Estadão – Livro narra as viagens, o naufrágio e o resgate, na Antártica, do Mar Sem Fim

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Maria Fernanda Rodrigues – O Estado de S. Paulo

05 Novembro 2014 | 03h 00

Barco enfrentou fenômeno climático raro e João Lara Mesquita, no comando da embarcação, conta a luta da tripulação

“A Antártica é múltipla. Assusta, impõe barreiras e é hostil. Cobra um preço alto de quem a desafia. Mas também pode ser o lugar mais espetacular na Terra. Seu espectro de cores não tem rival. E os contornos dramáticos, exagerados em perfeição, nos transformam em espectadores apalermados sem saber escolher as palavras para descrever a paisagem. Nada se compara a ela”, escreve o jornalista João Lara Mesquita em A Saga do Mar Sem Fim, livro que lança nesta quarta-feira, às 18h30, na Livraria da Vila do Shopping JK.

Divulgação
Primeira viagem foi no verão 2011-2012

Ele viu essa beleza sem igual a bordo do Mar Sem Fim enquanto fazia uma série de reportagens ambientais. Voltaria a visitar o local em 2012, mas desta vez acompanhado de um grupo de turistas. O barco, no entanto, começou a apresentar problemas ao mesmo tempo em que a natureza se manifestava. “Passei por um fenômeno climático muito raro, o jato frio inercial, que pode durar uma semana ou mais. Fui pego no meio dele. Ele acirra as condições da Antártica – faz os ventos ficarem mais fortes e o frio, mais frio. Cheguei a pegar -14º dentro do barco. Fora, a sensação térmica chegava a -30º, -40º”, relembra o jornalista.

O voo que levou os turistas embora foi o mesmo que deixou Plínio Romeiro Jr., amigo e conhecedor de náutica, no cenário congelante. Com a tripulação – e atentos aos sons, já que nada se via por causa do mau tempo, e aos sinais do radar -, eles lutariam pela vida – sem que tivessem total consciência disso – e para manter o Mar Sem Fim flutuando.

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Área livre da poluição, Antártica tem tonalidades inimagináveis

“Não tive medo de morrer. Durante todo o tempo do sufoco, estive a 400, 500 metros de uma base. É evidente que se corre perigo de vida, mas não dá tempo de pensar. A ideia, ali, era não perder o barco. E se tivéssemos de perder, que isso não causasse nenhum prejuízo ambiental”, diz. Não puderam evitar o naufrágio, mas tripulação e meio ambiente saíram sãos e salvos.

Ruslan Eliseev/Divulgação
O Mar Sem Fim, preso no gelo na Antártica

A história é contada em detalhes no livro, que traz muitas imagens do local e do barco antes e depois do acidente. Nele, o autor relembra, ainda, outras viagens do Mar Sem Fim e seu resgate depois de quase um ano em águas congeladas. E fala da “solidariedade antártica”. Ele explica: “Antes de você pedir ajuda, já tem fila de gente se oferecendo. Todos se ajudam porque sabem que um depende do outro. As condições de sobrevivência lá são dificílimas”.

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No resgate do barco, o encontro com o caos

A narrativa é entremeada por memórias de infância – da caravela construída pelo irmão Fernão com um grosso gomo de bambu e com a qual brincavam na fazenda aos passeios de barco com o pai. A paixão pelo mar não existe desde sempre. Na verdade, por muito tempo, o autor conta, manteve uma relação de amor e ódio com ele. “Eu era um garoto de uns 11, 12 anos, e era uma grande aventura sair num barco que era do tamanho de uma casinha. Mas, ao mesmo tempo, eu botava a cara no mar e começava a enjoar. É o pior sentimento que o ser humano pode ter.” Foi assim por 10 anos. “Eu insistia porque achava fascinante aquele mundo de aventura, e quando o barco parava à noite para dormirmos e não balançava, eu me sentia um pirata ali dentro.”

