Litoral norte SP: nossa geração será cobrada, não duvide
Antes de mais nada, este post tem objetivo de aproveitar o choque provocado pela tragédia do litoral norte SP para sugerir uma reflexão sobre o modelo de ocupação da costa. Infelizmente, não tenho cartas na manga para oferecer um padrão melhor. Contudo, de uma coisa estou certo: o que escolhemos é abjeto. Não trouxe melhorias para a região bem como seus guardiões. Deteriorou ambos. Muito menos é auspicioso para o futuro. Persistem os mesmos problemas desde a proclamação da República, concentração de renda, destruição de ativos ambientais, e gritante acirramento da desigualdade. A propósito do título, o ‘nossa’ é porque obviamente me incluo entre os que serão julgados. Por último, este possessivo inclui igualmente a mídia e o poder público. E assim completa-se o todo.
1967, o litoral ainda prístino
Navego pela zona costeira desde 1967. Portanto, pouco mais de 50 anos. Um átimo para um planeta com 4,5 bilhões de anos. Assim, tive o privilégio de conhecer o litoral prístino. Uma linda orla cercada por mata atlântica, com uma variedade superlativa de paisagens e praias. E, para trás delas, escondidas depois da primeira linha de árvores, pequenas, pitorescas, e pobres casas de caiçaras. Você passava de barco em frente e mal percebia a ocupação. Contudo, com a especulação imobiliária que se alastra feito uma pandemia para a qual não há vacina, hoje se parece a uma caricatura. Todos perdemos. Não há vencedores neste jogo.
Caiçaras no Sudeste, e nativos da costa nas outras regiões do País
Um pouco de história não faz mal a ninguém, concorda? Acostumados ao clima e habituados, naturalmente, a se protegerem das intempéries os caiçaras (ou os nativos) sabiam que construir na praia era por demais precário, sem falar no excesso de sol e consequente calor. Então, em geral suas casas ficavam debaixo de frondosas árvores. Vamos lembrar que os caiçaras do Sudeste ou os nativos da costa de outras regiões, são descendentes dos primeiros colonizadores europeus que chegaram no século 16. Logo depois, se misturaram à população indígena; e aos escravos, em seguida. E ali permaneceram esquecidos pelo poder público até hoje. Para os indígenas existem políticas públicas, para os negros, menos mas há; para os nativos da costa, nada. Por isso tantos índios e quilombolas no litoral, assim como bolsões de pobreza. Os nativos que hoje ocupam este espaço são descendentes desta primeira leva que chegou ao País.
A ocupação dos nativos preservou a beleza cênica por 400 anos
Em primeiro lugar, a ocupação dessa gente preservou a beleza cênica do litoral por quatro séculos e, em consequência sua biodiversidade, até à chegada dos caras-pálidas ali pelos anos 50. Então, em apenas meio século nós a destruímos impiedosamente no litoral norte de São Paulo (e no sul da mesma forma, lembremos Ilha Comprida), e seguimos arruinando no Sul e Nordeste.
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Costa Norte invadida pelo tráfico de crack
Se na costa Norte a especulação não é o maior entrave, existe outro gravíssimo que descobri e denunciei quando fazia a série sobre as unidades de conservação federais do bioma marinho. Para meu horror, o tráfico de crack acontece à luz do dia e, obviamente, impunemente.
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O tráfico rola dentro das UCs federais em praticamente todas do Estado do Pará! São locais de dificílimo acesso, verdadeiros sertões, tais como o município de Tracuateua. O wikipedia explica o motivo do nome: ‘O nome foi dado pelos trabalhadores que abriam caminho para a futura ferrovia (1888) Belém – Bragança. Esses chegaram a margens de um rio para merendar, e foram surpreendidos por uma infinidade de formigas grandes e pretas, conhecidas como Tracuás. Desde então, denominaram de Rio Tracuateua, que mais tarde deu nome ao povoado’.
A unidade ocupa 30% do território do município
A unidade ocupa 30% do território do município. Curiosamente, 30% da população de Tracuateua, estimada em cerca de 30 mil pessoas (IBGE), depende da Resex para sobreviver. Sua economia é fraca, basicamente agricultura familiar e extrativismo. Dentro da área existem 130 famílias de usuários, no entorno, outras 2.200. A atividade mais forte é a catação de caranguejos.
