Joshua Slocum, o mestre dos mares que adorava o Brasil
O velho capitão não aguentou a era do vapor. Ele estava acostumado com as velas e assim deveria continuar. Foi pelo advento do motor a combustão que este mestre dos mares, Joshua Slocum (1844 – 1909), entrou para s história náutica mundial por ser o primeiro a fazer uma volta ao mundo em solitário em seu pequeno sloop (veleiro de um só mastro) de apenas 37 pés (11.2 metros), entre 1895 e 1898. Uma épica viagem de 46 mil milhas, sem motor, patrocínio, rádio, ou dinheiro. Ao iniciar a viagem ele tinha no bolso U$1,70, isto mesmo, um dólar e setenta centavos! Mas nem todos conhecem sua relação com o País. Joshua Slocum, o mestre dos mares que adorava o Brasil, é nosso comentário.
O roteiro da primeira volta ao mundo em solitário:
Joshua Slocum, o início
Slocum é do tempo romântico das navegações à vela. Em 1860, aos 16 anos, depois da morte da mãe, saiu de casa para nunca mais voltar. Aprendeu a arte da marinharia navegando em veleiros que faziam rotas comerciais.
Navegou por todos os mares
Ele e um amigo entraram em Halifax como marinheiros comuns em um navio mercante com destino a Dublin, na Irlanda. A partir daí, teve uma rápida ascensão, até receber seu primeiro comando. Aos 18 anos de idade, ganhou certificado como segundo imediato totalmente qualificado. Slocum rapidamente subiu nas fileiras para se tornar um Chief Mate em navios britânicos que transportavam carvão e grãos entre as Ilhas Britânicas e São Francisco. Navegou por 13 anos consecutivos, saindo do porto de São Francisco, transportando carga mista para a China, Austrália, Ilhas das Especiarias e Japão.
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Casou-se duas vezes, teve quatro filhos, sempre a bordo das embarcações em que estava. Quando veio a Revolução Industrial, e suas novidades como o motor a vapor, Slocum foi atropelado pela tecnologia. Jamais conseguiu adaptar-se. Mas não se incomodou. Continuou a navegar à vela. Em 1900 publicou um clássico da literatura náutica, Sailing Alone Around The World, uma delícia de relato. Por este livro, passou a ser cultuado por escritores como Jack London, Mark Twain, e outros. Em 1886 ele começa nova viagem que acabou por trazê-lo ao Brasil.
Viagens de Joshua Slocum no Aquidneck pelo mundo
Depois de muitos outros comandos, chegou a vez do Aquidneck, navio de 326 toneladas, tripulado por dez marinheiros. Sua família embarcou junto. Em 1884, a mulher de Slocum, Virgínia, adoeceu, e morreu a bordo, enquanto o navio estava em Buenos Aires.
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Com este navio Slocum mais uma vez se superou. Fizeram, ele a mulher e filhos, diversas viagens. Navegaram as costas da Rússia, e do Alasca, estiveram no Pacífico Sul, ‘pelos arredores do Ártico, moraram nas selvas das Filipinas, onde Slocum construiu seu primeiro barco’. ‘Passaram pela ilha de Krakatoa poucos dias antes da explosão vulcânica que abalou o mundo.’
A bordo do Aquidneck, de New York para Montevidéu, um furacão na rota
Em 1886, aos 42 anos, casou-se com uma prima de 24 anos, Henrietta. A família novamente subiu a bordo do Aquidneck com destino a Montevidéu. Dias depois da primeira viagem de Henrietta, o Aquidneck atravessou um furacão. No final do primeiro ano, a tripulação contraiu cólera. Mais tarde, Slocum foi forçado a defender seu navio de piratas, num dos quais atirou e matou (já em Antonina, litoral do Paraná).
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Foi julgado e absolvido. Em seguida, o Aquidneck foi infectado com varíola, levando à morte de três membros da tripulação. Slocum fazia navegação de cabotagem em portos do Brasil, Uruguai, e Argentina. Até que, perto do final de 1887, o Aquidneck foi destruído no sul do Brasil. Um baixio, na baía de Antonina, litoral do Paraná fez o navio encalhar. Slocum parece que sabia que isto ia acontecer. Ele escreveu no primeira dia da viagem:
O dia da partida estava frio de amargar e tempestuoso, o que não augurava nada de bom para a viagem que se iniciava, e que viria a ser a mais memorável de minha vida de mais de 35 anos no mar.
A impressão sobre Antonina
“A paisagem montanhosa vista do porto de Antonina é de cair o queixo; nunca vi lugar no mundo verdadeiramente mais grandioso e aprazível. O clima também é perfeito e saudável”, foi assim que Slocum descreveu a pequena cidade, cercada por mar, de um lado, e pela Serra do Mar coberta de Mata Atlântica, que tanto impressionou nosso herói.
