Cajueiro da Praia, PI, enfrenta a especulação imobiliária
Quando estive em Cajueiro da Praia a primeira vez, em 2005, fiquei encantado. Aquele lugar pitoresco, semi-virgem, uma comunidade de pescadores artesanais e seus lindos barcos à vela que ainda usam fateixas com âncora, e praias desocupadas, era um dos poucos trechos da zona costeira que ainda podiam usar o adjetivo ‘paraíso tropical’ sem medo de errar. Contudo, havia já sinais da especulação mas apenas em Luis Correia, que também tinha fazendas de criação de camarões, outro flagelo nordestino.
Assim, eu sabia que chegaria o tempo da mudança. Mas, enquanto isso, torcia para que acontecesse depois que tivéssemos superado o modelo de ocupação desordenada e insustentável. Repetimos este erro desde que começamos a ocupar o litoral, ainda nos anos 50 do século passado. Em 2023 soube de pessoas de meu círculo de relações que iriam visitar o município dispostos a comprar terrenos, ou até praias inteiras. O momento da especulação imobiliária chegou, e com ela, a praga de sempre.
Barra Grande e o kitesurf
Primeiro o pessoal do kitesurfe descobriu a praia do Preá, litoral oeste do Ceará, ali por 2015, 2016, mais ou menos. Não demorou para o Preá se tornar a Meca do esporte. Então, em 2020 investidores fizemos altíssimos aportes na compra de posses que se transformaram empreendimentos turísticos para as classes AAA. Falamos de muito dinheiro, cerca de até R$ 400 milhões de reais quando tudo ficar pronto.
Imediatamente após, duas coisas aconteceram, o nível de vida subiu muito, e o preço de terrenos disparou. Hoje o litoral oeste do Ceará enfrenta o mais poderoso ataque especulativo que já vi em meus mais de 50 anos acompanhando o que se passa neste espaço. Como o governo do Estado finge que não vê, não fiscaliza, há um festival de crimes ambientais. E além disso, o início de um sério problema social com ameaça de perda da cultura dos nativos, e sua gradual expulsão para as periferias.
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Declínio do berçário da baleia-franca e alerta aos atuais locais de avistagemPirataria moderna, conheça alguns fatos e estatísticasMunicípio de São Sebastião e o crescimento desordenadoFrota de pesca de atum derruba economia de MoçambiqueO pessoal do kitesurfe costuma fazer longas viagens, o downwind como chamam, que sai de um lugar e, sempre a favor do vento, segue até outro. Não foram poucos os que saíram do Preá e chegaram no Amapá. Foi assim que descobriram Cajueiro da Praia. O município e suas praias tornou-se o segundo melhor ‘point’ para o esporte, depois de Preá.
Mais uma vez, o processo se repetiu no Piauí
Mais uma vez, o processo se repetiu. A especulação é sempre igual no litoral, o que varia é apenas a intensidade enquanto as etapas são as mesmas. A descoberta, a compra de posses por forasteiros que desencadeia o início do problema social com os nativos e, finalmente, a rápida alta de preços que atrai mais e mais compradores é a ‘ordem natural’.
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Seja no litoral norte de São Paulo, no oeste do Ceará (que envolveu até a Diocese de Sobral), ou no sul do litoral do Piauí, a desordem, e a perda de valores centenários, estão sempre associados ao crescimento desordenado em local carente de infraestrutura e regularização fundiária. É desse modo que se inicia a ocupação insustentável que se vê em quase toda a zona costeira brasileira.
‘A produção científica brasileira sobre o kitesurf em Barra Grande, município de Cajueiro da Praia-PI, Brasil’
O título, entre aspas, porque é nome de um estudo publicado em 2022 por André da Silva Dutra (Instituto Federal do Maranhão), e Maria Cristina Rosa (Universidade Federal de Minas Gerais,).