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Cafeína, analgésicos e cocaína no mar de UbatubaA repercussão da retomada da análise da PEC das Praias pelo SenadoDecisão do STF proíbe criação de camarão em manguezaisComo em todas as UCs do Pará, peixes são raros. Os cardumes foram superexplorados. Sim, pescadores artesanais também fazem besteiras. Sobra a catação de crustáceos. Entrevistei o presidente da associação dos usuários, de 2008 até 2014, de nome Donda. Ele é uma das lideranças mais respeitadas da Resex Tracuateua.
Diário de bordo do Mar Sem Fim em 2016
Recorro ao diário de bordo daquela expedição. ‘Fiquei estarrecido com o que ouvi. Donda mora na comunidade de Nanã, distante 21 quilômetros de Tracuateua. Neste trajeto, diz ele, “há oito pontos de venda de crack”.
E a polícia, perguntei, não age, não dá em cima?’ ‘Eles passam lá pra pedir propina‘, respondeu. Custei para recuperar o fôlego. Essa gente simples, honesta e generosa, características dos nativos da costa, não merece mais este desplante.’
Polícia cobra dos moradores
‘Mas a desfaçatez não fica nisso. Donda contou que quando acontecem furtos ou desentendimentos, ‘a polícia só aparece se for paga pelos moradores’. Essa é a triste sina destes credores da sociedade.’
O chefe da UC à época, o funcionário do ICMBio Paulo Henrique Oliveira, me levou para conversar com Donda justamente porque sabia que ele contaria sobre o tráfico. Paulo estava cansado de denunciar às autoridades e nada acontecer. Infelizmente, no litoral o pouco caso é generalizado. Se você quiser, pode assistir ao documentário clicando neste link.
As belezas cênicas de um país: um bem da coletividade
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A beleza cênica de um País é um bem coletivo, bem como a biodiversidade e as florestas. E o litoral pode e deve ser ocupado sem, necessariamente, arrasar seu maior encanto. O que nos falta é espírito público e uma dose de bom senso. Ou duas. A Lei Maior confirma: os artigos 5.º, inciso XXIII, número 182, § 2.º, 186 e 225 da Constituição de 1988 dizem que: “O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e evitada a poluição do ar e das águas.”
Preservar o cenário que encontramos é obrigação ética em relação as gerações futuras em qualquer país civilizado. Como já explicamos, os Parques Nacionais norte-americanos, os primeiros e depois modelos para o mundo, nasceram para isso.
Meados do século 19, pioneiros chegam à Califórnia
Vamos relembrar. Em meados do século 19, quando os pioneiros chegaram ao Oeste, na Califórnia, e se depararam com a formosura de Serra Nevada, seus incríveis penhascos de granito, rios, quedas d’água, além de florestas de sequoias; foram rápidos, aquela maravilha merecia ser mantida.
Desse modo, começou o que hoje se chama ‘ativismo ambiental’, primazia do iluminado John Muir, um hippie do século 19. Não demorou para Muir sensibilizar uma penca de seguidores. Assim, seus ecos chegaram à Abraham Lincoln. Em 1864 o presidente dos EUA criou o Yosemite Grant Act, um parque estadual. A Lei de Yosemite estabeleceu o precedente para a criação dos parques nacionais. Foi a primeira vez que o governo norte-americano reservou terras para preservação e uso público. E o fez sobretudo para conservar a beleza cênica.
Infelizmente, por um misto de ignorância, egoísmo e arrogância – especialmente das elites onde muitos vivem numa bolha – grande parte dos brasileiros que frequentam o litoral ignoram que a paisagem é um bem coletivo. Egoístas, quando compram um terreno ‘acham que podem tudo’. Todavia, como se vê pela Constituição, não poderiam.
Litoral do Brasil, uma de nossas belezas naturais
Pessoalmente, não conheço muitos dos litorais mundo afora. Em compensação, duvi-deo-dó que alguém domine o do Brasil como eu. Este site prova. Em seu conteúdo exclusivo há nada menos que 70 horas de documentários mostrando cada palmo do litoral, desde o Chuí ao Oiapoque.
Não me gabo. Considero um dever. Sou um jornalista privilegiado e apaixonado pelo mar, onde passei os mais lindos anos e momentos de minha vida. Percorri a zona costeira de cabo a rabo mais de duas vezes. De barco, helicóptero em muitos dos 17 Estados costeiros, e ainda de automóvel pela malfadada BR 101, desta vez por todos os Estados litorâneos.
