Algumas questões sobre os arquitetos e seus projetos no litoral
A noção da importância da relação do edifício com a paisagem
É intrigante observar a falta de críticas incisivas e regulares, tanto da grande mídia quanto de instituições renomadas, como o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), sobre o desenvolvimento desordenado nas áreas litorâneas.
O Brasil, reconhecido por sua rica tradição em arquitetura, abrigou ícones como Oscar Niemeyer, um dos arquitetos mais admirados mundialmente. Além dele, o País teve influentes profissionais como Lúcio Costa, os Irmãos Roberto, Paulo Mendes da Rocha, Márcio Kogan, Lina Bo Bardi, Roberto Burle Marx, Rosa Kliass, Vilanova Artigas, e tantos outros. Todos eles contribuíram significativamente para engrandecer a atividade.
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Art. 225. “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”
Inciso 4: “…a Zona Costeira é patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.”
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No entanto, quem visita o litoral brasileiro se surpreende negativamente com a desordem urbanística que se alastra por essas belas paisagens costeiras. O que se observa é uma crescente desarmonia arquitetônica, sem que haja uma oposição forte ou uma crítica consistente ao que parece ser um crime contra o patrimônio natural. Este cenário contrasta fortemente com o legado e a qualidade arquitetônica que o Brasil já demonstrou ter. A falta de uma voz crítica, do próprio meio, mais ativa e presente nessas questões é inaceitável especialmente pelo impacto duradouro dessas construções no meio ambiente e cultura local.
O poder público e a destruição do litoral
A situação piora com a maioria dos prefeitos de cidades costeiras envolvidos ou liderando a especulação imobiliária. Isso ocorre tanto em pequenas cidades como Caraguatatuba quanto em capitais. Um caso marcante é Florianópolis. A recente aprovação do Plano Diretor causou indignação na população mais crítica. Eles veem o PD como ‘um golpe do setor imobiliário’.
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Santos Dumont, 1937, Rio de Janeiro então a capital
Antes de iniciar abaixo uma seleção de especialistas ressaltando as inúmeras qualidades dos projetos dos Irmãos, saiba que o mais conhecido é o prédio do aeroporto Santos Dumont. “Os irmãos Marcelo e Milton Roberto foram os vencedores do concurso para escolha do projeto do novo Aeroporto”. Entretanto, para o usuário atual é difícil acreditar que ele foi pensado e desenhado em 1937, e ainda permanece jovem aos nossos olhos, como se tivesse sido construído poucos anos atrás.
Não à toa, é “considerado um dos maiores exemplos da arquitetura modernista brasileira”. “Aproveitaram (os irmãos Roberto) muito bem a localização à beira da baía de Guanabara, usando os princípios fundamentais da arquitetura moderna para integrar-se com a paisagem’, diz Bruna Castro em www.monolitho.wordpress.com.
As leituras sobre os Irmãos Roberto, especialmente aquelas feitas por acadêmicos e pesquisadores, como Fabiana Geneoso De Izaga, doutoranda do PROURB na FAU-UFRJ, enfatizam um aspecto crucial do trabalho do famoso trio: “a importância da relação do edifício com a paisagem natural.”
Luiz Felipe Machado Coelho de Souza, Arquiteto Urbanista, FAU/UFRJ; Doutor em História da Arte, Universiré Paris I – Sorbonne; também destacou as qualidades dos Irmãos.
‘O pensar antes de realizar’
“Marcelo pregava a aproximação entre arquitetos, engenheiros, industriais, cientistas, professores e homens de negócio; também a abolição de estimativas a grosso modo e o pensar antes de realizar.”
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Coelho de Souza foi além. “No tocante às questões ambientais, a preocupação dos Roberto direcionou-se no sentido de respeitar as características naturais das regiões.”
Pensar antes de realizar, e respeitar as características naturais das regiões, são preocupações que passam ao largo da maioria dos arquitetos que hoje atuam no litoral. E onde estão os especialistas, ou as referências na atividade, como os citados para darem luz a estas questões?
