Baía de Babitonga: exploração humana é igual há 6 mil anos
Há mais de 6.000 anos o ser humano explora a Baía de Babitonga, em Santa Catarina, como se não houvesse amanhã. Como se os recursos naturais fossem inesgotáveis. E com a mesma voracidade. Esse apetite é um dos principais responsáveis pela extinção de muitas espécies na região, especialmente de peixes. E também das que hoje se encontram ameaçadas de sumir do mapa. Essa é uma das constatações que podem ser feitas a partir do estudo “Pre‐Columbian fisheries catch reconstruction for a subtropical estuary in South America”. O Mar Sem Fim já comentou a ação de nossos antepassados. Não é a primeira vez que abordamos o tema.
Baía de Babitonga: pré-colombianos extraiam 32 toneladas de peixes por ano
O estudo acaba de ser publicado na Fish and Fisheries– voltada a artigos científicos sobre biologia, pesca e áreas afins. Fez parte da tese de mestrado em Biodiversidade Animal do biólogo marinho Thiago Fossile, pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), de Santa Maria, Rio Grande do Sul. O estudo foi realizado em parceria com a University of York, no Reino Unido; o Museu Arqueológico de Sambaqui de Joinville (MASJ); e a Universidade da Região de Joinville (Univille), onde Fossile atua como pesquisador convidado. A pesquisa comprova que as populações pré-colombianas extraiam da maior baía navegável de Santa Catarina média de 32 toneladas de peixe por ano.
Em 6.000 anos, cerca de 185 mil toneladas de peixes consumidas
O volume é comparável ou maior que as capturas históricas mais recentes, observa Fossile. “Conseguimos reconstruir a captura de peixes na região da Babitonga. Em mais de 6.000 anos de exploração, cerca de 185 mil toneladas de peixes foram extraídas da Baía por meio da pesca de subsistência. É uma estimativa inédita”, diz ele, acrescentando que o estudo pode auxiliar instituições como o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), entidades públicas e privadas locais,e mesmo a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura),no desenvolvimento de políticas de sustentabilidade e de gestão de recursos naturais.
Quem são os pré-colombianos
Os pré-colombianos, em questão, são conhecidos como sambaquianos ou sambaquieiros. Viveram no litoral brasileiro, exceto em alguns estados do Nordeste, milhares de anos atrás. Há registros arqueológicos que mostram atividade dessa população no país mais de 8.000 anos atrás. Esse povo é bastante conhecido por ter construído os sambaquis, chamados também de concheiros ou casqueiros. Eles são montes erguidos com conchas de moluscos marinhos, maior predominância, ou fluviais e da terra. Na língua Tupi, significa literalmente “monte de conchas”. Podem alcançar mais de 30 metros de altura e mais de 400 metros de cumprimento.
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Na Baía de Babitonga, os sambaquianos estiveram entre cerca de 6.000 mil e 1.000 anos atrás, quando desapareceram misteriosamente. O legado arqueológico deixado, no entanto, é grande. São mais de 170 sítios de sambaquis na região. A Baía tem a maior concentração de montes de conchas e intermediários pré-colombianos. A comparação é com o restante do litoral brasileiro. Ou do que restou deles, pois ao longo do desenvolvimento do país a maior parte foi sendo destruída ou modificada. Os indígenas acrescentaram a cerâmica aos sambaquis, entre outros artefatos. Já a população pós-colonização europeia usava as montanhas de conchas, ricas em calcário, como matéria-prima. Era aplicada em construções, como pavimentação de estradas. Os sambaquis foram legalmente protegidos no Brasil apenas em 1961.
Mensuração de consumo é inédita
A quantidade de peixes consumida pelos pré-colombianos foi mensurada pela primeira vez nesse estudo de Fossile. E é superior ou comparável aos volumes médios históricos de biomassa de peixes extraídos no estado de Santa Catarina milhares de anos depois, na década de 1950. Época em que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) começou a computar dados da pesca de subsistência e artesanal, para pequenas vendas locais. Mas também foi a última década de prevalência da pesca em escala menor no Brasil. A partir de meados de 1960, ela começa a perder terreno para a indústria da pesca, de grandes volumes, explica o pesquisador.