Em 1982, ao assumir a direção da Rádio Eldorado, sua relação com o mar se tornaria, também, profissional. Para se diferenciar das concorrentes, ela passou a debater questões ambientais e logo João Lara Mesquita percebeu que o mar e a zona costeira não estavam entre as prioridades dos ambientalistas. E se dedicou ao assunto. Desde 2003, quando deixou a emissora, ele viaja pelo litoral fazendo reportagens e documentários alertando a população para os problemas. A nova temporada de Mar Sem Fim, seu programa na TV Cultura, está no ar há dois meses e sua ideia é mostrar as unidades de conservação federais da zona costeira do País.

Hoje, ele já não tem pesadelos com o acidente, mas sabe que será assombrado para sempre pela lembrança. Entre as lições aprendidas, a de nunca medir forças com a natureza. E a vontade de voltar persiste.

TRECHOS

“Finalmente chegou a hora da partida. Nesta quarta às 10 horas da manhã, “suspendemos”, como se diz no jargão da Marinha, em direção à Antártica. Parto em busca de um amigo que jamais navegará. Depois de quase um ano debaixo d’água, não há o que se possa fazer. De volta a Punta Arenas aquele lindo barco, tão querido, será vendido como sucata. É doloroso. O Marzão acabou. Se tivermos sucesso será o momento de fechar essa página marcante de minha vida.”

(…)

“A Antártica é múltipla. Assusta, impõe barreiras e é hostil. Cobra um preço alto de quem a desafia. Mas também pode ser o lugar mais espetacular da Terra.”

A SAGA DO MAR SEM FIM

Autor: João Lara Mesquita

Editora: Escrituras (208 págs., R$ 35)

Lançamento: Dia 5, às 18h30, na Livraria da Vila – Shopping JK (Av. Juscelino Kubitschek, 2.041)

Mar Sem Fim - Viagem à Antartica.

O Mar sem Fim agradece ao Estadão e às outras mídias que também divulgaram o lançamento de nosso livro “A saga do Mar Sem Fim”.

Comentários

6 COMENTÁRIOS

  1. Assisto “Mar sem fim” na TV Cultura, aos domingos. Hora esperada para assistir as imagens espetaculares da natureza e é um grande aprendizado as reportagens de como o Homem, ao
    longo do tempo causou danos à natureza. Sobretudo a evolução da natureza e a adaptação dos
    animais, aves, vegetação e águas.
    Desejo que haja muitas matérias a serem mostradas e que ocorra efeito de conscientização das
    tribos invasoras desse Planeta encantador. Sou grata pela oportunidade em apreciar tão maravilhoso trabalho. São registros de imagens e reportagens para muitas gerações, de como nossa terra é bela,
    natureza sábia, e desperte a responsabilidade de nós, criaturas inteligentes, para sua conservação, respeito e reverencia.

    • Olá, Márgara, bem- vinda a bordo do Mar Sem Fim! Muito obrigado pela audiência e por seus comentários. Correios como o seu nos animam muito. É isto que precisa acontecer sempre: pessoas como vc se juntando para, juntos, pressionarmos o poder publico para que cuide com mais carinho e atenção nossa zona costeira e águas territoriais tão maltratadas. As UCs federais até agora visitadas têm equipes mínimas e algumas nem mesmo têm um barco! Como cuidar da costa, vigiar, etc, sem um barco?
      Espalhe, coloque seus sentimentos nas redes sociais, avise amigos e parentes, etc. É preciso exigir mais. Abraços e obrigado, volte sempre!

      • Uma honra me juntar aos brados do inconformismo com o que fazemos com a natureza, sobretudo requer Atitude imediata, focando conscientização e responsabilidade de uma nação com seu habitat.
        Para além de cobrarmos nossos governos, fazermos nossa parte. Conte comigo sempre! O equilibrio da Natureza é nossa garantia de Vida no Planeta Terra. Continue firme com seu programa que enriquece nosso conhecimento nas noites de domingo. Sou grata. Muita saúde!

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