Eleições em Caraguatatuba: vamos dar fim ao coronelismo?
Este ano é especialmente importante para o município. As eleições em Caraguatatuba representam o momento ideal para a sociedade pôr fim ao coronelismo que domina a região desde os anos 60. A população já demonstrou, desde o início da revisão do Plano Diretor em 2021, que não aguenta mais do mesmo. Ao longo de 2023, a principal discussão foi a revisão do PD, iniciada dois anos antes. Ficou claro mais uma vez que o poder executivo favoreceu a indústria da construção civil em detrimento de melhorias para os moradores, incentivando a especulação imobiliária. Isso ocorreu mesmo após a tragédia do carnaval que tirou a vida de 65 pessoas, vítimas da negligência do poder público, e demonstrando que nem essa catástrofe sensibilizou os que estão no poder.
A população precisou lutar muito para barrar alguns dos absurdos propostos na revisão do Plano Diretor. Entre eles, a construção de prédios comerciais e a liberação de loteamentos em Zonas de Proteção Permanente (ZPPs). Em Caraguatatuba, essas ZPPs são áreas úmidas, com alto risco de inundações e deslizamentos, e abrigam várias nascentes, especialmente nas praias da Mococa e Tabatinga. De acordo com diversas fontes, um empresário já conhecido por obras irregulares, que tem relações privilegiadas com a prefeitura incluindo a diretoria de meio ambiente, foi um dos que solicitou a liberação para a ocupação de zonas de proteção permanente.
Revisão do Plano Diretor e as muitas audiências
O plano não incluía nenhuma medida para mitigar a destruição causada pelo aquecimento global descontrolado. Enquanto as discussões avançavam, a ocupação ilegal das áreas de mata atlântica protegidas e vulneráveis continuava a crescer, sem que a prefeitura tomasse qualquer ação coercitiva.
Mas há mais. A Associação de Engenheiros e Arquitetos protocolou um documento questionando sua exclusão do processo de elaboração do plano. Enquanto isso, o ex-vereador Dadinho Fachini apresentou documentos em que a Comissão de Meio Ambiente da Câmara solicitava sigilo sobre as alterações propostas! Veja bem, a comissão de meio ambiente pediu sigilo!! Isso mostra o desdém do poder pela população, afinal, quem tem que decidir como quer morar é ela.
Mais lidos
Declínio do berçário da baleia-franca e alerta aos atuais locais de avistagemPirataria moderna, conheça alguns fatos e estatísticasMunicípio de São Sebastião e o crescimento desordenadoFrota de pesca de atum gera escândalo e derruba economia de MoçambiqueAntes de seguir adiante, vale lembrar a história do coronelismo que ainda persiste na região. Talvez 2024 seja a última chance para a população mudar esse sistema perverso.
Breve história do coronelismo em Caraguatatuba desde os anos 60
O que ocorreu desde o início da última revisão do Plano Diretor reforça que o “sistema” em Caraguatatuba pouco mudou desde os anos 60. A longa lista de prefeitos e autoridades municipais envolvidos em escândalos de corrupção, desde então e até hoje, é impressionante.
PUBLICIDADE
De acordo com a tese Elites Políticas em Caraguatatuba (1970 – 2000), de Samuel Cândido de Souza, “Geraldo Nogueira da Silva, o ‘Boneca’, foi o agente político mais influente no município nessa época. Eleito vereador em 1960 e prefeito em 1964, sua administração foi marcada por denúncias de corrupção, obras polêmicas e pela tragédia de 1967”. O autor ainda destaca: “Sua influência se estendeu por toda a década de 1970 e início da década de 1980. Ele acabou sendo prefeito ‘por tabela’ durante a gestão de sua esposa, Teresa Cury (1973-1976), quando assumiu a chefia do gabinete”.
A mesma tese relata que José Bourabeby, eleito duas vezes (1977-1983 e 1989-1992), enfrentou um dos períodos mais tumultuados da história política de Caraguatatuba em seu segundo mandato. Apesar de cassado, ele permaneceu no cargo por meio de uma liminar, o que lhe permitiu completar quase todo o mandato.
