Paulo Nogueira Neto, titã do ambientalismo brasileiro

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Paulo Nogueira Neto, titã do ambientalismo brasileiro

Paulo Nogueira Neto nasceu em São Paulo, em 1922. Foi um naturalista — profissão mais comum nos séculos passados — dedicado ao estudo da vida animal e vegetal em todas as suas formas, como fizeram Saint-Hilaire, Augusto Ruschi e até Carl Linnaeus, entre tantos outros.

Formou-se pela Faculdade de Direito da USP, obtendo o título de bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais em 1945. Mais tarde, decidiu ir além e cursou História Natural na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, concluindo o curso em 1959.

Escolhas que determinam uma vida

Ele tinha certas paixões, como as abelhas indígenas sem ferrão, sobre as quais publicou diversos trabalhos. Paulo Nogueira Neto foi o primeiro ambientalista brasileiro, na acepção moderna da palavra.

Para este homem culto e sensível, ‘um dos mais importantes problemas ambientais é a erradicação da miséria’.

imagem de Paulo Nogueira Neto
Paulo Nogueira Neto. Imagem: Francisco Emolo / Jornal da USP.

1972: uma conferência que mudou a cabeça do mundo

A Conferência de Estocolmo foi a primeira grande reunião de chefes de Estado organizada pelas Nações Unidas (ONU) para discutir a degradação do meio ambiente. Realizada em junho de 1972, na capital da Suécia, marcou o início de uma nova consciência global sobre a relação entre o ser humano e a natureza.

No Brasil, vigorava a ditadura militar, cujo lema para a Amazônia era “integrar para não entregar”. Foi nesse contexto que o naturalista entrou em cena…

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Como o Dr. Paulo convenceu os militares a criarem um ministério de Meio Ambiente

Recentemente, O Estado de S. Paulo publicou um brilhante artigo do professor emérito da USP, José Goldemberg, a propósito do desastre de Brumadinho, que vitimou centenas de pessoas. Ele observou como o atual governo repete a lógica dos militares de então:

 A reorganização administrativa promovida em janeiro levou à extinção e realocação de várias áreas ligadas a questões ambientais, o que indicava uma visão desenvolvimentista em que o licenciamento ambiental parece ser um obstáculo ao desenvolvimento

Ao reconstituir aqueles fatos, Goldemberg — sem perceber — acabou escrevendo o mais belo necrológio do Dr. Paulo Nogueira Neto.

Criação de Ministérios do Meio Ambiente

“Essa era explicitamente a visão do governo militar em 1972, por ocasião da primeira Conferência Internacional sobre Meio Ambiente, em Estocolmo, que levou à criação de ministérios do meio ambiente (ou órgãos equivalentes) na maioria dos países do mundo. A visão do governo na época era a de “desenvolver primeiro” e se preocupar depois com as consequências sociais e ambientais decorrentes.”

Então…

Paulo Nogueira Neto e Garrastazu Médici

“Apesar disso, o professor Paulo Nogueira Neto conseguiu convencer o presidente Médici a criar, em 1973, a Secretaria Especial do Meio Ambiente (Sema) no Ministério do Interior, à frente da qual permaneceu até 1985 e onde conseguiu introduzir toda a legislação e os órgãos administrativos da área ambiental no País.

A criação da Sema deveu-se mais ao prestígio pessoal de Paulo Nogueira Neto, integrante de tradicional família paulista (é descendente de José Bonifácio, o Patriarca da Independência), e sua reputação científica do que a uma compreensão clara da necessidade do governo militar de conciliar desenvolvimento com proteção ambiental.

Consequências da ação de Paulo Nogueira Neto

“Ele era visto com reservas por grupos interessados na expansão da ocupação da Amazônia, mas com seu perfil de fugir ao confronto conseguiu introduzir no País legislação ambiental moderna, copiada de países da Europa e dos Estados Unidos.

