Polêmica na barra do Sahy divide moradores e turistas
No carnaval de 2023, São Sebastião enfrentou uma tragédia que deixou 64 pessoas soterradas e um rastro de destruição, afetando principalmente os moradores da Vila Sahy. Após os primeiros socorros, começaram as discussões sobre como prevenir novos desastres. Vale lembrar que a catástrofe do carnaval era previsível, com o poder público ciente dos riscos. Ambientalistas e outros especialistas têm alertado os prefeitos por mais de 20 anos sobre os perigos dos casebres construídos na encosta da Serra do Mar. Outras medidas discutidas incluíram fechar cerca de 850 ‘cicatrizes’ nas encostas, causadas por deslizamentos de terra, realocar os aproximadamente 3 mil desabrigados para os novos bairros e realizar obras de drenagem e desassoreamento do rio Sahy, cujo leito está obstruído por sedimentos da Serra do Mar, reduzindo a profundidade da água em alguns locais para apenas 50 cm.
Como quase sempre acontece, tudo está sendo feito a passos de cágado
Como sempre, na hora da tragédia o poder público se manifesta, vai ao local se solidarizar e promete que tal situação não se repetirá, enfim, o surrado papo de sempre. Depois que a poeira abaixa, a urgência passa a não ser não tão urgente assim.
Em outubro de 2023, oito meses depois da tragédia, visitei a região e percorri a estrada desde Boraceia, onde começam os veios, até quase à fronteira de Ubatuba com Paraty. A maioria deles continuava aberta. Felizmente, neste verão não houve as chuvas torrenciais de 2023. Se tivessem ocorrido novos deslizamentos aconteceriam.
No entanto, obras paliativas como a instalação de sirenes, e um novo radar para acompanhar as tempestades, foram instalados. Por fim, os moradores participaram de simulados e receberam treinamento.
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Em Maresias, onde outro bairro foi construído para receber mais 186 apartamentos, as obras também atrasaram. Mas, pior que isso, o local do Baleia Verde também está sujeito a inundações.
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Um conjunto inacreditável de negligências
Por este conjunto de negligências, que começou pela incúria do poder público, os moradores estão revoltados e traumatizados. Além disso, os desabrigados expressaram desamparo e descontentamento com as condições dos prédios do Baleia Verde, onde serão realocados contra sua vontade. Houve protestos em 3 e 10 de dezembro e novamente em 13 de dezembro.
Eles reclamaram porque a Justiça decidiu demolir 70% da Vila Sahy, e o governo sequer os avisou. Veja a ‘consideração’ com a população já suficientemente chocada. Os moradores só souberam da demolição de suas casas quando receberam uma liminar da Justiça em 29 de novembro. Imagine o trauma de descobrir, por decisão judicial, que vão demolir sua casa!
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Investimentos no litoral oeste do Ceará causam surto especulativoCafeína, analgésicos e cocaína no mar de UbatubaA repercussão da retomada da análise da PEC das Praias pelo SenadoFinalmente, há pouco começaram as obras de drenagem que levaram a um impasse que divide os moradores e turistas da Barra do Sahy.
A polêmica das obras de drenagem
Em primeiro lugar, ninguém duvida da necessidade das obras de drenagem. O Governo do Estado reservou R$ 123 milhões para a contenção e drenagem na região. Os moradores dos sertões, por exemplo, os mais pobres, querem obras de contenção em todos os bairros, e reclamam da falta de uma política pública para todo o litoral.
É inadmissível a omissão do governo federal. Criar uma política central para os processos de erosão no litoral é uma obrigação do Ministério de Meio Ambiente porque tendência é a ampliação dos problemas com a subida do nível do mar e aumento dos eventos extremos. Entre os 279 municípios costeiros brasileiros, 87% têm algum segmento litorâneo em erosão. Apesar de todos saberem que é melhor prevenir que remediar, o governo limita-se a assistir o que acontece.
Mas, o que precisa ser feito? Para começar, o alargamento da passagem da água sob a rodovia que, quando desce do morro em sucessivos enxurradas, acaba represada pela estrada. Em segundo lugar, o desassoreamento do rio Sahy por uma questão ambiental e social (pescadores têm grande dificuldade para sair ou entrar na barra), para que nas próximas chuvas fortes a água possa escoar pelo rio, e não transbordar suas margens, até chegar ao mar.
As obras acabam de ser embargadas
Acontece que as obras acabam de ser embargadas. Em 15 de abril a Folha de S. Paulo explicou os motivos. A matéria, de Clayton Castelani, recebeu o título de ‘Justiça embarga obra sem estudo ambiental criada para evitar nova tragédia em São Sebastião’.
