Orcas e barcos, algo muito estranho está acontecendo
Notícias da Europa e do Brasil na mesma semana dão conta de ataques de orcas a barcos. Não seria a primeira vez que cetáceos agem assim embora seja muito incomum. Um dos mais célebres naufrágios da história aconteceu em 1820 quando o navio baleeiro Essex, de Nantucket, USA, então centro mundial da pesca à baleia estava a cerca de mil milhas a oeste das ilhas Galápagos, em pleno Pacífico, longe de tudo e de todos, quando o navio foi abalroado e afundado por um cachalote de 26 metros. Foi esta a história verdadeira que inspirou Herman Melville a escrever o clássico ‘Moby Dick’. Orcas e barcos, algo muito estranho está acontecendo.
Orcas e barcos, algo muito estranho está acontecendo
Em setembro de 2020 o jornal inglês The Guardian publicou a matéria Scientists baffled by orcas ramming sailing boats near Spain and Portugal (em tradução livre, Cientistas confusos com orcas abalroando barcos a vela perto de Espanha e Portugal).
Pior que isso. Na mesma semana o G1 publicou “Orcas cercam barco no litoral da Bahia, e pescador diz: ‘Experiência maravilhosa, mas não queria passar de novo“. Ataques de orcas, um predador do topo da cadeia, são raros.
Este escriba já navegou ao lado delas, na Antártica, sem qualquer problema, ao contrário, muitas vezes os belos animais se aproximam demonstrando curiosidade, jamais agressividade. Mas este comportamento, aparentemente, está mudando.
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O Guardian diz que “Nos últimos dois meses, do sul ao norte da Espanha, marinheiros enviaram pedidos de socorro após confrontos preocupantes. Dois barcos perderam parte de seus lemes, pelo menos um membro da tripulação sofreu hematomas com o impacto do golpe e vários barcos sofreram sérios danos.”
“O último incidente ocorreu perto de A Coruña, na costa norte da Espanha. Halcyon Yachts estava levando um barco de 36 pés para o Reino Unido quando uma orca bateu na popa pelo menos 15 vezes, de acordo com Pete Green, o diretor-gerente da empresa. O barco perdeu o leme e foi rebocado para o porto para avaliar os danos.”
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“Na mesma época, houve avisos de rádio de avistamentos de orcas 70 milhas ao sul, em Vigo, perto do local de pelo menos duas colisões recentes. Em 30 de agosto, um navio de bandeira francesa comunicou à guarda costeira que estava “sob ataque” de orcas. Mais tarde, naquele dia, um iate naval espanhol, Mirfak, perdeu parte de seu leme após um encontro com orcas sob a popa.”
“Em 29 de julho, ao largo do Cabo Trafalgar, Victoria Morris tripulava um barco de entrega de 46 pés que estava cercado por nove orcas. Os cetáceos bateram no casco por mais de uma hora, girando o barco 180 graus, desligando o motor e quebrando o leme, pois se comunicavam com assobios altos.”
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G1: “Um grupo de orcas cercou o barco de dois pescadores na costa da Praia de Itacimirim, que fica na cidade de Camaçari, região metropolitana de Salvador, na tarde de domingo (13/9). Os animais acompanharam a embarcação por cerca de duas horas, enquanto “brincavam” uns com os outros.”
De acordo com o depoimento de um dos pescadores, “elas começaram a se aproximar lentamente, a se acostumar com a embarcação, depois uma agarrou o isopor, quebrou ele e depois voltaram para a embarcação.”
Segundo o G1, “Todo o encontro foi filmado pelos dois, que se divertiram com a aparição das orcas. Os animais acompanharam os pescadores até o anoitecer e começaram a bater no fundo da embarcação, assustando pai e filho, que resolveram voltar mais cedo da pescaria.”
Já o especialista ouvido pelo G1 minimizou o ataque em águas baianas. “O biólogo Francisco Kelmo explicou que, apesar do susto, as orcas, que são da família dos golfinhos, são animais que não atacam humanos e que o fato delas estarem em grupos é normal.”
Orcas, conheça
São predadores do topo da cadeia que podem medir até nove metros e pesar mais de 5.000 quilos, e ‘altamente sociáveis’, como nos disse o professor da USP – veja abaixo). A última noticia sobre as orcas, que publicamos em 2018, dava conta que os animais estavam ameaçados por bioacumulação por PCBs (Bifenilas Policloradas). PCBs são compostos aromáticos clorados.
A família é constituída por cerca de 709 compostos diferentes. Um estudo, publicado na revista Science, mostrava que as atuais concentrações de PCBs podem levar ao desaparecimento de metade das populações de orcas.