Plano Cabo Frio-Búzios, 1955 – muito à frente de seu tempo
Este foi um dos muitos planos oferecidos pelos irmãos ao poder público que, entretanto, não saíram do papel. Contudo, o especialista Ivo Barreto, arquiteto e professor universitário, Mestre em Projeto e Patrimônio escreveu sobre o trabalho. Destacamos o trecho:
“Em meio à transformação que sobretudo a partir dos anos 50 a região de Cabo Frio viria sofrer, quando o turismo de veraneio se fortalece na pauta política e econômica, os modernos já vinham atuando por aqui, propondo caminhos não apenas na arquitetura, mas buscando alternativas para a transformação que se avizinhava, como é o caso do Plano Cabo Frio-Búzios, do mesmo MM Roberto, que propõe, em 1955, uma imensa cidade-jardim que se estendia desde a Boca da Barra do Canal do Itajuru à foz do Rio São João, cojurando propostas em linha direta com os preceitos elaborado por Ebenezer Howard, uma das tentativas do nascimento do urbanismo, na busca por alternativas em conciliar homem e paisagem, nesta sua invenção das cidades como modo de vida no planeta.”
Os Irmãos Roberto tiveram sorte de não verem Cabo Frio se tornar a confusão que é hoje. Eles sonhavam com uma grande cidade-jardim, unindo homem e paisagem. Porém, apesar de muita pesquisa, não encontrei críticas ao caos urbano atual da cidade costeira. Por quê? Até o especialista Ivo se cala ante a depravação urbana em que se transformou o município. Sem críticas fortes e públicas, a erosão moral dos arquitetos atuais na costa não vai cessar.
Alienação e egoísmo dos ricos
Da mesma forma, a alienação de quem encomenda os edifícios e casas que vemos nas imagens, provavelmente também continuará. Vale destacar que, além da alienação, estes ‘ricos’ demonstram profundo egoísmo.
Grande parte constrói em locais proibidos pela Legislação Ambiental como topos e encostas de morros, na areia da praia, em manguezais ou restingas que são extirpados, e tudo em nome de ‘ter vista para o mar’.
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A relação dos Roberto com a especulação imobiliária
Para encerrar, selecionamos trecho de um artigo publicado pela PUC do Rio de Janeiro, intitulado Construção da Poética dos Roberto.
“Através de suas poucas entrevistas, por exemplo, fica fácil entender que a relação dos Roberto com a especulação imobiliária configura-se de forma tensa. Como ilustração, pode-se citar uma delas, de Marcelo Roberto (concedida em outubro de 1955 e publicada inicialmente no Correio da Manhã), onde discorre sobre a relação entre os arquitetos e os que buscam explorar ao máximo o potencial econômico do solo”:
Sei e afirmo é que não existe docilidade alguma. Se ela existisse, os arquitetos teriam muito mais serviço do que tem na realidade. Qualquer escritório de arquitetura que se preza rejeita mais do que aceita trabalho. Basta ver o número astronômico de prédios que se constróem e a percentagem insignificante dos que são confiados a arquitetos de verdade.
A única exceção: o Estado da Paraíba
Contudo, há uma exceção que nos traz alguma esperança. Como já mostramos diversas vezes, a Constituição Estadual da Paraíba impede espigões na orla. Ela domou a especulação imobiliária e seus inúmeros flagelos.
Quando escreviam sua Constituição em 1989, logo depois da promulgação da Federal (1988), um grupo de instituições paraibanas, ONGs, professores e ambientalistas, se reuniu para oferecer à Assembléia Legislativa o capítulo de Meio Ambiente.
Naquela época, um dos assuntos mais discutidos na mídia era a preparação da Eco 92, que aconteceu no Rio de Janeiro. A proteção ao meio ambiente era assunto dominante.
Não foi difícil reunir um grupo eclético, do qual faziam parte entre outros, a Universidade Federal, OAB, associações de classe, além das Ongs APAN (Associação Paraibana dos Amigos da Natureza), e ABES (Associação Brasileira de Engenharia).
O governo, à época, aceitou a sugestão que foi incorporada na Lei Maior do Estado. E assim se mantém até hoje, apesar das inúmeras tentativas de governadores posteriores de mudar este aspecto. Mas, cada vez que isto acontece a população ameaça sair à rua. Hoje, o litoral da Paraíba é o único não detonado pelo insustentável concreto armado. E os paraibanos aproveitam o seu litoral tanto quanto paulistas ou cariocas. É a prova que falta apenas vontade nos demais 16 Estados.
