Olimpíadas de Paris, a primeira a conseguir sustentabilidade? Este é o rumo
Apesar de alguns problemas ainda não resolvidos, a organização dos Jogos de Paris pôs luz no tema mais falado do momento, mas pouco praticado, durante um dos eventos mais assistidos do mundo. Paris espera receber cerca de 3 milhões de visitantes durante a Olimpíada, com uma audiência televisiva global prevista de 4 bilhões de espectadores, segundo o Euro Monitor. O governo francês esperou o país estar no epicentro do mundo para mostrar uma aposta corajosa e ousada: a sustentabilidade das Olimpíadas de Paris, cuja meta é reduzir pela metade a pegada dos jogos do Rio, e Londres em 2016. O evento mal começou e esse já é um dos temas mais comentados na mídia internacional. A aposta tem grande potencial de sucesso e pode contribuir para uma mudança na forma modorrenta como o mundo combate o aquecimento global.
A despoluição do Sena é catapultada no noticiário internacional
Talvez a maior prova de coragem da organização dos jogos tenha sido a ideia da despoluição do Sena, algo que rivaliza com a notória e solitária limpeza do Tâmisa, orgulho agora não mais apenas dos ingleses.
Despoluir um rio, fechado ao público por poluição desde 1923, e que corta uma das maiores cidades do mundo ao redor do qual nasceu, não é algo simples nem rápido, ao contrário. Mas foi o que decidiu o governo, porque nada poderia ser mais transparente na ‘modalidade’ sustentabilidade; é medalha de Ouro na certa.
O projeto custou 1,4 bilhão de Euros e começou em 1991, quando a União Europeia adotou nova legislação relativa a uma das principais fontes de poluição da água: as águas residuais urbanas. Assim nasceu a União de Saneamento Interdepartamental da Área Metropolitana de Paris (SIAAP) que tomou medidas importantes para modernizar as redes de saúde, incluindo grandes investimentos na infraestrutura da estação de tratamento de águas residuais do Seine Aval, responsável por três quartos das águas residuais da região.
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Obras de saneamento básico
Entre outras, o plano previa a ligação de mais de 23 000 habitações, incluindo barcaças (péniches), à rede de esgotos, que anteriormente descarregava águas residuais não tratadas nos rios. Segundo a imprensa francesa, nos anos 70 o Sena, a jusante de Paris, estava quase morto do ponto de vista biológico. Atualmente, podem ser encontradas trinta e seis espécies diferentes de peixes. Nada, nada, são 33 anos de investimentos em usinas de tratamento de esgotos, e mais ligações de imóveis às redes coletoras.
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Alguns jornais criticaram aspectos das obras. Por exemplo, o La Montagne questionou o ‘coletor de capacidade de 300 milhões de euros construído entre Athis-Mons (Essonne) e Valenton (Val-de-Marne), ou seja, com 8,8 km de comprimento’.
Ou, a construção da bacia de escoamento de Austerlitz com capacidade para 50.000 metros cúbicos de água de transbordamento de tempestade, uma das principais obras do “Plano Natação”, que custou 90 milhões de euros.
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Antes de mais nada, despoluir um rio urbano é basicamente isso, investimento maciço em saneamento básico em primeiro lugar. Resolvida esta parte, há outras obras específicas mas secundárias. Assim foi no Tâmisa, no Sena, e também no Tietê, frequentemente comparado aos dois rios europeus como prova de nosso fracasso o que, entretanto, não é inteiramente verdade.
Um parêntesis pelo Tietê
Vale um parêntesis para aproveitar a ocasião. É sempre positivo que mais pessoas saibam o que aconteceu com o Tietê a partir do início da campanha de despoluição que nasceu em 1992, na rádio Eldorado. Desde então acompanho os passos do Núcleo União-Pró Tietê, ONG ligada à SOS Mata Atlântica que cuida do rio.
A despoluição do Tietê teve um ótimo começo no Governo Covas, em 1995, e seguiu como uma prioridade no primeiro Governo Alckmin, depois, com José Serra, e finalmente, com Alberto Goldman até 2011. Eles foram os responsáveis por grandes melhoras como já mostramos. Até o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) destacou os avanços na despoluição do Tietê, nas últimas décadas, mas afirmou que o rio “continua altamente poluído” e que sua recuperação requer investimentos de longo prazo.