O melhor exemplo é o da criação da Companhia Estadual de Tecnologia e Saneamento Ambiental (Cetesb), em São Paulo. O sucesso em resolver o problema ambiental de Cubatão, no governo Montoro (1986-1989), deu à Cetesb estatura e prestígio para enfrentar outros desafios.”

imagem de Paulo Nogueira neto
Paulo Nogueira Neto. Imagem: Canal Brasil/Reprodução.

Goldemberg conclui dizendo: “Isso não ocorreu, contudo, em muitos outros Estados — e certamente não no governo federal —, onde órgãos como o Ibama frequentemente não tiveram apoio para pôr em prática a excelente legislação criada por Paulo Nogueira Neto.” Daí, Brumadinho, resume o professor.

Na conta pessoal de áreas protegidas criadas por Paulo Nogueira Neto estão cerca de 3,5 milhões de hectares. Foi também o idealizador das Estações Ecológicas e do Conama, conselho que mais tarde seria bombardeado por Ricardo Salles .

Reconhecimento nacional e internacional

Não havia quem não reconhecesse o mérito de Paulo Nogueira Neto. Entre muitas distinções, recebeu o Prêmio Paul Getty, uma das maiores láureas mundiais na área de conservação da natureza, em 1981. Foi eleito duas vezes vice-presidente do programa O Homem e a Biosfera (MAB), da Unesco, e, em 1983, chegou à presidência do programa.

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Também foi condecorado com a Ordem de Rio Branco, do Brasil, e com a Comenda da Arca Dourada, dos Países Baixos. Em 1997, recebeu o Prêmio Duke of Edinburgh, da WWF Internacional.

Paulo Nogueira Neto ainda integrou o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), o Conselho do Meio Ambiente (Cades) da Prefeitura de São Paulo e o Conselho de Administração da Companhia Ambiental do Estado (Cetesb).

O Mar Sem Fim e Nogueira Neto

O Mar Sem Fim não poderia NÃO homenagear este titã do ambientalismo tupiniquim. Estivemos em sua casa poucos anos atrás, cercada por um bosque de Mata Atlântica, onde o entrevistamos. Abaixo, a primeira parte desta entrevista. Nela, o professor comenta sobre as abelhas, as dificuldades em convencer o regime militar a criar a SEMA; e ainda histórias engraçadas do tanto que teve que ‘dançar’ pra evitar que os militares construíssem usinas nucleares na Estação Ecológica da Jureia, uma das glórias do litoral brasileiro; e ainda tem a participação dele na Comissão Brundtland. Também nesta entrevista, Nogueira Neto alerta para as consequências do fracasso da Conferência do Clima de Paris (saiba quais países estando fazendo suas partes).

Agora, a segunda parte. Nela, Nogueira Neto fala de licenciamento ambiental, e explica porque “um dos mais importantes problemas ambientais é a erradicação da miséria.” Nogueira Neto também comentou o governo Dilma versus a questão do meio ambiente.

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Comentários

8 COMENTÁRIOS

  1. Toda essa história contada nesta página me fez lembrar do livro “A ferro e fogo, a História da devastação da Mata Atlântica” do brasilianista americano Warren Dean. E a história deste descendente de José Bonifácio (que para mim foi o primeiro ambientalista brasileiro) e Campos Sales se confunde com a história da fiscalização ambiental no Brasil. Tive o prazer de contatá-lo para fazer parte da minha banca de defesa de doutorado que foi sobre abelhas sem ferrão, mas a sua idade e frágil saúde não possibilitou que esse meu sonho pessoal não se realizasse. Hoje no Brasil não existe nenhum ambientalista com destreza política como Paulo Nogueira Neto. Espero que ele cuide bem da nossa biodiversidade lá de cima.

  2. Vamos ser mais produtivos? Aproveitar a experiência do renomado professor e tentar incutir na cachola deste e dos futuros governantes a importância da preservação ambiental?

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