Leia também
Presidente do STF intima Flávia Pascoal, prefeita de UbatubaMunicípio de Ubatuba acusado pelo MP-SP por omissãoVerticalização em Ilha Comprida sofre revés do MP-SPA especulação imobiliária explode nos anos 60 e persiste até hoje
Foi ainda nos anos 60 que a especulação imobiliária, muitas vezes incentivada pelos próprios prefeitos, atingiu seu auge em Caraguatatuba. O artigo A Expansão Urbana de Caraguatatuba (1950-2010): Uma Análise das Transformações Sócio Espaciais, de Claudilene Gigliotti e Moacir José Santos, ambos da Universidade de Taubaté (UNITAU), publicado em 2013 na revista Caminhos de Geografia, menciona o jornal ‘O Atlântico’, de 25 de outubro de 1964, cujo título denunciava:
“Plano Maquiavélico tenta desalojar dezenas de famílias (caiçaras) de suas terras.” O Mar Sem Fim já explicou várias vezes o que aconteceu aos caiçaras no início da nossa ocupação, e que prossegue até hoje.
A sorte dos caiçaras a partir dos anos 40/50 do século passado
Na prática, a maioria das famílias foi forçada a abandonar suas terras e direcionada para áreas irregulares, muitas vezes nas encostas dos morros. Esse movimento iniciou o processo de favelização e agravou a injustiça social no País, colocando a população mais pobre em moradias precárias e exposta a diversos riscos. Esse foi o destino dos caiçaras, que este site tanto admira, uma das populações originárias do Brasil. Entretanto, estes brasileiros especiais foram bem retratados nas novas leis:
‘Povos e comunidades tradicionais são grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que têm formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição (inciso I Art. 3º Decreto 6.040 / 2007)’.
Caiçaras, um dos povos originários do Brasil
Diga, caro leitor, se eles não se encaixam à perfeição na descrição? O governo os considera um dos povos originários do Brasil. Assim, o poder público tem a obrigação de protegê-los, ao invés de prejudicá-los. Mas não é isso o que acontece.
Vejamos, agora, a definição pelo ICMBio: ‘Com poucos contatos com a “civilização”, os caiçaras evoluíram aproveitando os recursos naturais à sua volta, que resultou numa grande intimidade com o ambiente. Povo que vive entre o mar e a floresta, estas pequenas comunidades tentam, ainda hoje, preservar seus valores de grupo. Seus territórios – praias e enseadas – são de difícil acesso, por vezes protegidos na forma de Unidades de Conservação. Atualmente estas terras são alvo da especulação imobiliária, devido à sua beleza e excelente estado de conservação’.
PUBLICIDADE
Os caiçaras que conhecemos no Sudeste, e os nativos da costa nas outras regiões, são descendentes dos primeiros lusitanos a pisar em Pindorama, e que preferiram se estabelecer no litoral em vez de penetrar no interior. Eles se mesclaram com índios, depois com negros. E ali permaneceram geração após geração, até que foram expulsos à força, ou tapeados por escambos indecentes, quando chegou a vez dos ‘caras-pálidas’ curtirem o litoral, ali pelos anos 40/50 do século passado. Contudo, esta gente manteve a beleza da paisagem e a integridade dos ecossistemas costeiros por 450 anos. Até serem ‘empurrados’ para os sertões.
Paisagem, um bem de todos, protegida por nossas Constituições
Pouca gente sabe que paisagem ‘é protegida’ por todas as nossas constituições como as de 1934, 1937, 1946, 1967, 1969, e a última, de 1988. Nelas, explica a especialista Ivette Senise Ferreira (autora da tese A Tutela Ambiental da Paisagem no Direito Brasileiro’), ficou assegurada a proteção à paisagem e aos valores estéticos dos recursos naturais como bens ambientais integrantes do patrimônio cultural nacional, que ao Estado cumpre fazer respeitar e proteger, evoluindo o seu conceito e a sua tutela até a concepção mais ampla que adquiriu nos nossos dias.”
“A perpetuação desse cenário, marcado pela intensa especulação imobiliária”
“A perpetuação desse cenário, marcado pela intensa especulação imobiliária das últimas décadas e pela superexploração do espaço urbano, indica que, nos próximos anos, Caraguatatuba pode se transformar em um município caótico, com baixa qualidade de vida e problemas semelhantes aos enfrentados nos grandes centros urbanos do Brasil”.
