Reforma aquária de Lula, como é que é?
‘Reforma aquária’ de Lula. Artigo escrito deste escriba para O Estadão em julho de 2008
O absurdo Ministério da Pesca
Dia 29 último (29 de jluho de 2008), o presidente Lula assinou nova medida provisória, transformando a Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca em Ministério.
Ridículo Projeto para dobrar a produção pesqueira
Para anunciar, soltou a verve. E perdeu uma boa chance de ficar calado. Seu discurso atropelou o bom senso. Como assinalou o jornal O Estado de S. Paulo no editorial, Outro Ministério dispensável (31/7, A3),
falando como pescador – como se o hobby o tivesse transformado num especialista em piscicultura Lula lançou o Mais Pesca e Aqüicultura, plano de desenvolvimento sustentável 2008/2011.
Pérolas de Lula, “o pai dos pobres”
O projeto visa a dobrar a produção de pescado e gerar mais de 1 milhão de empregos, por meio da construção de novos terminais marítimos; abrir linhas de crédito para implantação de projetos de criação de peixes, mariscos e crustáceos, e para que pescadores possam adquirir novos barcos.
Lula disse algumas pérolas que merecem comentários. Por exemplo,
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chega de estupidez: aquela imensidão do Lago de Itaipu, agora que nós começamos a criar pacu, mesmo assim nos proibiram de colocar lá a tilápia.
Reforma aquária de Lula: absurdos proferidos
Proferiu nova impropriedade quando afirmou
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Cafeína, analgésicos e cocaína no mar de UbatubaA repercussão da retomada da análise da PEC das Praias pelo SenadoDecisão do STF proíbe criação de camarão em manguezaisser uma vergonha um país com um litoral extenso como o Brasil, e com 190 milhões de habitantes, só produzir 1 milhão de toneladas de pescado por ano, enquanto o Peru, que é bem menor e possui uma população de 27 milhões de habitantes, pesca nove vezes mais, ou seja, 9 milhões de toneladas/ano.
Para finalizar, arrematou:
Da mesma forma que a gente faz a reforma agrária na terra, é fazer uma reforma aquária, na água.
Presidente, esqueça a reforma, por favor. Nossos mares não suportariam mais esta brutalidade.
O Mar Sem Fim ensinando
Em recente viagem de trabalho ao longo da costa brasileira, quando produzi a série de documentários Mar Sem Fim, para a TV Cultura (90 episódios e dois anos no ar), entrevistei mais de 40 especialistas entre as universidades dos 17 Estados costeiros.
Quando eu os questionava sobre os problemas da nossa costa e do nosso mar, muitos causados pelo poder público, uma crítica quase unânime foi: “O governo federal e os governos estaduais não nos procuram, não nos ouvem…”.
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Ouça o que eles têm a dizer, presidente, e saberá que foi impedido de colocar tilápias no Lago de Itaipu porque a introdução de espécies invasivas, como essa agressiva espécie africana, é a segunda maior causa de perda de biodiversidade no planeta.
Reforma aquária de Lula e o problema do esgoto não tratado
Também aprendi que o maior problema para a vida marinha é a poluição causada pelo esgoto não tratado. No mundo inteiro é assim. Diariamente são despejados 2 milhões de toneladas de esgoto nos oceanos.
Aqui, no Brasil, “60% da população não tem acesso à rede coletora de esgotos, e apenas 20% do esgoto gerado no país recebe algum tipo de tratamento” (Atlas de Saneamento do IBGE).
A coleta de lixo é menos ruim, embora a pesquisa indique que “63,3% dos municípios depositam seus rejeitos em lixões a céu aberto, sem tratamento algum”. Lembre-se, presidente, das copiosas chuvas deste país tropical.
Densidade demográfica no litoral
Elas também caem nos municípios costeiros, onde a densidade média é de 87 habitantes por quilômetro quadrado, enquanto a média nacional é de 17 habitantes.
Aonde o senhor supõe que o sopão mortal vai parar?
Aerolula x saneamento básico
No mar, é claro. Nem por isso seu governo investe em saneamento básico. Em 2004 o montante foi menor que o valor do Aerolula. Este custou para os cofres públicos US$ 46,7 milhões, mas para saneamento básico, no mesmo ano, o senhor destinou apenas R$ 53,6 milhões. Assim não dá. Nem os bagres resistem.
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Outra coisa que aprendi é que nossos mares são pobres em biomassa pesqueira, porque cerca de 60% a 70% de nossa costa fica na zona tropical, de águas quentes, pobres em nutrientes. E peixes também têm de se alimentar.
O Peru e a ressurgência
O Peru é uma potência mundial na pesca porque em sua costa ocorre um fenômeno físico chamado “ressurgência”, de proporções gigantescas, um dos maiores no mundo.
Ele se caracteriza pelo afloramento de águas profundas, ricas em nutrientes. O resultado é a alta produtividade pesqueira. Nada tem que ver com o “tamanho do país”, ou a “quantidade de seus habitantes”.
‘Reforma aquária’ de Lula: 20 milhões de toneladas de peixes atirado ao mar, mortos
Lula ainda disse que
milhares de toneladas de peixes são desperdiçados porque muitos só se interessam pelo camarão.
É verdade. O dado preciso, de acordo com a FAO, é que anualmente 20 milhões de toneladas de peixes são devolvidos ao mar, mortos.
Eles são o que os especialistas chamam de “fauna acompanhante”. Peixes que são puxados fora da água, pelas redes de arrasto, muitas delas de camarão, como Lula falou.
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Esta modalidade é tão danosa ao ambiente marinho que já há países defendendo na ONU uma moratória. Mas, no Brasil, a pesca de arrasto é praticada até próximo da zona de arrebentação, colada às praias, o que é proibido. E o Ibama, a quem compete fiscalizar, tem apenas três barco para atuar.
Porque o senhor não liberou recursos para que o órgão possa cumprir sua função. Caso tenha esquecido, deixe-me lembrá-lo: em 2006 o total das despesas do Ministério do Meio Ambiente (MMA) equivaleu a 0,13% do Orçamento da União para o mesmo período. Como fiscalizar nossa biodiversidade, continental e marítima num país desta proporção com uma marreca dessas?
Unidades de Conservação ao deus-dará
Pelo mesmo motivo as Unidades de Conservação da zona costeira, onde começa grande parte da cadeia de vida marinha, estão ao deus-dará. Não receberam recursos para indenizar os antigos proprietários; para o plano de manejo; para as equipes e suas necessidades básicas. De acordo com a ONG Conservation International, “
em 2000 o MMA gastava cerca de 42 reais por hectare de área protegida. Em 2008 gastam-se 39 reais por hectare, uma redução de 7%.
“Reforma aquária”? Que tal, antes, fazer a lição de casa?