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Baía de Babitonga: pesquisa analisa cerca de 6.000 ossos
A pesquisa analisa o material faunístico encontrado em três áreas do sambaqui Cubatão I. Ele fica em Joinville, a maior das seis cidades localizadas no entorno da Baía de Babitonga. “Quase 6.000 ossos foram identificados na análise dessas áreas.” Foram detalhados e separados o que é peixe e qual espécie, e medidas de determinados ossos de peixes. As datações dos sítios também foram mais bem calibradas. Além de outras informações encontradas em estudos anteriores sobre esses sambaquis. “Depois, por meio de estatísticas, extrapolamos esses dados para mais de 100 sítios da região”, diz Fossile.
Peixes, raias e tubarões compõem 99,8% da pesquisa
Muitos desses sambaquis existentes na Baía já tinham sido datados por radiocarbono em pesquisas anteriores. Fossile diz que 99,8% dos materiais analisados em seu estudo são de peixes, tubarões e raias. Foram identificados 22 espécies e 19 famílias. Os mais relevantes: bagres e baiacus, além de peixes da família Sciaenidae. “A captura anual pré-colombiana estimada para Babitonga está logo abaixo das capturas de subsistência reconstruídas para Santa Catarina, de 1951 a 1969 (representando 60% a 15%).”
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A surpresa e a exceção estão na década de 1950. As estimativas de capturas de peixes das populações pré-colombianas são mais de 150% superiores aos dados de pesca artesanal do IBGE para o mesmo período. “Vale ressaltar que o número de pescadores registrados oficialmente na Baía Babitonga corresponde a cerca de 9,2% do total de pescadores registrados no estado de Santa Catarina”, explica o estudo.
Dados de pesca estão subestimados
“Nossos resultados sugerem que não apenas a pesca pré-colombiana tenha extraído essas quantidades de peixe, mas que as capturas históricas da pesca de subsistência na costa brasileira ao longo dos anos possivelmente estão subestimadas.” A consideração é relevante diante das estimativas do número crescente de habitantes. O estudo calcula média de 427 pessoas por ano vivendo na região da Baía, em 6.000 anos. “Hoje a população é bem maior, mas os hábitos de consumo mudaram; se come mais carne vermelha atualmente.”
Baía de Babitonga: espécies mudam para sobreviver
As espécies de peixes restantes também mudaram. Estão menores hoje. A corvina reduziu seu tamanho em 20%, como observado em estudo no Rio de Janeiro. “Isso pode estar relacionado com a exploração”. Para manterem a própria existência, as espécies gastam mais energia na reprodução do que no ganho de massa corporal. Elas têm acelerado a época de reprodução numa tentativa de sobreviver ao apetite do ser humano. E há outros fatores, também causados por humanos, contribuindo para dizimar ou colocar em risco as espécies. Entre eles, a poluição do ar, dos mares, dos rios e os desmatamentos de florestas e de áreas costeiras. Além dos portos. São dois na Baía e mais seis projetos de portos e terminais em estudos. A construção de mais portos é combatida porque a Babitonga abriga várias espécies em vias de extinção como os meros, e as toninhas, o cetáceo mais ameaçado hoje.
Baía de Babitonga: potencial para ser uma APA
Fossile lembra que a Baía de Babitonga tem potencial para se tornar uma Área de Proteção Ambiental (APA). “Mas pouco se sabe sobre práticas passadas de pesca na região e seu legado nos ecossistemas aquáticos modernos. Esta lacuna em nosso conhecimento não se estende apenas a todo o litoral do Brasil e toda a América do Sul, mas também para muitos países tropicais e subtropicais. Regiões do mundo em que a pesca em pequena escala contribuiu (e continua a contribuir) para a subsistência de milhões em assentamentos rurais e urbanos. Dados arqueológicos podem fornecer valores de referência úteis para avaliar e debater criticamente o que falta historicamente nos esforços de gestão e conservação da pesca.”