Os professores mostraram-se clarividentes. Embora o texto seja de 2013, já alertava para as consequências que hoje, em 2024, se confirmam:
“É de se esperar uma cidade que cresça de maneira desproporcional, desenvolvendo áreas periféricas com graves problemas sociais, como a falta de infraestrutura educacional, atendimento precário na saúde e altos índices de violência.”
Agora vejamos o que diz a matéria do Estadão, publicada em dezembro de 2023: “Cidades do litoral de São Paulo lideram a lista de localidades mais violentas do Estado, segundo indicador que reúne registros de roubos, estupros e homicídios. Peruíbe, Caraguatatuba, Mongaguá e Ubatuba estão entre os cinco municípios com os maiores índices de crimes violentos, uma tendência que tem se repetido nos últimos anos na região.”
Que tal?
PUBLICIDADE
Tática política em 1990: sequestro de oponente para evitar posse
Durante esse período, ocorreram episódios inusitados. Um deles foi o “sequestro” do vice-prefeito José Dias, uma tática utilizada por Bourabeby para impedir que a Câmara o empossasse após a votação de seu impeachment, em 14/04/1990. Esse movimento lhe deu tempo para obter uma liminar na justiça, permitindo que permanecesse no cargo até o julgamento do mérito, dois anos depois.
Segundo a tese, um traço marcante da atuação de Bourabeby foi seu estilo autoritário de conduzir as questões políticas, frequentemente gerando atritos com a Câmara Municipal. Isso lhe rendeu os apelidos de “Furacão da Mantiqueira” e “Prefeitão”. Mesmo com atitudes como o sequestro de opositores, Bourabeby consolidou-se como o político mais influente da história recente de Caraguatatuba.
‘Boneca e Bourabeby, os mais influentes políticos da história de Caraguatatuba’
Vamos insistir: nos anos 60, Boneca, o agente político mais influente do município teve uma administração marcada por denúncias de corrupção e obras polêmicas. ‘Depois, foi a vez de José Bourabeby, eleito duas vezes e cassado, que adotava métodos extremos, como o sequestro de oponentes. Seu traço mais marcante era o autoritarismo na condução das questões políticas e, mesmo assim, ele se tornou o político mais influente da história recente de Caraguatatuba’.
A corrupção será a marca registrada de Caraguatatuba?
Será possível que os escândalos iniciados nos anos 60, e as muitas semelhanças com o que ocorre hoje, continuarão como a marca registrada de Caraguatatuba? Ou será que chegou a hora de uma virada? E ainda há mais.
Segundo Samuel Cândido de Souza, autor da tese sobre o coronelismo, nomes como Arlindo Nakane e Mauri Diniz, ambos empresários do setor da construção civil, exemplificam a entrada de novos atores com maior poder econômico, impulsionada pelo boom da construção civil a partir de meados da década de 1970, ligado ao turismo de segunda residência, ou “casa de praia”.
Prefeitos com vínculos no setor da construção civil nos anos 60… Alguma semelhança com os prefeitos mais recentes?
É importante ficar atento a esses empresários. Aguilar Júnior (MDB) já demonstrou que não separa o público do privado, ao fazer negócios regulares com “amigos”, como Wilson Gobetti, algo que já expusemos em um post anterior.
PUBLICIDADE
Como resultado desse “negócio” entre Aguilar e seu “amigo”, abriram um Procedimento Investigatório Criminal para apurar o suposto crime praticado pelo prefeito. O caso envolve a locação desnecessária de veículos pela prefeitura, com suspeitas de favorecimento a uma empresa ligada a Wilson Gobetti, o “amigão” do prefeito.
Compra de votos no inicio dos anos 2000
Mudamos de milênio, mas não aprendemos com os erros do passado. Prefeitos eleitos no século 21 prosseguem com a corrupção, o coronelismo, e a compra de votos.
‘Em 2008’, informa a tese, ‘condenaram o então prefeito Antônio Carlos da Silva (PSDB), prefeito no período 1997-2000, e seu vice Antônio Carlos da Silva Júnior’ (pai e filho de novo…). Motivo? ‘Os dois prometeram distribuir mil cestas básicas em um evento na casa paroquial, caso fossem eleitos. Os dois tiveram seus mandatos cassados. No entanto, pouco tempo depois, o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo reverteu a decisão de primeira instância’.