O Naufrágio do Aquidneck nas palavras de Joshua Slocum
“Passamos o Natal de 1887 em Guaraqueçaba. O brigue estava carregado, quando avançava através da baía, as correntes e o vento pegaram-no em cheio perto de um perigoso baixio de areia, ele virou e encalhou. A âncora foi lançada para prendê-lo. Ela não se agarrou nas areias traiçoeiras; desse modo o brigue foi arrastado e encalhou de lado, exposto ao mar.
‘Um mar muito grosso entrou e varreu o barco’
Por três dias, um mar muito grosso entrou e varreu o barco da proa à popa com ondas espatifando-se sobre o casco vergado, até que, por fim, ele se partiu – e por que não acrescentar seu ‘coração’ também, pois ele agora jazia destruído. Depois de 25 anos de bons serviços, aqui o Aquidneck terminou seus dias.” Assim Slocum descreveu seu infortúnio. Em seguida ao naufrágio, ele recolheu peças que boiavam, vendeu-as e, com o dinheiro apurado, pagou sua tripulação. Só depois voltou a pensar em sua situação…
Avante!
Slocum manteve suas cartas náuticas, ainda que borradas; a bússola, e o cronômetro. “O plano em resumo era o seguinte: não podíamos mendigar nossa viagem de volta, nem poderíamos ficar sentados sem fazer nada.”
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“Verificamos que permanecer em um país distante iria requerer mais coragem do que voltar para casa em um barco. Decidimos então construir esse propósito. Meu filho Victor, com multo orgulho, aderiu ao plano entusiasticamente.”
Do limão, Joshua Slocum fez a limonada
Como se diz, do limão ele fez a limonada. Com um machado, um enxó, dois serrotes, um arco de pua, algumas brocas e parafusos, era tudo que tinha, “um kit bastante bom para prosseguir”, como referiu. E a fartura da Mata Atlântica, que tão bons serviços já prestara à construção de navios de épocas anteriores. Slocum entrou na mata, escolheu cada árvore, trabalhou-as, e construiu seu próprio barco.
Pau-ferro e cedro
Ele explica: “as árvores da floresta eram derrubadas sempre que as toras da carga naufragada não eram adequadas.” E prossegue: “as tábuas para o casco foram de pau-ferro, para o costado foi usado o cedro vermelho, grampos de madeira recurvada eram de goiabeira ou massaranduba.” Como ajudante ele tinha o filho Victor, alguns nativos, e sua mulher, que costurou as velas…
13 de maio de 1888, o Liberdade é batizado
Curiosamente, o barco fica pronto no mesmo dia da Lei Áurea, 13 de maio de 1888. Por este motivo, recebeu o nome de Liberdade, em português mesmo.
Uma homenagem à libertação dos escravos (Saiba mais sobre a construção náutica à época da escravidão). E que barco, era o Liberdade!
O Liberdade, cheio de novidades para a época
Cheio de novidades para a época, o liberdade tinha 35 pés de comprimento, por 7,5 pés de boca (largura). Ele explica o tipo, “o modelo foi baseado em minhas recordações dos barquinhos de Cabo Ann. E na foto de uma sampana japonesa que eu tinha no local”, como era de esperar, o barco lembrava os dois tipos. Para evitar que capotasse, Slocum colocou varas de bambu grosso nas laterais do barco. Como são ocos, com ar dentro funcionam como boias. O velame era em estilo à sampana chinesa, “que é para mim, o mais conveniente aparelho de barco do mundo”. Em 24 de junho de 1888 o Liberdade, tendo a bordo Slocum a mulher e dois filhos, zarpa de Paranaguá para Washington. Seis meses depois de muitas aventuras, o pequeno barquinho chega ao seu destino.
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A admiração pelas embarcações típicas, e o respeito pelos marinheiros da costa
“Essas canoas, às vezes esculpidas a partir de árvores gigantescas, habilmente modeladas e escavadas, são ao mesmo tempo a carruagem carriola da família para o sítio, ou do arroz para o moinho.
“Estradas são quase desconhecidas onde a canoa está disponível; consequentemente, homens, mulheres e crianças são tão adestrados quase à perfeição na arte da canoagem.”
“A canoa familiar tem capacidade para muitas toneladas , é lindamente decorada com entalhes ao longo das bordas…Da maior à menor elas são bem cuidadas, com cuidado quase afetuoso, e são feitas para durar muitos anos…encrespando a superfície com belas proas bem- torneadas enquanto disparam sobre as águas suaves de baías e rios…”
“Até hoje idolatrei a honestidade dos nativos brasileiros bem como a habilidade náutica nacional e a perícia com canoas…”
Outras aventuras
“Joshua Slocum ainda voltou ao Brasil, contratado pelo Governo, trazendo um navio torpedeiro, Destroyer, para ajudar legalistas a enfrentar uma rebelião naval. Apesar de terem lhe oferecido um pagamento substancial, nada recebeu. Assim, quando retornou ao Brasil, em sua viagem de volta ao mundo, desembarcou para cobrar o que lhe era devido.”
