Búzios (RJ), do glamour de Brigitte Bardot à disputa entre facções criminosas
Naqueles distantes anos 60 pouca gente fora da Região dos Lagos conhecia Búzios (RJ). Até que a maior sensação internacional da época, a estrela de Roger Vadim fugindo do assédio da imprensa, pousou em suas praias a bordo do namorado Bob Zagury. Era abril de 1964 e B.B. esbanjava beleza aos 29 anos de idade. No Rio, Brigitte deu uma entrevista coletiva para a mídia e fugiu para Búzios, então uma pacata vila de pescadores sem água encanada, luz elétrica ou telefone. Um ‘paraíso’ almejado pela Eva do século 20. Foram quatro meses desfrutando a criação divina, cultivando a paz e a beleza daquele Jardim do Éden. A luz de B.B. iluminou Búzios, a pacata vila caiu nas graças dos brasileiros antenados e entrou na moda.

Da especulação imobiliária para a disputa entre facções do crime organizado
Como tantas cidades litorâneas que viraram moda nos anos 60, Búzios (RJ) logo tornou-se alvo da especulação imobiliária. O processo perverso e insaciável atingiu toda a Região dos Lagos.

Enquanto isso, depois de uma vencedora carreira no cinema, B.B. se retirou das telas mas não da vida pública. Desde então, não perde oportunidade de atuar como ativista em favor dos animais. Já mostramos aqui a imensa repercussão de sua acusação contra a matança de focas bebês a porretadas no Canadá, para que suas delicadas peles tornem-se casacos para dondocas fora de órbita.
B.B. defendia animais na Europa enquanto no Brasil abriam a estrada litorânea
Enquanto B.B. defendia a vida animal na Europa, no Brasil dos militares era gestada uma política pública para o litoral, a primeira que teve a região desde a proclamação da República. O mote dos fardados era a ‘integração nacional’ para facilitar o desenvolvimento econômico e social. Era preciso ‘integrar, para não entregar’.
Mais lidos
Ilhabela em último lugar no ranking de turismo 2025Garopaba destrói vegetação de restinga na cara duraCores do Lagamar, um espectro de esperançaGrandes regiões do País, então inacessíveis, foram eleitas para receberem estradas pioneiras. Assim, nasceram a Transamazônica e a estrada litorânea, a BR 101, este colosso com quase cinco mil km que corta 12 dos 17 Estados costeiros, entre o Rio Grande do Norte e o Rio Grande do Sul.

A Rio-Santos foi pensada como “a estrada do turismo”. Uma obra da Embratur que, por sua vez, contratou a empresa francesa Scet Internacional para desenvolver o Projeto Turis, entre 1972 e 1973.
PUBLICIDADE
A publicação Os transportes no Brasil: planejamento e execução caracteriza a Rio-Santos como “rodovia com aspectos pioneiros de colonização”
Deu-se início à construção do trecho da BR-101 entre o Rio e Santos, no litoral paulista, que terá a extensão total de 536,4 km, rodovia com aspectos pioneiros de colonização e que desbravará regiões de rara beleza natural, contribuindo seguramente para mais amplo desenvolvimento do turismo no país (MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES)
Ocorre que junto com a estrada o plano do governo era trabalhar a regularização fundiária, inclusas as posses de caiçaras e nativos o que nunca ocorreu. Os grileiros e especuladores não perdoaram. Eles agem indiscriminadamente desde então.
B.B. sofre um surto de saudades em 2014
Enquanto a especulação corria solta no litoral, quase sempre ignorada pelo poder federal, em outras palavras, pelo Ministério de Meio Ambiente e muitas vezes estimulada por prefeitos inconsequentes, B.B. teve um surto de saudades e escreveu de próprio punho uma carta lembrando a Búzios (RJ) que ela conhecera e que, sem o saber, já não existia mais.
Viva Búzios! Foi nesta pequena cidade perdida e desconhecida que eu fui mais feliz. Não tinha nada, nem mesmo eletricidade – mas paisagens sublimes e selvagens, e praias desertas, praias de sonho! ‘Feradura’, ‘Juan Fernandes’! Mas isso foi há muito tempo… Hoje Búzios mudou, como St. Tropez, e virou um balneário que está na moda, conhecido no mundo inteiro e muito badalado!…