Durante a gestão de Antônio Carlos, o Plano Diretor do município dobrou a altura máxima permitida aos prédios. Isso fez disparar o valor do metro quadrado na costa sul. Dados do Creci (Conselho Regional de Corretores de Imóveis) mostraram que alguns lotes subiram mais de 300%, revelou o Activa Contabilidade.
O Creci informou que o metro quadrado nessa região pulou da média de R$ 50, valor praticado em janeiro de 2011, para mais de R$ 200 em novembro do mesmo ano. Antonio Carlos foi mais um dos prefeitos a induzir à especulação, maior chaga do litoral. Muitos comentam pelas ruas que esse ex-prefeito, cassado por improbidade administrativa, é ainda um dos maiores empresários da construção civil através de seus parceiros e “laranjas” .
Dobradinha pai & filho, e filho & pai, suprassumo do patrimonialismo
A dobradinha pai e filho, ou filho e pai, é o auge do patrimonialismo e um fenômeno comum no litoral. Quando o pai do atual prefeito era alcaide, Aguilar Júnior assumiu o cargo de Chefe de Gabinete do próprio pai. No entanto, foi exonerado por ordem do Ministério Público devido à prática de nepotismo.
Aguilar Júnior venceu duas eleições (2017-2020 e 2021-2024). Em novembro de 2020, a Polícia Civil e o Ministério Público lançaram a operação Ozymandias para investigar supostas fraudes em contratos da prefeitura. Um dos alvos era José Pereira de Aguilar, ex-prefeito e pai de Aguilar Júnior, conforme noticiado pelo Tamoio News.
PUBLICIDADE
As investigações indicaram que José Pereira de Aguilar utilizava a posição do filho como prefeito para controlar contratos públicos. Durante o atual mandato de Aguilar Júnior, seu irmão, Tato Aguilar (PSD), ocupava a presidência da Câmara de Vereadores, cujo regimento interno proibia a reeleição. E o que fez o prefeito? Enviou um novo projeto à Câmara, que aprovou a reeleição, permitindo que Tato permanecesse no cargo até hoje. Como se pode ver, a falta de vergonha e a ausência de ética, tão comuns no passado, continuam a preponderar.
Em resumo, nesta gestão prevaleceu novamente o patrimonialismo, onde os interesses pessoais, privados e familiares se sobrepõem ao bem público e ao trabalho em prol da maioria. Esse escárnio precisa, e pode, ser alterado, desde que os eleitores de Caraguatatuba façam escolhas criteriosas na hora de votar.
O escândalo do primeiro enroncamento das margens do rio Juqueriquerê, denunciado por Dadinho Fachini
Esse é mais um exemplo que mostra que nada mudou no município. Vamos aos fatos: devido ao assoreamento do rio e ao naufrágio de dois barcos pesqueiros, decidiu-se realizar uma obra de desassoreamento. No entanto, conforme denúncias do então vereador Dadinho Fachini, o estudo para a obra foi finalizado em 19 de abril de 2022, mas a empresa vencedora da licitação, o Consórcio Juqueriquerê, foi criada em 18 de abril do mesmo ano — apenas um dia antes, em mais um ato suspeito da atual administração. Vale destacar que a obra foi orçada em cerca de R$ 40 milhões.
Novembro de 2020, Câmara aprova processo de impeachment do prefeito Aguilar Júnior (MDB)
Informação do Portal Notícias do Litoral: ‘Por 8 votos a 5 os vereadores de Caraguatatuba aprovaram o pedido de abertura do processo de impeachment do atual prefeito Aguilar Junior (MDB)’…’A ação deverá investigar irregularidades nos repasses do CaraguaPrev, e a falta de decoro em decorrência dos atos apontados na Operação Ozymandias, que investiga crimes de corrupção, fraude em licitação e associação criminosa’.
Passado nebuloso de Antônio Carlos da Silva não impede nova candidatura em 2024
Apesar de ter sido condenado durante sua gestão de 1997-2000 por tentativa de compra de votos com cestas básicas, Antônio Carlos da Silva, em 2024, sem demonstrar qualquer pudor, lançou novamente sua candidatura à prefeitura.
Felizmente, atendendo a pedidos do MP a Justiça Eleitoral impugnou o registro de sua candidatura. Antonio Carlos recorreu. Contudo, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou um novo recurso do ex-prefeito…
Mais uma vez, não fosse a ação salvadora do MP, o cidadão ficha-suja estaria no pleito deste ano.