Os governos seguintes, contudo, não deram a mesma atenção e procuraram esquecer, ou abafar, o compromisso. Aqui, como na França, promessas de políticos precisam ser analisadas com cuidado. Por exemplo, a Bloomberg nos lembra ‘em 1988 o então prefeito Jacques Chirac foi o primeiro a prometer limpar o rio’.
Maior obra de saneamento atingindo 19 milhões de pessoas
Infelizmente, as melhorias no entorno do Tietê foram muito mal comunicadas à população que, além disso, continua vendo a parte do rio que corta a cidade, e cuja aparência de fato remete a um rio morto. Assim, pouca gente sabe que de 1995 para cá, US$ 3,5 bilhões de dólares foram investidos em saneamento, melhorando a vida de 19 milhões de pessoas na maior obra de saneamento já feita no País. Ainda assim, o rio segue muito poluído na região urbana de São Paulo.
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O que significa organizar os jogos Olímpicos?
‘Organizar os Jogos significa desenvolver infraestruturas para sediar mais de 800 eventos esportivos’, diz o site Paris Olympics, ‘além de fornecer acomodação e transporte para 15.000 atletas, equipar e treinar 45.000 voluntários, servir 13 milhões de refeições, garantir a transmissão televisiva dos Jogos em todo o mundo, oferecendo oportunidades para experimentar emoções inesquecíveis durante as cerimônias’.
Como ser sustentável sediando mais de 800 eventos esportivos, além de todo o resto? Para a organização desta Olimpíada, com menos locais construídos, menos equipamentos produzidos, menos plásticos de uso único para alimentos e bebidas, nós procuramos reduzir tudo o que pode ser reduzido, para Jogos que emitem menos carbono e consomem menos recursos, ao mesmo tempo em que permitem que o maior número possível de pessoas se beneficie deles.
Outros caminhos para atingir o mesmo resultado são procurar o melhor design das infraestruturas temporárias, e um fornecimento de energia mais eficiente. Para nós, cada aspecto da organização é uma oportunidade para propor soluções mais sustentáveis.
A mídia europeia elogia os esforços pelos jogos mais verdes
O Financial Times, que também saudou esta edição dos jogos por seus esforços em ser mais verde, informa que entre outras medidas, estão ‘servir mais alimentos à base de plantas, usar menos plástico de uso único e implantar locais temporários para os jogos. O jornal ainda criticou sutilmente o que aconteceu em Atenas, 2004, e no Rio de Janeiro, 2016’.
‘O objetivo de deixar um legado duradouro também faz parte do planejamento olímpico há anos. Como o rescaldo de Atenas em 2004 e do Rio de Janeiro em 2016 mostrou, os esforços para evitar a construção de elefantes brancos olímpicos nem sempre são bem-sucedidos’.
Por fim, o FT elogia os esforços do anfitrião: ‘Ainda assim, os organizadores de Paris merecem crédito por mirar tão alto quanto os atletas. Eles querem reduzir pela metade as emissões de gases de efeito estufa dos Jogos que ocorreram em Londres e no Rio. (Tóquio foi um outlier, atrasado por um ano por causa da pandemia, e executado em grande parte a portas fechadas em 2021.)
O legado dos jogos na visão dos organizadores
Sobre o legado dos jogos, diz o Paris Olympics, vamos acelerar grandes projetos em locais onde eles são necessários; garantir uma segunda vida para os móveis e equipamentos dos Jogos na França e, sempre que possível, incentivar comportamentos mais sustentáveis. Estamos colocando tudo em prática para garantir que o legado material e imaterial dos Jogos seja útil para todos.
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Londres, 2012 e Rio, 2016: cortar a pegada de carbono pela metade
Paris 2024 estabeleceu a meta de reduzir pela metade a pegada de carbono dos Jogos, em comparação com a média de Londres 2012 e Rio 2016. Em outras palavras, a média de Londres 2012 e a Rio 2016 é de 3,5 milhões de toneladas de CO2 equivalente.