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Aprendendo com a academia
Aprendi. Durante as viagens entrevistei mais de 50 professores da academia, e ainda o faço até hoje. Especialistas em geomorforlogia costeira, erosão, políticas públicas, poluição, função de cada ecossistema, biologia marinha, oceanografia, ecologia e biodiversidade, leis de ocupação e uso do solo, etc.
Em resposta, senti a obrigação de disseminar a informação confiável que recebi de graça. Este é o ‘norte’ do site. Meu desespero vem do fato de que atualmente muita gente já aprendeu que não se pode destruir ecossistemas. Mas não a paisagem.
A nova economia
A questão ambiental veio à tona, definitivamente, durante a pandemia da Covid. Nasceu o conceito ESG. Empresas passaram a dar importância ao problema. Em outras palavras, as mais comprometidas decidiram medir suas emissões e, desse modo, procurar diminuí-las. Fundos do exterior surgiram com o mesmo objetivo: financiar a inescapável transição. Segundo o escritor Jorge Caldeira, estes fundos têm hoje US$ 40 trilhões de dólares, mais de 25 vezes o PIB do Brasil, para investir! Ainda assim, só o fazem em projetos ecologicamente corretos. A diretriz é gerar menos impactos ambientais ao mesmo tempo em que procuram ser socialmente justos. Ou, seja, como fiz Caldeira, ‘a nova lógica desta economia’.
Ato contínuo, aumentou o prestígio e a preocupação mundial com os povos originários, indígenas, quilombolas, e outros. Mas no Brasil, nem sempre são levados a sério. Lembremos o genocídio dos Yanomami durante o governo passado sem que a sociedade sequer percebesse ou reagisse.
Jorge Caldeira no Roda Viva
Caldeira explicou a ‘nova economia’ em seu livro Brasil: Paraíso restaurável; e na belíssima entrevista que deu ao Roda Viva que você pode assistir neste link. É uma aula imperdível. Jorge mostra que o Brasil, por seus ativos que incluem o litoral, é a grande potência mundial. Se soubermos explorar a riqueza que Deus nos deu, podemos alcançar, e superar, os líderes mundiais da economia.
Falta, contudo, a regulamentação do mercado de carbono. O Projeto de Lei 528/21 está pronto para ser votado. Mas o novo governo que entra no terceiro mês, e prometeu devolver a proeminência do País nas questões ambientais, ainda não se manifestou. Não podemos perder mais tempo.
E ainda é preciso investir na educação. Quando as escolas públicas tiverem nível similar às privadas acabará não só a pobreza, bem como a depredação da natureza e, especialmente, o apartheid que nos envergonha.
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Agora, voltemos ao tema, o modelo de ocupação que adotamos para a zona costeira e o tratamento que dispensamos aos ‘povos originários’, ou seja, os caiçaras no Sudeste e nativos das outras regiões. Antes, porém, um…
Breve histórico da legislação de proteção à paisagem brasileira
Em 1992 a Unesco, preocupada com a acelerada transformação mundial, adotou o conceito de paisagem cultural como uma nova tipologia de reconhecimento dos bens de um país. Imediatamente, o IPHAN tomou providências. Em consonância com a Unesco, regulamentou a paisagem cultural como instrumento de preservação do patrimônio brasileiro em 2009, por meio da Portaria nº 127. A chancela de Paisagem Cultural Brasileira para uma porção peculiar do território nacional, representa o processo de interação do homem com o meio natural, à qual a vida e a ciência humana imprimiram marcas ou atribuíram valores, assim define o órgão.
Vale repetir: ‘uma porção peculiar do território nacional, representativa do processo de interação do homem com o meio natural.’ Em outras palavras, o litoral antes de 1970, era quase todo enquadrado graças sobretudo aos povos originários que nele se fixaram.
Muito antes, nos anos 1930, a paisagem já era considerada Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, passível de tombamento enquanto monumento natural ou construído. O Decreto-Lei nº 25/1937, ainda em vigor, determina a organização e a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional.
O que dizia a Constituição de 1937?
Artigo 134: “Os monumentos históricos, artísticos ou naturais, assim como as paisagens ou locais particularmente dotados pela natureza, gozam da proteção e dos cuidados especiais da Nação, dos Estados e dos Municípios. Os atentados contra eles cometidos serão equiparados aos cometidos contra o patrimônio nacional.”
