanhamento clínico veterinário. É bem diferente de uma zoonose proveniente de um animal silvestre.
De acordo com a matéria, vale a pena lembrar de gatos e cachorros que proliferam em cada casa e apartamento? Ou será que vamos ficar imaginando apenas cobras, lagartos, morcegos e demais? Alguém vai lembrar por aqui que os gatos já transmitem a taxoplasmose? Alguém sabe o que é isso? Nessa hora é capaz de ouvir pessoas dizendo que não é nada de mais. E assim o mundo gira.
Os fatores que propiciam as zoonoses não podem ser centradas apenas na questão ambiental tal como o autor argumenta, mas entram em cena a densidade populacional e qualidade de vida.
Por isso, a natureza nunca esteve, não está e não estará preocupada com a vida na face do Planeta, principalmente a humana. Cada bicho sabe a sua função; o homem ainda não aprendeu a sua. Assim, logo logo, por bem ou por mal, o ser humano deixará de comer carne de origem animal, por imperativos da evolução.
O livro Fisiologia da Alma, de Ramatis, dos anos 50 , já alertava sobre isso.