Estudo analisa 110 sítios de sambaquis
Esse estudo de conclusão de mestrado de Fossile foi complementar, precedido por outra pesquisa realizada pelo biólogo. A primeira parte foi publicada na revista científica Quaternary International. Ela revisou a literatura disponível sobre 110 sítios de sambaquis na área da Baía de Babitonga. “Montamos uma pesquisa abrangente sobre táxons (grupo de organismos aparentados) terrestres e marinhos explorados por grupos humanos nesta área entre cerca de 5.500 e 370 anos atrás”, explica Fossile.
Baía de Babitonga: 14 espécies ameaçadas e 12 extintas
A pesquisa identificou um total de 244 espécies, das quais 14 estão atualmente em perigo e 12 já não fazem mais parte da fauna da Baía de Babitonga. “Esta síntese zooarqueológica fornece instantâneos da biodiversidade passada, adicionando uma nova contribuição aos debates atuais em torno da conservação de um dos biomas tropicais (Mata Atlântica) mais ameaçados do mundo.” A lista das 12 extintas inclui o bagre, espécie de peixe. Mais 11 tipos de moluscos, como mexilhão, caracol do mar e ostra.
Mata Atlântica: processo contínuo de extinção da fauna
A presença dessas espécies nos sambaquis há milhares de anos e a atual ausência na região mostram o processo contínuo de extinção da fauna na Mata Atlântica. Na lista das 14 espécies em sério risco, estão a onça-pintada, o puma, o marreco, o golfinho da Guiana, o peixe azul, a garoupa e algumas famílias de tubarão. Elas estão na categoria de espécies vulneráveis, em perigo e em perigo crítico da Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da União Internacional Para Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN).
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Contribuições da arqueologia à preservação da Baía de Babitonga
“O aumento da demanda por uma perspectiva multidisciplinar e temporal nos debates sobre conservação oferece a oportunidade para a arqueologia interagir e contribuir ativamente para as ações de conservação, aumentando assim a relevância da disciplina para as questões ambientais. Por sua vez, isso poderia aumentar a visibilidade ecológica dos sítios arqueológicos, oferecendo alavancagem adicional para preservação e significado transdisciplinar. Afinal, sites como o de sambaquis na Baía de Babitonga oferecem vislumbres únicos e muitas vezes inacessíveis da biodiversidade passada em algumas das mais diversas e ameaçadas espécies tropicais do planeta.” Mas os sítios são pouco estudados, ele assegura.
Baía de Babitonga: pesca em pequena escala, 50% do total extraído
A Baía de Babitonga tem mais de 130 km2. Está situada no Norte de Santa Catarina, na foz do rio Palmital. Tem 24 ilhas. Está cercada de florestas tropicais, vegetação de restinga e abriga um dos maiores ecossistemas de mangue do Sul do Brasil. Os estudos de Fossile demonstram que os recursos aquáticos têm sido historicamente a fonte dominante de proteína na dieta. A pesca em pequena escala é responsável por cerca de 50% do total extraído de água doce e marinha no país, nos dias atuais. “Ela fornece alimento e meios de subsistência para milhares de pessoas ao longo da costa do litoral brasileiro”, ele ressalta.
Monitoramento da pesca é deficiente no Brasil
“Contudo, incertezas consideráveis ainda envolvem a extensão de quanto as pescarias artesanais e de subsistência contribuem para o total de pesca nacional e seu significado histórico ecológico. O monitoramento da pesca é deficiente no Brasil, e registros históricos são limitados a contas irregulares que abrangem as últimas décadas, enquanto este litoral apoia populações humanas há pelo menos 6.000 anos.”
Como já foi dito antes por este site, a pesca no Brasil é uma esculhambação total. Desde a administração Dilma sequer temos estatísticas da atividade.
Fontes: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/faf.12401; https://drive.google.com/file/d/0B05IDCm33lP6VnNzUzdlS2l4Q2s/view.
A preservacäo ambiental deve ser prioridade. Temos que fazer filmes de documentários científicos como a BBC de Londres, para divulgar nossos tesouros. O lucro deve ser revertido à conservacäo e fiscalizacäo.
“pré-colombianos extraiam 32 TONELADAS de peixes POR ANO” Hoje boa parte dos pesqueiros no exterior capturam 32 toneladas em cada rodada com rede de arrasto.