Constituição de 1946
Saltamos agora à Constituição de 1946, artigo 175: “As obras, monumentos e documentos de valor histórico e artístico, bem como os monumentos naturais, as paisagens e os locais dotados de particular beleza, ficam sob a proteção do poder público.”
Como se vê, tanto na lei ordinária, como nas Constituições de 37, 46, e finalmente 1988, a proteção da paisagem foi contemplada. Em vão. Do mesmo modo, os nativos foram totalmente esquecidos. Pior que isso, foram tapeados pelos caras-pálidas modernos de forma idêntica àquelas utilizadas pelos nautas que arribaram em Porto Seguro. Como se sabe, trocavam trabalho pesado por espelhos e outras quinquilharias, explorando os indígenas até os sufocarem e dizimarem.
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Tratamento indigno aos povos originários
Os caras-pálidas modernos imitaram os europeus. E trocaram posses seculares por um rádio à válvula, em São Sebastião, quando ainda não havia energia elétrica, como registrei de seu neto. Na Ilha do Mel, PR, como contei inúmeras vezes, foi pior. Um caiçara alcoólatra, em crise de abstinência, foi tentado por um ‘esperto’ a trocar sua posse por uma garrafa de cachaça. E aceitou!
E assim, aos poucos, nestes últimos 50 anos nos estabelecemos na orla. Nem sempre prevaleceu o rádio ou a cachaça nos escambos. Mas o preço em moeda corrente foi sempre o que hoje se chama ‘uma merreca’. E muitas vezes, quando os nativos não aceitavam o preço vil, eram retirados à força bruta. Suas casas eram destruídas com tratores, enquanto seguranças armados de empresas sem caráter os obrigavam a sair na base da porrada. Este foi o modelo, por exemplo, adotado nas lindíssimas praias Caixa d’aço, Cepilho, e Trindade, distrito de Paraty, nos anos 60/70.
Capangas da empresa Trindade Desenvolvimento Territorial S/A (Brascan-Adela), assassinaram nativo em 2016
Antes de mais nada, saiba que o problema persiste. Em 2016, Jaison Caique Sampaio de 23 anos, foi cruelmente assassinado em sua própria residência por um policial militar de folga a serviço da T.D.T (Brascan-Adela), Trindade Desenvolvimento Territorial, segundo o racismoambiental.net.
Pesquisando descobri que a empresa tem 127 processos no site Jusbrasil. De maneira idêntica, um de seus diretores, Alberto Bonfiglioli Neto, tem 58 processos segundo a mesma fonte, alguns por Crimes Contra o Patrimônio/ Estelionato; e outros por ‘Crimes Previstos na Legislação Extravagante / Crimes contra a Ordem Tributária.’
Alguém, por acaso, soube deste assassinato pela grande mídia? Procurei na internet e só achei uma matéria publicada pelo g1. Mas o crime teve ampla repercussão em sites pequenos e desconhecidos. Em contrapartida, em julho de 2016 o jornal espanhol El País publicou a matéria Movimentos sociais protestam na Flip contra descaso com moradores da região, onde dizia que ‘OcupaFlip acontece neste sábado e lembra assassinato de morador em disputa de terras no mês passado’.
‘Adela’, holding de 280 multinacionais
O jornal informa que a empresa ‘Trindade Desenvolvimento Territorial (Brascan-Adela), é parte de um holding de 280 multinacionais chamada Adela, que atua em Trindade e Laranjeiras construindo condomínios de luxo.’ O El País ouviu Davi Paiva, jornalista e integrante da Associação de Moradores de Trindade (Amot): “Mas nessa área específica (onde Jaison foi assassinado), que estava cercada até o mês passado, a empresa (Trindade Desenvolvimento Territorial) nunca pôde construir nada, provavelmente por conta de legislação ambiental. Jaison tinha a casinha lá e foi covardemente assassinado por policiais que fazem bico como seguranças.”
Em tempo, procurei outras matérias sobre este protesto na grande mídia nacional que sempre cobre a FLIP, mas não encontrei. Zero. Só o El País, um jornal estrangeiro. Isso, mais uma vez, demonstra o descaso da mídia em relação a tudo que ocorre no litoral. Antes de encerrar, saiba que toda a vila de Trindade está inserida na APA Cairuçu, mais uma unidade de conservação federal!