Desassoreamento do rio Sahy
Castelani destaca que ‘o desassoreamento do leito do Sahy é o mais recente episódio do enredo conflituoso desencadeado pela catástrofe nas relações entre poder público, proprietários de imóveis, ambientalistas e a população que mora distante da praia, no sopé da Serra do Mar’.
A ação judicial foi uma iniciativa da Sabs (Sociedade Amigos do Bairro do Sahy). Segundo a Folha, ‘a documentação apresentada à Justiça pela Sabs elenca uma série de argumentos técnicos, assinados pelo oceanógrafo Rafael Bonannata e pela consultoria Waterloo Brasil Ambiental, questionando a capacidade da empresa contratada pela prefeitura’.
“Aprofundamento do rio pode esconder interesses imobiliários”
O pessoal que forma a Sabs alega ‘que a eficácia da intervenção não está comprovada e que o aprofundamento do rio pode esconder interesses imobiliários. Tornar o rio navegável para alguns tipos de embarcações facilitaria a instalação de marinas para atender futuros condomínios residenciais’.
Aqui fazemos um parêntesis para contestar a Sabs. Se não houver o desassoreamento do leito do rio, para onde irão as águas das próximas enxurradas depois de atravessarem por baixo da estrada?
É obvio que os motivos para aprofundar a calha do rio são, ao mesmo tempo, de caráter ambiental e social, já que pescadores ou condutores de turistas (ex-pescadores) às vezes nem conseguem sair ao mar pela barra. É, portanto, imperativo que a obra prossiga. Os ‘interesses imobiliários’ não estão na possibilidade de uma marina, impensável para um local já tão lotado. Ao nosso ver os ‘interesses imobiliários’ são na verdade de alguns proprietários de casas de segunda residência que estão próximas ao rio e preocupados com o muro (enroncamento) que se pretende construir numa das margens para conter os sedimentos que normalmente vão parar nos cursos d’água (a outra margem já conta com um).
Instituto de Conservação Costeira
Conversamos com o Instituto de Conservação Costeira – ICC – ONG que faz a gestão da APA Baleia Sahy e que, desde 2012 pede à prefeitura as obras de drenagem. Quanto ao novo muro, em abril de 2024 o ICC pediu a suspensão até que haja mais estudos, e assim foi feito. Esta obra está parada. Entretanto, isso não significa que as outras também devem parar.
No meio da discórdia estão os mais pobres, os moradores dos sertões que não têm a voz dos ‘poderosos’. Eles são unânimes em defender o prosseguimento das obras.
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Segundo relatos, a Sabs é contrária às obras de desassoreamento, e omite a importância da drenagem. André Motta, assistente técnico do ICC, afirma ser necessária a realização de obras de drenagem e dragagem, entretanto os estudos (sobre a dragagem) devem ser mais aprofundados para evitar impactos maiores e irreversíveis nesse trecho muito sensível de desembocadura do rio Sahy.
Segundo apuramos, a Sabs conta com aproximadamente 300 pessoas que, como não poderia deixar de ser, formaram grupos nas redes sociais e passaram a desacreditar e boicotar quem pensa de modo diferente. Essa disputa só piora a situação dos desvalidos que ficam espremidos entre o poder público e aqueles com posses.
Outra crítica da Sabs é dirigida à empresa contratada pelo prefeito Felipe Augusto (PSDB), a FortNort Desenvolvimento Ambiental e Urbano Ltda, considerada fraca. Parece que a empresa realmente não seria das melhores.
O que dizem os mais pobres, as vítimas da incúria
Conversamos com algumas lideranças, entre elas Rosana Menezes dos Santos, da PROSAN – Pró Sahy Associação Náutica – que cuida dos interesses dos pescadores e barqueiros. Segundo ela, ‘só o pessoal da Sabs é contrário à obra’.
Rosana reclama que a comunidade não foi ouvida antes do processo judicial. Ela foi procurada somente depois do início do trâmite. Insistiu que não pedissem a paralização das obras. Para ela seria melhor continuar os trabalhos enquanto as licenças seriam providenciadas. Ela se mostra desanimada. E desabafou: ‘Quando chove os donos de casas vão embora, não sofrem as consequências, mas nós continuamos aqui’. Não é justa esta paralização que, segundo ela, a SABs teria feito apenas para ‘não mudar o visual da praia’.