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“Depois da publicação de seu primeiro livro em 1900, o ícone da vela em solitário não descansou. De 1905 até 1909 fez cruzeiros pelas Índias Ocidentais e em 1909 saiu para novo cruzeiro. Planejou subir o Orenoco até o Rio Negro e o Amazonas. Após a partida, em 14 de novembro, nada mais se soube dele. Desapareceu no oceano, aos 65 anos de idade, sem deixar vestígio.”
Assista ao vídeo e saiba mais
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Fontes: Sozinho ao redor do mundo, Edições Marítimas; A Viagem do Liberdade, Ed. Planeta; wikipedia.
A foto de Joshua Slocum de chapéu não é a bordo do “Liberdade”; é no “Spray”.
Graças aos comentarios do Amyr Klink, fui atráz da historia desse
mestre da navegação. Realmednte foi um homem diferenciado,
temos que agradecer a ele, o fato do mundo saber do Brasil
seguindo os passos da construção do barco Liberdade, noas
costa so Paraná: Baraqueçaba.
Saudades da vida no Mar, agora vão para 2 anos que não embarco. Linda história.
Histórias do mar sempre me fascinam… Mar Doce Lar
Obrigada!
Belíssima leitura e comentários ainda mais preciosos… ♡
Maravilha de reportagem. Parabéns.
Um pequeno detalhe, quando o Josua desapareceu no Atlântico, ele estava vindo para o Brasil especificamente para a Amazônia, via Rio Orinoco, possivelmente o mesmo caminho que o Pandiani fez com o Hobbie Cat entre Miami e Ilhabela(?)
Outra curiosidade, na realidade o Liberdade, o pequeno barco usado para o retorno já estava quase pronto antes do Aquidneck naufragar. Ele seria usado para entrar rio Paranaguá adentro para buscar madeira que seria levada aos Estados Unidos, diga-se de passagem de Massaranduba, madeira que na época era tão apreciada quanto o Ipê, e que era abundante na região. O que eles fizeram foi transforma-lo em um veleiro. Esta história foi descrita na época em jornais brasileiros.
Ja pensaram em encontrar o timão do Aquidneck na casa de alguma família antiga daquela região do Paraná ou sul de São Paulo?
Belissima historia, especialmente para aqueles, que nem eu, não tiveram a felicidade de gozar dessas aventuras marinhas.
Parabéns aos responsáveis pela matéria ! Fantástico!
Excelente matéria.
Até que enfim o Mar Sem Fim parou de aborrecer com xenofobia de meio ambiente e falou das tradicoes e coisas do mar.
Slocum mesmo derrubando muita árvore sempre foi o meu herói…
Salve Joshua Slocum…
Ótimo artigo, e muito bons comentários.
Muito bom
Excelente matéria!Muito inspiradora!
Excelente artigo, livros maravilhosos. Vale mencionar também o Northern Light, majestoso clipper de 233 pés (71 metros) que Slocum era sócio proprietário e comandante antes que viesse vender sua participação para a adquirir o Aquidneck. Segundo ele nos idos da década de 1880, o Northern Light era o “finest American sailing-vessel afloat” e o que mais se orgulhou de comandar.
A parte do livro “Sailing alone around the world” que mais me fascina, no entanto, é a que ele descreve sua passagem pela Terra do Fogo e sua interação com os nativos, cujos ataques eram temidos pelos imigrantes (mas que na verdade tinham ainda mais razão para temê-los acabaram sendo dizimados pelos mesmos). Fabulosa leitura!
Esse cara poderia dizer tb q jamais conheceu a monotonia. 65 anos q passou por aqui foram de aventuras. É incrivel
Linda história João. Como é bom saber que homens intrépidos venceram dificuldades para realizar seus sonhos. Muito bom. Parabéns.
Bela estória, parabéns
Lendo os livros do filho do Josua Slocum, Victor Slocum (Castaway Boats e
Capt. Joshua Slocum: The Life and Voyages of America’s Best Known) que estava a bordo do Aquidneck quando ele encalhou na Baia de Paranaguá se percebe, que ao contrario do que se comumente se pensa, o Aquiddneck não naufragou. Foi severamente danificado e rebocado para Paranaguá, onde num estaleiro, foi construído o Liberdade sobre seu convés, e dele extraídas as partes necessárias. Como pagamento pela estadia no estaleiro, o casco do Aquidneck foi dado em pagamento. Posteriormente virou uma balsa de transporte de café e levado para Santos, onde depois acabou por ser incendiado.. https://books.google.com.br/books?id=LtAg5_DgLJIC&printsec=frontcover&dq=%2B%22Castaway+Boats%22&hl=pt-BR&sa=X&ved=0ahUKEwi-nNungt3hAhURq1kKHfPODtkQ6AEIKTAA
Artigo ótimo. Tenho os dois livros de referência e já os li mais de uma vez. Uma história de vida fantástica.