O projeto Mar Sem Fim de João Lara Mesquita

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O projeto Mar Sem Fim de João Lara Mesquita

O projeto Mar Sem Fim, por Gilberto de Mello Kujawski
Escritor, jornalista e membro do Instituto Brasileiro de Filosofia

Tudo começou por acaso…

imagem do livro O Brasil visto do Mar Sem FimDeixando a Rádio Eldorado, da qual fora diretor por vinte anos, João Lara Mesquita, indeciso sobre o que fazer da vida, foi convidado para almoçar pelo presidente da Semp Toshiba, Afonso Hennel, seu amigo. Em meio à conversa, externou sua vontade de navegar ao longo da costa brasileira, filmando e documentando, para a TV. Queria mostrar sua ocupação desordenada, responsável pela deterioração de todo o patrimônio ecológico, social, cultural e econômico de nosso espaço marítimo. Afonso topou na hora o projeto, garantindo o apoio da Semp Toshiba.

Fundação Padre Anchieta

Entusiasmado com a receptividade, João correu à Fundação Padre Anchieta, comandada por Jorge da Cunha Lima e logo depois por Marcos Mendonça. O endosso foi total da parte de ambos. Faltava montar a tripulação, que ficou assim: Alonso Góes, imediato de bordo, Paulo Cezar Cardozo, cinegrafista, a jornalista Paulina Chamorro, “entusiasmada pelo meio ambiente, disposta a qualquer roubada”. Também o cinegrafista da TV Cultura, Fernando Sampaio, e o biólogo Fernando Cerdeura. O veleiro foi batizado de Mar Sem Fim, nome inspirado em Fernando Pessoa (“o mar português é o mar sem fim”).

A documentação fotográfica da expedição foi agora editada, em dois alentados volumes, com o título O Brasil Visto do Mar Sem Fim.

Nada mais quixotesco e romântico que o projeto Mar Sem Fim

A personalidade de João Lara Mesquita, capitaneando sua frágil embarcação, cresce a cada página. Que ousadia nesse velejar pela costa brasileira, do Oiapoque ao Chuí. Que coragem tranqüila e sem espaventos, que limpeza de alma e caráter, e que idealismo a serviço de seu país. João, estudioso apaixonado dos roteiros marítimos dos antigos navegadores, retoma agora a façanha destes, quase com a mesma escassez de recursos. Contando só com seu entusiasmo e o de seus companheiros. Quixotesco, João se sagrou nessa missão como um cavaleiro andante. Ou melhor, navegante, saído da Idade Média com sua mística de sacrifício por uma causa maior.

Perigos sem conta, encalhes inesperados, turbulências marítimas…

Perigos sem conta. Encalhes inesperados. Turbulências marítimas, sérias avarias no barco, ameaças de naufrágio, e até um assalto a mão armada no litoral paulista, no qual foram despojados de tudo. João passa a viagem filmando, fotografando, gravando entrevistas com pessoas humildes: artesãos, pescadores e alguns especialistas em ecologia marinha e aquática (todos condenando a transposição do São Francisco). E escrevendo seu diário de bordo para registrar os acontecimentos. Suas impressões e reflexões, quase sempre amargas (mas não pessimistas) sobre o futuro do litoral brasileiro.

Poluição crescente, degradação ambiental e paisagística…

Poluição crescente, degradação ambiental e paisagística. Destruição dos ecossistemas, desmatamento criminoso, especulação imobiliária devastadora, decadência das formas tradicionais de trabalho dos caiçaras, que não têm mais o que pescar. Favelização impiedosa, desemprego, saneamento básico quase nulo. Lixo em terra, no mar e no ar (chaminés dos navios), empobrecimento das espécies marinhas. O turismo de massa, equivalente à invasão de bárbaros, e em toda parte, no Nordeste, a praga da criação de camarões em tanques gigantescos que tomam o lugar dos mangues, talvez os principais criadores da vida marinha. E a presença crescente dos resorts, enormes hotéis de luxo que atentam contra o genius loci, o espírito do lugar.

Livro não é feito só de misérias do nosso litoral, mas também de seus esplendores

Mas o livro não é feito só de misérias do nosso litoral. Mas também de seus esplendores. Sucessão interminável de perspectivas naturais deslumbrantes. O mistério envolvente das florestas em meio do qual não é permitido falar, mas apenas sussurrar. A riqueza desconhecida de suas plantas, frutos, remédios, a graça das aves. O vôo em formação dos guarás, as garças-brancas, as festas, os rios,/ o desenho dos barcos tradicionais (saveiros e outros). E o patrimônio da arquitetura colonial, o espetáculo grandioso das cidades históricas, catedrais, museus, igrejas, fortes, ruas calçadas de pedra, praças e prédios seculares cantando a glória do Brasil colonial.

 O brasileiro voltou as costas para o mar

O fato é que o brasileiro voltou as costas para o mar, cultiva relação muito frívola e egoística com ele, hedonista e irresponsável. Em conseqüência da negligência dos poderes públicos e da irresponsabilidade dos banhistas e turistas, não só aqui – pois o fenômeno é mundial -, os oceanos do planeta estão “entorpecidos”, sem defesas naturais nem forças para reagir. “A capacidade cumulativa dos oceanos está no limite. […] Eles não agüentam esse uso indecente e emitem sinais claros de que estão saturados, com grande parte de suas formas de vida comprometidas.” A baía de Guanabara está irreconhecível, indescritivelmente maltratada, o estuário de Santos está morto, e a paisagem do Guarujá foi destruída, sem falar nas praias do Nordeste, a região preferida dos resorts profanos e gigantescos, bem como outros pontos do Sudeste. Uma calamidade pública não só regional e nacional, como planetária.

Solução à vista?

A missão assumida por João Lara Mesquita na defesa intransigente dos mares está em paralelo com a cruzada de Al Gore, prêmio Nobel da Paz, contra o aquecimento global. Solução à vista? A solução depende de dois fatores. Primeiro, o advento de governos que pensem mais nas próximas gerações do que nas próximas eleições. Segundo, e principalmente, a mudança de mentalidade, das cabeças, que depende, principalmente, da juventude. Não por acaso, o livro, escrito para todas as idades, é dedicado por João aos seus filhos pequenos, Luís e José, num apelo para que eles e sua geração façam a sua parte.

Valeu a pena? Responde Fernando Pessoa: “tudo vale a pena/ se a alma não é pequena”.

Conheça o livro Eldorado, a Rádio Cidadã

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