Também falamos com dona Ildes, presidente da Associação de Moradores da Vila Sahy – Amovila. Dona Ildes se diz pressionada pelos moradores que querem protestar contra a paralisação, ao mesmo tempo em que teme que o protesto descambe para violência, por isso procura evitar que os ânimos se exaltem. Ela contou que quando a obra foi anunciada pela prefeitura, mais uma vez sem consultas prévias à população, a Amovila se aliou ao Sabs para exigir na Justiça que as obras fossem detalhadas.
Desse modo, para evitar problemas, o prefeito Felipe Augusto resolveu receber a Amovila e a Sabs. Mas, segundo ela, falou ‘superficialmente’, não informando todas as etapas previstas.
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Em seguida, diz, o pessoal da Sabs decidiu entrar na Justiça sem avisá-los (a Amovila) previamente. Os moradores estavam tranquilos, sem saber o que se passava até que as obras foram paralisadas. Agora diz ela, uma reunião foi marcada com a Sabs para sexta-feira, 19 de abril. Dona Ildes disse que vai questionar apenas ‘quais soluções eles propõem’, uma vez que na visão dela o desassoreamento é imprescindível.
O que nos disse a SABs
O Mar Sem Fim conversou com o vice-presidente da Sabs, Fernando Castelo Branco, que fez um retrospecto. Assim, no final de 2023 eles ficaram sabendo da ‘licitação milionária aberta pelo prefeito Felipe Augusto: ‘foram alocados R$ 100 milhões para as obras de drenagem, e mais 22 mi para para dragagem do rio’.
O problema, segundo Fernando, é que a prefeitura não apresentou um projeto técnico que avaliasse a obra no sentido de minimizar problemas ambientais. Além disso, diz ele, Felipe Augusto ‘contratou a FortNort Desenvolvimento Ambiental e Urbano que presta serviços de manejo de lixo urbano para a prefeitura de São Sebastião. Esta empresa nunca prestou este tipo de serviço’, explicou.
Pela falta de projeto e de experiência da empresa, Fernando disse que a Sabs, junto com o ICC e a Amovila enviaram ofício ao prefeito pedindo esclarecimentos sobre a falta da apresentação de um plano ambiental. ‘A PROSAN desde sempre queria a obra, por isso não participou’. Fernando aproveitou para negar que a SABs tenha agido sem conversar com a população.
O envio do ofício resultou numa reunião onde Felipe Augusto foi direto: “E digo mais, eu tenho um bilhão em caixa, vou receber mais um bilhão. E vou gastar tudo!” Fernando disse que ‘Felipe Augusto ‘presta um desserviço’ agindo assim. ‘Na reunião ele usou o verbo gastar, não investir’.
‘Juntando tudo, mais o ano eleitoral’…e completou: ‘Falta transparência da prefeitura’. Depois dos insistentes pedidos de estudo ambiental que a Sabs pede desde 2023, eles acabaram por receber um estudo da FortNort datado de 18 de março, portanto, ‘depois de nossa insistência fizeram um plano mambembe a toque de caixa’.
Fernando negou a informação da Folha de S. Paulo sobre medo de marinas
Fernando negou a informação da Folha de S. Paulo que alegou que a Sabs ‘ficou receosa de que o aprofundamento do rio pode esconder interesses imobiliários, uma marina para atender futuros condomínios residenciais’.
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Contudo, depois de contar como seria a obra, ‘com dutos enormes colocados no rio Sahy e elevação da ponte, bem que seria possível a construção de uma marina’, disse Castelo Branco. Em seguida contou que tem uma casa na beira no rio Sahy por isso ‘quer um rio sadio, limpo, e que não inunde’.
Finalmente, Fernando Castelo Branco confirmou que ‘não discutiram a drenagem, apenas a dragagem e, por não haver estudos sobre o impacto ambiental pediram na Justiça o embargo da obra’. Encerrou com um recado via WhatsApp: ‘A contratação da Fortnort não foi fruto de licitação (é preciso apontar a incoerência. Depois de dizer que souberam da ‘licitação milionária aberta pelo prefeito Felipe Augusto, agora a contratação da Fortnort não foi fruto de licitação? Talvez tenha sido apenas confusão). E finalizou: ‘Jamais ofendemos ou omitimos a necessidade do desassoreamento. Nossa posição sempre foi a favor da limpeza do rio, pautada na necessidade de projetos técnicos responsáveis’.
Atualizado em 19 de abril
Nesta manhã recebemos o depoimento de um dos líderes da Vila Sahy, Moisés Teixeira, publicado abaixo.