Paris 2024 demonstrou que acredita no modelo, assim optou por levar em conta todas as emissões de carbono do evento, tanto diretas quanto indiretas, incluindo viagens de espectadores.
Para alcançar o sucesso foi desenvolvida uma grande estratégia que incluiu construir apenas um único local de competições, o Centro Aquático que, entretanto, ficará como um legado para a população de Seine-Saint-Denis.
O maior parque fotovoltaico num edifício público
O site dos Jogos de Paris definiu assim a única construção destas Olimpíadas: Dotado do maior parque fotovoltaico num edifício público em França, e de uma estrutura e enquadramento côncavos em madeira, alia sobriedade e excelência ambiental. A sua construção é um exemplo de sustentabilidade, com especial atenção à inovação e o desempenho técnico e energético.
A revista Time, ícone do jornalismo mundial, descreveu as obras a que foi convidada a assistir. Primeiro, lembrou que ‘o rio definiu Paris desde a fundação pelos romanos. E foi nas margens também que os melhores arquitetos do mundo construíram a Torre Eiffel, a Catedral de Notre Dame e os museus do Louvre e Orsay – monumentos impressionantes que atraem milhões de visitantes a cada ano para navegar pelo estreito trecho do Sena que atravessa o centro de Paris. As autoridades estão, portanto, cientes do significado mais profundo de limpar o Sena, vendo-o como uma maneira de conectar a cidade moderna à sua história mais antiga.
E concluiu dobrando a aposta. Nos últimos anos, cidades europeias menores, como Zurique, Munique e Copenhague, abriram a natação urbana em rios. Há também esforços em andamento para tornar a natação possível nos canais do rio Spree, em Berlim, e nos canais de Amsterdã, com reuniões frequentes entre as cidades para discutir o que é necessário. Tornar o Sena bom para nadar pode significar Paris se tornando a primeira área urbana gigante do mundo a ter banho público no centro da cidade.
Plantio de árvores para compensar as emissões de CO2
O governo ainda foi adiante e financiou o replantio de árvores em 4 projetos florestais. Um deles é um novo projeto (1.340 ha no total) na planície de Pierrelaye-Bessancourt, região de Ile-de-France. E outros três projetos de replantio para florestas degradadas, em Montmorency (15 km do Stade de France), nos Vosges e no Aisne.
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Projetos fora da França, na linha do Equador
Para compensar emissões, a organização também decidiu investir em vários projetos que cumprem as regras e critérios da ADEME, a agência de transição ecológica do governo, sobre compensação voluntária de carbono – e que tenham impactos positivos no esporte, saúde, igualdade de gênero, educação e proteção da biodiversidade.
O programa internacional Paris 2024 está financiando a implementação de nove projetos, todos próximos ao equador, que é uma das áreas mais atingidas pelas mudanças climáticas.
As dificuldades da organização dos jogos Olímpicos
Os países que já sediaram os jogos Olímpicos sabem o tamanho da encrenca. O Council on Foreign Relations destaca que ‘os custos de sediar as Olimpíadas dispararam, enquanto os benefícios econômicos estão longe de ser claros. Os enormes custos e os benefícios duvidosos associados à realização dos Jogos Olímpicos levaram a críticas sobre o processo de seleção de uma cidade anfitriã’.
O Foreign Relations relata que ‘historicamente os Jogos Olímpicos evoluíram dramaticamente desde que os primeiros jogos modernos em 1896. Na segunda metade do século XX, tanto os custos de hospedagem quanto a receita produzida cresceram rapidamente, provocando controvérsia sobre os encargos que os países anfitriões assumiram. Um número crescente de economistas argumentam que os benefícios de sediar os jogos são, na melhor das hipóteses, exagerados e, na pior, inexistentes, deixando muitos países anfitriões com grandes dívidas e passivos de manutenção’.
O custo de uma cidade ser escolhida varia em torno de US$ 50 a US$ 100 milhões
Ainda tem esta parte, frequentemente esquecida quando começam os jogos e a emoção toma conta da razão. Mas, sim, para ser escolhida é preciso gastar. As cidades candidatas investem milhões de dólares na avaliação, preparação e apresentação de uma oferta ao COI. O custo do planejamento, a contratação de consultores, organização de eventos e as viagens necessárias variam entre US$ 50 milhões e US$ 100 milhões. Uma vez que uma cidade é eleita, explica o Foreign Relations, tem cerca de uma década para se preparar para o afluxo de atletas e turistas.