PUBLICIDADE
A reação da sociedade civil de Caraguatatuba começa em 2021
Em nossa opinião, a revisão do Plano Diretor, iniciada em 2021, marcou uma mudança significativa no comportamento da população, que tentou, de uma vez por todas, combater o “sistema de coronelismo”.
A população se uniu em defesa de seus interesses, participando ativamente de reuniões e apresentando requerimentos. O processo envolveu a SIMA (Secretaria de Meio Ambiente do Estado), o GERCO (Grupo de Gerenciamento Costeiro), a Fundação Florestal, a SOS Mata Atlântica, ONGs, entidades políticas e a Secretaria de Desenvolvimento Regional do Estado, entre 2021 e 2022.
Todas visavam fazer valer a Lei da Mata Atlântica e reprovar as alterações propostas. A leviandade do prefeito Aguilar Júnior (MDB) foi de tal monta que, apesar de todo o clamor popular, não foi feita nenhuma alteração de conteúdo no Plano Diretor mesmo depois da tragédia do carnaval.
O que faltou em Caraguatatuba desde o século passado?
Caraguatatuba nunca contou com um plano de construção de casas populares, forçando os mais pobres, que chegaram para trabalhar na intensa construção civil, a ocuparem áreas de risco. Uma das figuras influentes da atual gestão é Ronaldo Cheberle, diretor ambiental da Secretaria de Meio Ambiente. Como já comentamos, ele teve o descaramento de declarar: “Não acredito em programas de moradias populares. Quem quiser, que invista de seu próprio bolso!”
Ronaldo Cheberle, o verdadeiro autor do Plano Diretor, relatou em audiência pública que ele somente somou as solicitações dos empresários e proprietários dessas áreas, ou seja, não considerou as necessidades da população, impactos ambientais e nem os mapas de risco para fazer o principal documento que define o futuro da ocupação do solo no município. Assim, mais uma vez favoreceu os empresários e poderosos chefões da construção civil, disfarçado de prefeito.
‘Urbanizar a Mata Atlântica’; alguém já ouviu um desatino destes?
Durante o período de discussão da revisão do PD, o ‘afilhado’ do atual prefeito foi além e sugeriu disparates como construir um prédio na faixa de areia da Massaguaçu, ‘urbanizar’ a Mata Atlântica preservada da Tabatinga e Mococa, e ocupar o topo do Morro da Praia Brava!
E isso num município cujo nome já expõe o maior diferencial que ele tem, ao lado das praias: a maravilhosa vegetação nativa. O nome Caraguatatuba tem origem no século XVI, quando a região já era habitada pelos Tupinambás. O local ficou conhecido como terra abundante em caraguatás, uma planta bromeliácea cujas fibras os jesuítas, como José de Anchieta e Manoel da Nóbrega, utilizavam para confeccionar eles mesmos suas sandálias. A palavra “Caraguá” vem de uma corruptela de “caraguatá” e “tuba”, que significa grande quantidade. É triste ver que, séculos depois, a vegetação nativa que deu origem ao nome da cidade está sendo destruída pela especulação imobiliária, colocando em risco o bioma Mata Atlântica, o mais ameaçado do Brasil.
PUBLICIDADE
Voltando ao nosso caso, para se ter uma ideia do poder dessa eminência parda, foi Ronaldo Cheberle, diretor ambiental (??), quem apresentou sozinho as sugestões para a revisão do Plano Diretor em uma das primeiras audiências e respondeu praticamente sozinho a todos os questionamentos. Enquanto isso, seu ex-chefe, Marcel Giorgete, membro nato e responsável pelo Conselho de Meio Ambiente, permaneceu em silêncio.
As declarações estapafúrdias do diretor ambiental
Apesar das declarações estapafúrdias do diretor ambiental, lugar tenente de Aguilar Júnior (MDB), a reunião teve saldo positivo. Por exemplo, o vereador Fernando Cuiu confirmou as promessas de não permitir a ocupação das atuais Zonas de Preservação Permanentes.
O Mar Sem Fim conversou com Fernando, que disputa uma vaga na Câmara Municipal pela terceira vez. Caiçara, com 48 anos, ele vem de uma família com tradição na política. É filho de um casal de administradores que são funcionários públicos. Sua avó seu avô, e um tio, foram vice-prefeitos em suas respectivas épocas.