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A especulação imobiliária em Paraty e tentativa de assassinar o prefeito em 2016
Por falar em Paraty, o ex-prefeito (2016) ligado à especulação e outras mutretas, Carlos José Gama Miranda, Casé (MDB), teve seu carro metralhado numa vendeta. Casé sobreviveu, mas foi cassado no mesmo ano pelo TSE por ‘usar o programa, que dá direito ao uso de terras públicas a cidadãos dos municípios, para se promover’, conforme o g1.
Paraty é um paraíso de mansões irregulares de algumas das mais ricas famílias cariocas e paulistas. E cuide-se quem mexer com elas. Em 2014, um novo chefe assumiu a APA de Cairuçu a mesma em que o boçal ex-presidente foi pego pescando.
Cumprindo sua obrigação, de forma idêntica ao fiscal demitido por Bolsonaro ao multá-lo, o incauto resolveu se meter com os grandalhões que faziam malfeitos. O troco não demorou. Uma série de atentados aconteceu em seguida. Casas de gestores foram bombardeadas e seus carros queimados. O que fez o ICMBio? Mudou a equipe que cuidava da APA de Cairuçu.
Assim é o País onde só negros e pobres pegam cana.
Converse com os caiçaras e aprenda como foi a transição
Se você é dos que frequentam o litoral, não ouse alegar ignorância. Bastaria algumas doses de humildade para conversar com os jardineiros, talvez algum sortudo caseiro ou motorista, ou com os últimos caiçaras raiz que, paupérrimos, ainda navegam suas canoas de pau em toda a região; ou os caiçaras que navegam as maravilhosas canoas de voga, ou ainda as canoas boneteiras, lindíssimas com suas proas elevadas em toda a região de Ubatuba e Ilhabela.
Se antigamente eles ainda sobreviviam com dignidade ao poderem ao menos alimentar a família com o fruto de seu trabalho, ou seja, a pesca artesanal, hoje mal conseguem se alimentar. Porque nossa ocupação desordenada está extirpando os ecossistemas mais importantes como manguezais, berçários fundamentais; e a poluição tremenda que provocamos, aliada ao lixo que largamos nas praias, quase deu fim à vida marinha.
Preste atenção ao descalabro no Nordeste
Preste atenção, se a sacanagem não acontece mais no Sudeste porque a ocupação já se consolidou, a prática persiste no Nordeste neste exato momento. Ainda recentemente mostramos o descalabro praticado por forasteiros na praia do Preá, Ceará, num post de grande repercussão.
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Para míopes que chegaram recentemente, Preá é um ‘paraíso’. Para os nativos, o começo do fim. No meio deles, grandes projetos de desenvolvimento imobiliários liderados por empresários estrangeiros e brasileiros apaixonados por kitesurf.
Entre eles um dos fundadores da XP Investimentos que, aliás, espalha sua marca pela orla com bandeiras que dizem “There is no bad wind.” Veja como se preocupam com os nativos…
Experimente conversar com os caiçaras
Ainda há tempo para formar opinião. Se você nunca conversou com os nativos, experimente. Parte deles é representada por netos ou bisnetos dos pioneiros. Eles têm centenas de ‘causos’ como os aqui relatados para lhe contar.
Porém, enquanto acontecia a ‘nossa’ ocupação o poder público simplesmente esqueceu-se dos nativos. Só um exemplo: a energia elétrica chegou na comunidade de Castelhanos, lado de fora de Ilhabela, apenas ali pelos anos 60. Em outras palavras, enquanto o homem pousava na lua caiçaras comemoravam a chegada da luz elétrica! Nas UCs do Pará, como Tracuateua, a luz elétrica chegou ainda mais tarde, 2011.
Escolas miseravelmente precárias no litoral
Escola, saúde, e outras benfeitorias, só muito depois. E até hoje, no terceiro milênio, escolas são miseravelmente precárias no litoral.
Com isto volto ao tema da ocupação. Valeu a pena, pra quem? E, mesmo para aqueles que hoje têm casas na orla compradas de segundos ou terceiros, não necessariamente tapeando nativos, a pergunta que fica é: como justificar a transformação, ou melhor, obliteração em apenas 50 anos?