“Não vi no laudo da Sabs nenhuma foto sequer da situação do rio e do assoreamento. Os técnicos deles não entraram sequer no rio para realizar uma vistoria e nem no sistema de drenagem. A imposição da Sabs está atrapalhando não só os moradores, mas as famílias que vivem do turismo e da pesca no portinho, e o meio ambiente. O rio tá cheio de terra, lama, árvores, galhos, está assoreado em muitos pontos. É preciso retirar o entulho se não a drenagem não funciona”. Não adianta falarem que são a favor da drenagem, e desassoreamento do rio, quero que vcs escrevam que são favoráveis e que não vão prejudicar a comunidade”.
Atualizado em 25 de abril
Esta manhã o Mar Sem Fim conversou com Rosana Menezes dos Santos, da PROSAN. Ela reclamou da reunião de 19 de abril. Disse que as coisas não evoluíram, que os dutos para a dragagem estão colocados no rio mas a obra está parada. E questionou: ‘Por quê não fizeram os estudos com o André Costta, do ICC, que é especializado e conhece o rio Sahy como ninguém?’ E prosseguiu: ‘Agora jogaram de novo (referindo-se a Sabs) o laudo para o André Motta’. Segundo Rosana, a população mais pobre aguarda os resultados com ansiedade.
Agora, vamos refletir um momento. A tragédia aconteceu em fevereiro de 2023. De lá para cá, passaram-se 15 meses. Durante todo esta tempo a população sofre com o assoreamento, tendo dificuldades extremas em sair ou entrar na barra, ao mesmo tempo em que ‘qualquer chuva causa alagamentos no Sahy’, como disse Rosana.
Ela não se conforma com a decisão da Justiça, e não vê a hora da obra prosseguir. Insiste que ‘a comunidade está espremida’, sofrendo, e sem ter como reagir, enquanto os turistas, em outras palavras, os donos de casas de segunda residência que chegaram muito depois dos caiçaras, agora ‘mandam’ no pedaço de terra que era deles.
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Rosana não se conforma com a decisão da Justiça
Este site, pelo conhecimento que tem da sorte dos caiçaras que por 450 anos preservaram a beleza cênica e os ecossistemas da região do Sahy, considera a posição dos donos de casas-pé-na-areia mais uma afronta, uma desfeita aos antigos donos dos terrenos que hoje ocupam.
Essa população, enganada pelos primeiros ‘brancos’ que chegaram por volta dos anos 50/60 do século passado, está agora traumatizada pela tragédia, pela negligência do poder público e pela falta de atenção do governo do Estado, que não os alertou previamente sobre a demolição de parte de suas casas. Assim, eles continuam a sofrer com alagamentos e, mais uma vez, parte deles não consegue trabalhar devido ao assoreamento do rio Sahy. A atitude das ‘elites’ do litoral paulista demonstra grande egoísmo, prepotência e falta de compromisso com o interesse público.
Enquanto isso temos que esperar a decisão de Felipe Augusto (PSDB) que são apenas duas: ou ele esquece o assunto e desiste das obras, ou terá que questionar a decisão judicial. Enquanto isso, do outro lado da estrada longe da vista dos turistas, os moradores aguardam angustiados e impotentes.’
“A Sabs subestimou a reação popular e agora está tentando desfazer o que fez”
A frase cima é de autoria de um dos líderes da Vila Sahy, Moisés Teixeira, com quem falamos. E ele disse mais: ‘A Sabs fez algo errado, conduzido mais por ego (de seus condutores), como a Carla Marangolo, o Fernando Castelo Branco, o seu Mauro, e outros. (Eles) não tiveram preocupação com os mais carentes que estão do outra lado da estrada.
‘O rio assoreado prejudica todos: moradores da vila do Sahy, Baleia Verde, e os moradores do Sahy. O rio desassoreado flui e não provoca acumulo de água. O que me causou estranheza foi que a pessoa que fez o laudo desfavorecendo o desassoreamento, o oceanógrafo (Rafael Bonannata escolhido pela Sabs), tem casa no Sahy’.
Na conversa, Moisés demonstrou astúcia: ‘A Sabs fez uma coisa errada e não imaginou que tomaria as proporções que tomou. Agora tenta desfazer. Chamou a associação de bairros, a Amovila, o Prosan, a Baleia Verde, a associação do Morro da Maria Caetana pra tentar um diálogo com o prefeito, e com o ICC da Fernanda Carbonelli. Eles bateram tanto no ICC, acusaram tanto o ICC, por que agora querem conversar com o ICC?’
E finaliza, ‘não há democracia no Sahy’.Por quê agora querem chamar a Doutoura