Assista ao documentário e nos ajude nesta cruzada
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Lá vem textão! Parabéns, João. Sempre acompanho teu excelente trabalho. Sou arquiteto E urbanista, crescido em Floripa, apaixonado pela vivência do mar; e exatamente por não concordar em jogar esse jogo perverso, do mercado imobiliário, acabei migrando da iniciativa privada ao setor público. Tento contribuir um pouco com projetos mais simples e sustentaveis e busco viver com mínimo de dignidade e com ética. Infelizmente muitos colegas, incluso professores, não tiveram a mesma “sorte”, sendo cooptados e corrompidos por essa distopia doentia, egocêntrica e criminosa. Apesar do arbítrio de cada um, os percebo como “peixes pequenos”. Há muitas questões envolvidas, e uma das mais relevantes que vejo é o uso do mercado imobiliário (bem como hoteleiro/turístico) para a lavagem de dinheiro, inclusive e origem internacional. No caso do litoral brasileiro isso fica claríssimo e caríssimo. Enquanto houver corrupção e impunidade; carências sociais e educacionais, esse ciclo se retroalimentará e muito pouco conseguiremos fazer por meio de projetos arquitetônicos e urbanos. Quem mais projeta nossas cidades é o Legislativo, quem os financia e os elegem!
Mas, como dizem no Rio Grande: “Não podemo se entregá, pois não tá morto quem peleia!”
( Apesar que no fundo, acredito mesmo que a solução será dada pelo Planeta, ao expurgar os invasores…) Grande abraço, marujo!
Caramba, Eduardo, que texto maravilhoso, e que caráter o seu! Comovente a sua atitude. Me fez sentir que vale a pena continuar lutando pelo que a gente acredita. Seu comentário já fez valer os quase 20 anos deste site (18, na verdade).Grande abraço, meu amigo. E muitíssimo obrigado, esta noite vou dormir ‘como um anjo’.
Excelente matéria. Deveria ser assunto para uma aula nas faculdades de arquitetura e urbanismo. Esperamos a manifestação do inerte IAB, se é que terão coragem de manifestar-se
Assisti ao documentário, foi bom conhecer os irmãos Roberto. Mas devo dizer que o artigo merecia uma citação a Zanine.
Conteúdo importante aqui. Obrigado.
Infelizmente a aprovação do plano diretor em Florianópolis não é apenas uma jogada do setor imobiliário mas também da prefeitura que apenas visa aumentar sua arrecadação e manter o sistema corrupto de urbanização, além de estar gerando o caos urbano para que futuramente tenha aval dos moradores que não aguentarão mais viver esse caos para fazer suas obras em detrimento da natureza e em favorecimento da manutenção de seus serviços públicos que não trazem soluções mas perpetuam seus lucros através de obras mal executadas que geram mais problemas do que soluções!
Infelizmente o que se vê hoje é um assassinato de nossos cartões postais.
Fiz uma viagem a alguns anos atrás para Santa Catarina e me surpreendi com a bagunça urbanística das residências de luxo dos costões e praias que até poucos anos atrás eram praticamente paradisíacas.
Ubatuba também está sob pressão imobiliária e já sobre com novas aberrações, não somente em sua linha costeira, mas em qualquer bairro que uma construtora com fome de dinheiro consiga por as mãos.
O autor deste artigo, por favor, venha conhecer o município de Guarapari, ES, para mais uma vez constatar estas linhas aquí escritas. Os verdadeiros moradores festa cidade, os que ainda não se encontram em estado vegetativo sem.nem o saber, se encontram desmotivados com está mesma perspectiva e realidade.
Infelizmente eu conheço Guarapari, portanto sei do que vc fala Rodolpho. Aproveito para mais uma vez reiterar que as imagens do post não refletem apenas aqueles locais, ou seja uma praia de Ubatuba, uma do Guarujá, e outras de Santa Catarina. Este ‘modelo’ perverso se dissemina em TODA a zona costeira nacional. E este é o perigo.
Artigo espetacular! Parabéns! Moro em Imbituba e visito sempre Garopaba. Estão sendo consumidas por monstruosidades arquitetônicas!
Prezado
Parabéns pela matéria! Essa relação da arquitetura com a ocupação do espaço urbano e a sua conjugação com outros saberes penso ser fundamental.
Abs
Existe uma lei ambiental nacional mas Santa Catarina não pertence ao Brasil tamanho é o descaso com o meio ambiente. Ninguém vê, ninguém pergunta, ninguém questiona ninguém barra projeto destrutivo de alto padrão. Arquitetos colocam no papel, não são os que aprovam. Desviar culpados não é por aí.