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Outra matéria, de 2015, mostrava que orcas se exibiam em Arraial do Cabo no RJ: família de orcas com oito integrantes fez acrobacias para turistas cariocas. Este é o comportamento mais comum destes animais. Por que, de repente, passaram a atacar barcos?
Orcas, mamíferos sociáveis
The Guardian confirma o espanto: “Mamíferos sociais altamente inteligentes, as orcas são os maiores da família dos golfinhos. Pesquisadores que estudam uma pequena população no Estreito de Gibraltar se dizem curiosos e é normal que sigam um barco de perto, até mesmo para interagir com o leme, mas nunca com a força sugerida aqui.”
Estresse e risco de extinção
The Guardian confirma ainda o risco de extinção de que falamos: “os cientistas concordam ser “altamente incomum” e “preocupante”. É muito cedo para entender o que está acontecendo, mas isso pode indicar estresse em uma população em risco de extinção.”
O Guardian não foi o único veículo a noticiar os ataques. A imprensa europeia em peso deu destaque. E todos trazem depoimentos de pesquisadores estranhando o fato. O Independent abriu esta manchete: “‘Como uma marreta’: as orcas confundem os cientistas ao bater em barcos a vela na costa espanhola.”
E prosseguiu: “Os cientistas ficaram perplexos com um número crescente de incidentes desde o final de julho, nos quais um grupo de orcas colidiu repetidamente com os navios da região.”
O Mar Sem Fim ouviu o Prof. Marcos Cesar de Oliveira Santos, da USP
Incomodado com situação tão inusitada o Mar Sem Fim recorreu aos especialistas locais. Conversamos com o professor do Instituto Oceanográfico da USP, Marcos Cesar de Oliveira Santos.
E o que era tão estranho, o suposto comportamento agressivo, começou a ficar mais ‘palatável’. Marcos explicou que “as orcas são sociedades matriarcais com comportamentos distintos entre grupos e mesmo gerações.” E completou: “nós primatas é que não conseguimos entender.”
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Sobre os acidentes na Galícia, ele diz que “faltaram mais informações (para se tirar uma conclusão), não se sabe que tipo de interação aconteceu. Não sabemos o tipo de reação dos barcos quando elas apareceram.”
Orcas ‘animais altamente evoluídos’
Marcos explicou que “estes animais altamente evoluídos podem ter se irritado com o barulho das sondas dos barcos,” e contou que no vídeo do encontro no litoral baiano é possível ouvir algum tripulante dizendo, ‘elas estão indo em cima do transmissor’ (possivelmente da sonda de bordo).
Finalmente, Marcos contou um encontro entre barco e orcas de que participou. Aconteceu em Ilhabela, com um grupo de 16 orcas. O barco em que estava tentou se aproximar mas, por mais que tentassem, não conseguiram. Os animais rejeitavam o encontro. Até que alguém a bordo sugeriu que desligassem a sonda. “Imediatamente após, as orcas se aproximaram e ficaram embaixo do casco, vocalizando (que é o modo como se comunicam).”
Depois de algum tempo, um dos tripulantes sugeriu que ligassem novamente a sonda/sonar só para conferir. Ato contínuo, as orcas foram embora. Marcos explicou que a poluição sonora no meio marinho “foi introduzida pelos primatas”, nós, “sem pedir licença aos animais” que há milhares de anos, antes de nossa ação, eram os maiorais dos oceanos.
Talvez isso explique as situações que hoje relatamos. Como dizemos sempre, o grande problema somos nós. Há hoje no planeta 7,4 bilhões de “primatas”, imagine a confusão que causamos à fauna, seja ela marinha ou terrestre.
Assista ao vídeo de um ataque próximo a Gibraltar
Assista a este vídeo no YouTube
Imagem de abertura: You Tube.
Fontes: https://www.independent.co.uk/environment/killer-whales-orcas-ramming-attacking-sailing-boats-spain-portugal-b434745.html; https://www.theguardian.com/environment/2020/sep/13/killer-whales-launch-orchestrated-attacks-on-sailing-boats; https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2020/09/14/orcas-cercam-barco-de-pescadores-no-litoral-da-bahia-experiencia-maravilhosa-mas-nao-queria-passar-de-novo-assista.ghtml?fbclid=IwAR30iTP7_4RqMNzh2N5fTSB79-r5KZK1lnssf1_b–DIm5xJ26DeJtvdsOM.
Poluição sonora; esse é o maior problema, já estudado há muitos anos. Plataformas de petróleo, sondas submarinas, além dos sonares em barcos/navios, têm causado enorme estresse a estes animais.
Orcas tem memória e tem raciocinio e portanto tem memória.