Como justificar os atentados cometidos recentemente?
Como justificar as barbaridades cometidas pela construção civil inconsequente, e as classes média alta, e alta, em suas propriedades no litoral norte de São Paulo e no resto do País?
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Não há como. Pode-se, sim, aceitar o paredão de concreto de Pitangueiras no Guarujá, erguido nos anos 60 e 70 do século passado. Na época, começávamos a ocupação e não existiam as urgências atuais. Contudo, Guarujá, a ex-Pérola do Atlântico, poderia funcionar como referência do que NÃO se deve fazer.
O mesmo vale para capitais como o Rio de Janeiro. Lá, as muralhas começaram ainda mais cedo. Mas, como defender o disparate cometido contra a Riviera de São Lourenço cujo paredão da vergonha foi levantado nos anos 1980?
Ok, a economia de Bertioga é dependente da Riviera, maior contribuinte do município. Mas não é este o tema. Por que destruir a paisagem, não seria possível uma ocupação menos predatória?
Balneário Camboriú, SC
E o que dizer de Balneário Camboriú, SC? Esta absurda concentração dos mais altos prédios do País, a ‘Dubai brasileira’, traz como bagagem imensa frota de automóveis expelindo gases de efeito estufa e derramando óleo no chão. Num primeiro momento os gases sobem para a atmosfera, mas quando chove voltam para o mar em forma de óleo.
Acima de tudo, saiba que a maior fonte de óleo no mar não são os dramáticos vazamentos provocados por acidentes de petroleiras. Mas, nossos carros. Em 2022 a Revista Forbes confirmou: Top Source Of Ocean Oil Pollution Isn’t The Leaky Tanker, Pipeline Or Offshore Rig—It’s Your Car (A principal fonte de poluição por óleo no oceano não são vazamentos de oleodutos ou plataformas offshore – é o seu carro), vale a leitura.
Sem falar no trânsito infernal de Camboriú durante a temporada, pior que o de São Paulo em dias de chuva. E o que dizer do calor, já que a circulação do vento é impedida? No verão, aquilo torna-se uma sucursal do inferno.
A participação dos prefeitos do litoral norte de São Paulo
É preciso aprender com os erros do passado para não repetí-los no futuro. E há tempo. Felizmente, ainda existem praias não detonadas. Foi pensando nelas que nos decidimos a contar esta história.
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A maioria dos prefeitos de municípios costeiros, porém, não está à altura do desafio de gerenciar o crescimento de uma cidade no litoral. Falta-lhes conhecimento, estudo, compreensão da realidade que vivemos. A cruel verdade do aquecimento global. Assim, a tragédia do litoral norte no Carnaval entrou para nossa memória coletiva para não mais sair.
A corrupção no litoral
Pior, muitos dos alcaides, como mostramos no post da tragédia, comandam a especulação aliados à empresários inconsequentes da construção civil e do turismo que financiam suas campanhas em troca de ‘favores’.
Este fato, aliado ao equivocado sonho das casas pé na areia, está matando a galinha dos ovos de ouro, em outras palavras, a vocação natural do litoral para o turismo não predatório, planejado, e lucrativo para todos.
Quando não são corruptos, os prefeitos, litoral afora, no afã de aumentaram a arrecadação via IPTU ‘aprovam’ obras que não são de sua alçada como hotéis ou resorts em cima de falésias e dunas no Nordeste; ou em mangues e restingas no Sudeste, detonando o que ainda resta dos ecossistemas marinhos.
Tudo isto, em conjunto, está acabando com o que o litoral tem de melhor: a paisagem espetacular e sua biodiversidade.
Quando estive pela primeira vez no litoral norte corria o ano de 1967. Não havia uma casa sequer aparecendo na orla continental. Umas poucas em Ilhabela, e um porto ainda incipiente em São Sebastião.
Cortiços das classes média alta, e alta, no litoral
Hoje, muitas partes lembram-me cortiços. Casas umas em cima das outras, mansões em topos de morros ou mesmo costões, hotéis e condomínios em áreas de mangue ou restingas. Não à toa, houve uma tragédia. O mesmo modelo é replicado em toda a região de Ilhabela até a Baía de Guanabara.
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Como nada acontece, apesar da legislação, há ricaços que têm a cara de pau de privatizarem até mesmo o espelho d’água defronte a suas irregulares mansões!