Fernando conta que estava no mesmo partido de Aguilar Júnior mas, a partir de março, abril deste ano, decidiu sair da base governista e seguir em outra agremiação. Ele revela que sua plataforma é a ambiental, ‘sou defensor de todas as causas voltadas ao meio ambiente. Durante o processo de discussão do Plano Diretor, consegui impor seis emendas restritivas para evitar o avanço da ocupação desordenada em áreas restritas’.
Para o futuro, diz ele, tenho duas prioridades. Começar a tratar o lixo da cidade no próprio município adotando novas tecnologias, e assim evitar aterros ou o transbordo do lixo Serra acima, ‘imagine se uma carreta destas tombar, o prejuízo ambiental que teremos’?
E, pensando no fomento ao turismo, Fernando sente falta de um aeroporto, ‘Veja, Ubatuba tem a metade da população daqui e tem aeroporto (Ubatuba, Censo 2022, 92.000 – Caraguatatuba, idem, 134.800). Pra conseguirmos ampliar o turismo, temos que ter um, vou lutar por isso também’.
E, assim, ao final da revisão do PD, a união da sociedade em prol de um bem comum — a preservação do meio ambiente, da qualidade de vida e da sustentabilidade — prevaleceu. Cerca de 90% das medidas propostas pelo poder público foram rejeitadas pela população, um feito praticamente sem precedentes no litoral.
PUBLICIDADE
Caraguatatuba perde a oportunidade de tornar-se uma cidade resiliente
Caraguatatuba teve uma oportunidade de ouro para se tornar uma cidade resiliente após a tragédia do carnaval de 2023, especialmente por ter sido uma das menos afetadas. No entanto, desde então, a prefeitura praticamente não tomou nenhuma medida significativa para tornar cidade mais segura para enfrentar os desafios climáticos e garantir a qualidade de vida da população. Ela continua focada na expansão imobiliária, procurando áreas para desapropriar e leiloar entre amigos.
Hoje, como já mencionamos, o município que está se tornando o grande paradigma do litoral é São Sebastião. Infelizmente, foi necessária uma tragédia para que o poder executivo tomasse medidas, mas o prefeito Felipe Augusto fez sua parte, ao contrário de Aguilar Júnior, que deixou de agir.
Só duas, em cada dez cidades brasileiras, estão preparadas para lidar com o aquecimento global
Este site tem reiteradamente apontado a falta de preparo e interesse dos prefeitos do litoral para administrar uma cidade em tempos de aquecimento global descontrolado. Em maio de 2024, essa preocupação foi confirmada por uma pesquisa da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), que revelou que apenas 22% dos gestores municipais acreditam que suas cidades estão preparadas para enfrentar as mudanças climáticas.
A pesquisa ouviu cerca de 3,6 mil municípios. A ausência de capacidade técnica e financeira seria a principal razão apontada para a falta de preparo. Segundo a Agência Brasil, os dados demonstram que 68% dos municípios afirmam nunca terem recebido nenhum recurso de estados ou do governo federal para atuar na prevenção.
No entanto, o argumento de falta de verbas não se sustenta, considerando que o município recebe royalties do petróleo. Apenas em 2022, São Sebastião, Ubatuba, Caraguatatuba e Ilhabela receberam R$ 632,8 milhões, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Caraguatatuba, a quarta da lista, recebeu R$ 138,7 milhões. Ainda assim, 30% da população continua sem acesso a esgoto tratado.
Sobre os royalties, perguntei para Dadinho Fachini se o valor recebido é tratado com transparência, ou seja, se a população sabe onde a prefeitura emprega os valores. A resposta foi um ‘definitivamente, não’.
Um personagem singular de Caraguatatuba
Durante o ano de 2023 conheci vários nativos de Caraguatatuba e outros tantos paulistas que frequentam a região. Alguns deles foram os ‘cabeças’ da reação cidadã de que falei. Um, entre eles, me impressionou. Trata-se de um caiçara com sólida experiência (mais de 15 anos) nas áreas de saúde, segurança, meio ambiente e, na política, como vereador.