Custos sobem, Olimpíada de Inverno sai por US$ 50 bilhões
Segundo o Foreign Relations, ao todo, esses custos de infraestrutura variam de US$ 5 a mais de US$ 50 bilhões. Muitos países justificam estas despesas na esperança de que as mesmas perdurem para além dos Jogos Olímpicos, seriam despesas benéficas, necessárias. Por exemplo, cerca de 85% do orçamento de mais de US$ 50 bilhões dos Jogos de Sochi de 2014 foram para a construção de infraestrutura não esportiva a partir do zero. De maneira idêntica, mais da metade do orçamento de Pequim de US$ 45 bilhões foi para ferrovias, estradas e aeroportos, enquanto quase um quarto foi para os esforços de limpeza ambiental.
Mas, para além destas obras, uma cidade sede ainda tem custos operacionais, em geral menores, e os de segurança. Este último não apenas cresceu, mas explodiu depois do 11 de setembro. Por exemplo, Sidney gastou US$ 250 milhões em segurança em 2000, Atenas teve que investir mais de 1,5 bilhão de dólares em 2004 e, desde então, os custos têm-se mantido entre 1 e 2 bilhões de dólares.
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Provas de insustentabilidade nas Olimpíadas passadas
Como bem disse o UOL, a euforia dos cariocas para sediar os Jogos Rio-2016 se baseava nas promessas de que eles trariam obras urbanísticas importantes de mobilidade urbana, conservação ambiental, segurança pública e melhoria dos espaços públicos para lazer e prática de esportes. Entretanto, diz o portal, sete anos depois alguns projetos do legado olímpico nunca saíram do papel. Depois de uma Copa do Mundo, em 2014, que resultou em vários estádios sem utilização seria ingenuidade acreditar que as Olimpíadas do Rio fossem diferentes. Ao que parece, o único legado aproveitado pela população foi a linha 4 do metrô, ligando a Zona Sul à Zona Oeste.
Contudo, estudo recente da Fundação Getúlio Vargas demonstra o contrário, surpreendentemente. O trabalho, publicado em julho de 2024, diz que levou em conta projetos finalizados e outros em andamento ou em expansão; o impacto do legado para a cidade foi de R$ 99 bilhões sobre produção bruta e de R$ 51,2 bilhões sobre o PIB.
A FGV concluiu que “os projetos públicos e privados implicaram efeitos econômicos que vão além de seus objetivos iniciais”, atingindo regiões, setores e agentes que, à primeira vista, não seriam alvo das políticas e investimentos previstos. Mais a frente, o relatório faz uma afirmação controversa: Passados oito anos do evento, pode-se afirmar que a prefeitura do Rio entregou um dos Jogos Olímpicos mais eficientes da história em termos do uso racional do dinheiro público. Pelo que conhecemos, não concordamos com estas loas mas, pela reputação da FGV, o relatório deve ser lido por quem se interessa pelo tema.
Despoluir a Baía de Guanabara, meta das Olimpíadas do Rio
A conclusão da FGV sobre o legado das Olimpíadas do Rio começa a desmoronar para nós, ao não comentar a promessa da despoluição da Baía de Guanabara, ou da melhoria dos modelos de segurança pública.
Estas foram esperanças acalentadas por milhares de cariocas, promessa escandalosamente mentirosa. A baía saiu dos jogos tão imunda como quando entrou, e a falta de pulso da polícia só faz aumentar desde então.
Paris, ao contrário, parece cumprir o que prometeu mostrando que é possível a descarbonização sem traumas se a estratégia for a correta. Com uma cerimônia de abertura igualmente corajosa e inédita, chamou a atenção de bilhões de pessoas que assistiram à exaltação dos ideais Olímpicos de paz, amizade, respeito e excelência, ao ar livre e sobre as águas de um rio pela primeira vez. Belíssimo espetáculo. Para um mundo distópico como o que vivemos, é um começo mais que auspicioso, é exemplar. Que siga assim até o final.