Búzios (RJ) tem guerra entre facções do crime organizado
Enquanto a beleza cênica do litoral era desfigurada e banalizada, facções como o Comando Vermelho e o Terceiro Comando Puro disputavam o controle da segurança pública. O padrão se repete onde a especulação corre solta. O poder público some. E a lei do mais forte domina.
Em abril de 2025, a CNN revelou a Operação Maré Alta. A ação foi coordenada pela 1ª Promotoria de Justiça de Armação dos Búzios e pela Coordenadoria de Segurança e Inteligência (CSI/MPRJ), com apoio do 25º BPM e da 127ª DP da Polícia Civil.
Segundo o MPRJ, os alvos pertencem a facções envolvidas na disputa pelo tráfico de drogas na cidade. A investigação apontou que a guerra entre grupos rivais tem alimentado o aumento dos homicídios na região.
PUBLICIDADE
Turistas assassinados por motivos fúteis
Agora em agosto as redes sociais trazem desabafos de moradores pelo assassinato de um turista argentino ‘baleado em frente a uma casa noturna na movimentada Orla Bardot‘, por causa de uma vaga para o carro! É o quanto vale uma vida humana em Búzios hoje, uma vaga de carro.

Em julho de 2025, um segurança de bar foi morto a golpes de canivete na Orla Bardot. O agressor o confundiu com outro homem que havia reclamado e dado um tapa em seu capacete, informou o g1.
A BAND também repercutiu a violência: ‘Turistas e moradores de Cabo Frio e Búzios, na Região dos Lagos, estão cada vez mais com medo, frente ao aumento da violência’.
Em 2024 o crime organizado decretou ‘toque de recolher’ em Cabo Frio e Búzios
O descaso com o litoral não tem tamanho, é quase infinito no Brasil. Só isso para justificar a ousadia dos criminosos que, em 2024, decretaram ‘toque de recolher’ em Cabo Frio e Búzios, sem medo da polícia (Fonte: A Tribuna).
Em 2023, a violência em Búzios ganhou destaque na imprensa argentina. O motivo: o assassinato brutal da turista Florencia Aranguren, de 31 anos. Ela morreu a golpes de faca, e seu corpo apareceu numa trilha perto da praia José Gonçalves (Estadão).

Em 2022 foi a vez do jornal O Dia revelar que a Região dos Lagos teve aumento no número de homicídios no 1º trimestre de 2022. Entre os sete municípios, o que apresentou maior número nas mortes foi Cabo Frio, seguido por Búzios, depois Araruama e Arraial do Cabo.
PUBLICIDADE
O que acontece em Búzios é regra ou exceção?
O Mar Sem Fim mostrou diversas vezes que o litoral virou terra sem lei. Crimes ambientais, que no continente geram fiscalização e punição, no litoral passam batido. Nem Ibama, nem ICMBio agem. Os frequentadores também se calam. A paralisia é quase total.

Todos sabem o que acontece quando o Estado abandona uma região. O crime organizado ocupa o vazio. Aconteceu nas favelas do Rio, e na Amazônia, transformada numa ‘central global de drogas’.
Búzios não é exceção, ao contrário. A polícia de Angra dos Reis foi apontada como a segunda que mais mata no Brasil. Agora mesmo, julho de 2025, a Região do Lagos viveu o caos em razão da invasão do bairro de Tucuns por traficantes do Comando Vermelho. Os bandidos atearam fogo em vans da cooperativa local, em um claro ato de intimidação e extorsão, segundo conta o RLagos.
‘Paisagens sublimes e selvagens, e praias desertas, praias de sonho!’
Trancada em sua casa em La Madrague, em Saint-Tropez, Brigitte Bardot provavelmente nem imagina que seu Jardim do Éden virou uma sucursal do inferno. Em apenas 60 anos, Búzios foi do paraíso ao colapso.
É um retrato que se repete por todo o litoral brasileiro. E que escancara, mais uma vez, o fracasso do modelo de ocupação que impusemos à costa — insustentável, predatório e sem volta aparente.
Não é possível que continuemos indiferentes a um estilo insustentável, que pereniza a pobreza, destrói o meio ambiente, banaliza a beleza cênica, e tudo isso em menos de uma geração.

Nos anos 60, a costa brasileira — fora as capitais e grandes cidades — era formada por vilas como Búzios, que encantou Brigitte Bardot. Havia milhares de praias desertas, paisagens sublimes e selvagens.
Hoje, o cenário mudou. A zona costeira virou um imenso cortiço das classes média e alta. Um retrato do fracasso de uma geração que recebeu um paraíso e vai deixar ruínas para a próxima.
A história de B.B. e seu amor por Búzios ainda pode servir de espelho. Quem sabe nos ajude a enxergar o que estamos fazendo com o litoral brasileiro. Oxalá não seja tarde demais.
Engorda de praias, falta de políticas públicas, e outros absurdos