PUBLICIDADE
Uma pessoa tranquila, de fala mansa, cativante. Conversei muito com ele, visitei-o em sua modesta residência, conheci sua mulher, Madalena, também interessada nas questões comunitárias. Ambos atuaram na construção da APAE, da Casa de Saúde Stella Maris, e da Creche Santo Antônio. Acabamos tornando-nos amigos. Seu nome já foi citado neste post algumas vezes. Sim, trata-se de Dadinho Fachini que, mais uma vez, concorre a uma vaga na Câmara de Vereadores.
Quando Dadinho contou parte de sua vida fiquei impressionado. Foi a primeira vez que conheci um caiçara ‘técnico em análises clínicas’, e pelo notável ‘Instituto Adolfo Lutz ‘, entre outras qualificações. Ele é uma destas pessoas com raro espírito público. A vida toda atuou a favor da comunidade e, ao relatar alguns dos disparates cometidos por políticos da região, saltou aos olhos o compromisso com a ética, fato raro na política.
Não tenho dúvida de que, entre os candidatos a vereador, há muitas pessoas com as qualidades necessárias para servir ao cargo, em vez de servir-se dele. Dadinho é um deles. Quanto aos candidatos a prefeito, não posso opinar, não conheço o seu passado.
O outro lado, a palavra do Prefeito Aguilar Júnior
No dia 11 de setembro, liguei para a prefeitura e pedi para falar com o prefeito. A atendente informou que ele estava em reunião. Então, solicitei seu e-mail, apresentei-me, e expliquei sobre o post que seria publicado impreterivelmente na segunda-feira, 16/09, e avisei que enviaria o texto para que Aguilar Júnior tivesse cinco dias para responder.
Até o momento da publicação não chegou nenhum comentário.
Eleições em outubro de 2024
Talvez o único aspecto positivo em Caraguatatuba tenha sido a adaptação do programa Vizinhança Solidária para focar na proteção ambiental, sendo implementada na Tabatinga e Mococa com apoio de diversas entidades, entre elas o governo do Estado, IBAMA e moradores, para esse primeiro programa de Vizinhança Solidária Ambiental do Brasil e possivelmente do mundo.
Nas próximas eleições, o município terá cinco candidatos à prefeitura e 297 para vereadores, conforme dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Que os eleitores de Caraguatatuba estudem atentamente o perfil de cada um, informem-se sobre seu histórico e verifiquem se têm pendências com a Justiça. Esta é uma oportunidade para enterrar o coronelismo de vez, caso contrário, Caraguatatuba continuará nas manchetes policiais, e não nas políticas.
Imagem de abertura: Charge ‘Voto de Cabresto’, do cartunista Arionauro, arionaurocartuns.com.br
Eu entendi o artigo, mas não quis entrar em discussões políticas.
Eu quis enfatizar que é preciso compatibilizar o turismo com o meio ambiente.
Não adianta tapar o sol com a peneira, a infraestrutura de estradas e os empreendimentos imobiliários virão e precisamos planejá-los para que o meio ambiente seja agredido o mínimo possível e as compensações sejam efetivamente realizadas.
Não concordo com a forma como a Mar sem Fim faz a defesa do meio ambiente.
O litoral paulista precisa de pesados investimentos em saneamento básico e estradas de acesso para atender às demandas de um turismo em expansão e isto implica em obras que invariavelmente agredirão de certa forma o meio ambiente.
É preciso planejar esta agressão e exigir compensações que visem mitigar o problema.
Não realizar estas obras e evitar esta intervenção planejada resulta no que estamos vendo, agressão ao ambiente, estrutura turística precária!!!
Sérgio:
seu comentário é um tanto confuso, mas vamos lá. Vc diz que o litoral precisa ‘pesados investimentos em saneamento e estradas’. O post cita a especulação imobiliária, muitas vezes comandada por prefeitos com interesses na construção, como no caso de Caraguatatuba cujo atual prefeito é dono de lojas de material de construção. Comentamos que a revisão do Plano Diretor propunha a construção de prédios comerciais e a liberação de loteamentos em Zonas de Proteção Permanente (ZPPs). Em seguida comentamos o coronelismo que impera nas eleições, com compra de votos, e sequestro de oponentes. Falamos de prefeitos cassados por corrupção, da sina de caiçaras mal tratados e expulsos de suas áreas,etc. Sinceramente, você parece não ter lido post ou, se leu, não compreendeu.