Ocupação irregular de ilhas da União
Outros, tomam conta de ilhas da União e as detonam contra todas as leis em vigência. Foi o caso do ex-senador corrupto, Gilberto Miranda (PMDB), que tomou para si a ilha das Cabras; ou ainda o Sr. Antônio Carlos Brandão Resende, um dos fundadores da Localiza, que se achou ‘dono’ da Ilha da Cavala em Angra dos Reis.
O milionário detonou a porção interior da vegetação formada por Mata Atlântica de modo que sua mansão de 1.700 mil metros quadrados não fosse vista do mar. Vergonha? Antônio Carlos foi acusado de usar documentos falsos para conseguir permissão para construir o imóvel. E indiciado por fraude e crime ambiental. Há anos luta para que não derrubem seu ‘paraíso’ particular. By the way, algum leitor viu a grande mídia denunciar ?
‘Privatização’ de praias
Amigos se unem, e privatizam praias inteiras debochando da Constituição onde foram definidas como ‘pertencentes à União e, portanto, locais públicos, e da Lei 7.661, de 1988, que determina que ‘as praias são bens públicos e que deve ser assegurado o livre e franco acesso a elas’.
Há dezenas de praias privatizadas em todas as regiões. E nada acontece. Elencamos apenas alguns exemplos: Iporanga e São Pedro e São Paulo, no Guarujá; Laranjeiras (condomínio construído pela mesma empresa cujo capanga matou Jaison em 2016), em Paraty, feudo dos maiores empresários de São Paulo e Rio de Janeiro; Maria Farinha, em Pernambuco, etc. Há até mesmo uma PEC – proposta de emenda à Constituição – de autoria do deputado Alceu Moreira (MDB-RS) visado privatizar todas as praias brasileiras para abrir as portas aos cassinos. Um crime de lesa-pátria se acontecer.
Diga, leitor, quando foi que você leu sobre estes problemas na mídia? Ganha um doce quem responder. A ‘avareza’ em abrir espaço ao litoral é mais um problema que contribui para a decadência da zona costeira.
No verão, quando a população às vezes decuplica, o lixo e o esgoto não tratados aumentam exponencialmente. E tudo vai pro mar.
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Nesta temporada, por exemplo, Santa Catarina sofreu novo surto de diarreia sem precedentes. Segundo a gauchazh.clicrbs.com.br o caso mais grave é verificado em Florianópolis, onde a prefeitura classificou a situação como uma epidemia.’ E, neste caso, estamos falando de uma capital!
O mesmo expediente existe no Sul
No Sul, Santa Catarina é o maior expoente da especulação imobiliária no litoral. A famosa, e quiçá para alguns aloprados, ‘paradisíaca’ como batizam os sites de turismo Jurerê Internacional, é o local onde a especulação deu a mão para a ostentação; em seguida o Nordeste, notadamente Bahia, especialmente em Trancoso, Ceará, e Rio Grande do Norte, mas não apenas. A única e honrosa exceção é a Paraíba e sua maravilhosa Constituição que proíbe espigões na orla.
E de quem seria a maioria destas ‘obras’ que destroem a paisagem se não das classes média alta, e rica? É só ver o tamanho delas nas imagens que ilustram a matéria.
É por este motivo que seremos cobrados pelas futuras gerações. Quando nossos netos, e os filhos deles, começarem a frequentar o litoral e verem o bagaço que legamos não seremos poupados.
Legislação vilipendiada
Ao observar o litoral de barco, com a perspectiva do mar para a terra, fica ainda mais grotesca a mudança dramática da paisagem em tão pouco tempo. Me recuso a aceitar que a nossa geração tenha feito isto em apenas 50 anos. Temos que repensar este modelo, e mudar nosso comportamento predatório em relação ao litoral, e já. Não dá mais pra continuar assim.
E, apesar dos absurdos escancarados, que além do mais infringem a legislação ambiental em vigor desde o Código Florestal dos anos 60, quase nenhum rico que cometeu atentados contra ele foi de fato equiparado aos cometidos contra o patrimônio nacional, como preconizava a Constituição de 1937!
Muito menos as paisagens e os locais dotados de particular beleza ficaram sob a proteção do poder público, como exigia a de 47.
É mais que hora do Ministério Público, que tem agido com mais rigor ultimamente, entrar neste jogo sujo e minimizar o estrago.