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Presidente do STF intima Flávia Pascoal, prefeita de UbatubaMunicípio de Ubatuba acusado pelo MP-SP por omissãoVerticalização em Ilha Comprida sofre revés do MP-SPO ressumo revela que, ‘considera-se Barra Grande, povoado localizado no município de Cajueiro da Praia-PI, Brasil. Trata-se de um dos principais destinos turísticos nacionais e internacionais para a prática de kitesurf na atualidade. Tendo isso em vista, o presente estudo objetiva mapear e analisar as produções científicas brasileiras sobre o kitesurf nessa localidade. O objetivo é compreender como pesquisadores/as brasileiros/as abordam esse esporte em seus estudos’.
Logo em seguida, os autores explicam quando nasceu o esporte: ‘O kitesurf é um esporte criado recentemente pelos irmãos franceses, Bruno e Dominique Leganoix. Foi ao longo das décadas de 1980 e de 1990, que aperfeiçoaram e registraram suas invenções com pipas infláveis por meio de patentes, colaborando significativamente para que chegasse à forma como é praticado na atualidade’.
Pois é, mas apesar de ser recente, ganhou milhões de adeptos em muito pouco tempo, como no Brasil. Por depender de vento forte e constante, o litoral nordestino assolado pelos alísios de Nordeste, passou a ser o mais procurado. E, quanto mais ermo, melhor. Assim foram escolhidos Preá e Barra Grande.
‘Juiz manda prefeito de Cajueiro da Praia cumprir acordo com o MP’
Sempre dissemos que os locais mais visados do litoral não têm infraestrutura sequer para suportar suas pequenas populações, que diria um município ‘inchado’ de uma hora para outra.
A matéria da ABREMA – Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente – informa que ‘o juiz Antônio Fábio Fonseca de Oliveira determinou que o prefeito de Cajueiro da Praia, Felipe de Carvalho Ribeiro, cumpra no prazo de 10 dias o Termo de Ajustamento de Conduta celebrado com o Ministério Público do Estado para a erradicação do lixão municipal. A decisão foi proferida no dia 21 de agosto deste ano’.
‘Além disso, o gestor deve promover a recuperação da área degradada e a implementação de um sistema de destinação final ambientalmente adequada para os resíduos sólidos’.
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Em outras palavras, nem mesmo o serviço de coleta de lixo é bem feito. O saneamento básico é outro desastre segundo o Instituo de e Água e Saneamento.
‘Em CAJUEIRO DA PRAIA (PI), 0,13% da população afasta seus esgotos por meio de Rede geral, rede pluvial ou fossa ligada à rede. 4.680 utilizam fossa séptica ou fossa filtro não ligada à rede e 45 com outras soluções. 144 habitantes em CAJUEIRO DA PRAIA (PI) não têm banheiros nem sanitários’.
Esta é a triste realidade do município que agora enfrentará a superlotação que sempre acontece no rastro da especulação.
“Região de Barra Grande e o contraste entre belezas e conflitos: especulação imobiliária e grilagem viram caso de Polícia”
‘Isso se deve à uma especulação imobiliária e as várias acusações de grilagem de terras que são comuns, partindo especialmente de pessoas que moram em determinadas áreas da região. Por conta disso, o clima de acirramento de ânimos tem aumentado e já virou caso de Polícia’.
Entretanto, se a violência está ausente no Preá e região, no Piauí parece ser diferente’ de acordo com OitoeMeia. ‘Segundo eles (os nativos), esses “grileiros” enviaram “capangas” para derrubar suas casas e tampar os poços onde pegavam água para que saíssem à força de suas áreas. Eles alegam que são os “verdadeiros donos” das terras e que esses empresários, chamados por eles de “grileiros”, querem prejudicá-los em suas plantações e demais produções agrícolas. Alegam que estão ali para morar e não para vender as terras fazendo especulação imobiliária, conforme as denúncias contra eles’.
Segundo a reportagem de Efrém Ribeiro e Allisson Paixão, com imagem de Ricardo Morais, o empresário acusado é ‘Fábio Jupi, que agora se chama Fábio Socó’. Fábio declarou ao OitoeMeia,
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Vieram só para derrubar as nossas casas. Eu não tenho mais onde morar”, disse Eduardo de Andrade. “É tudo mentira. Há uma falta de informações corretas. E eu tenho uma relação maravilhosa com os nativos de Cajueiro da Praia, colocando hoje média de 35 empregos direto e 25 indireto. Nunca invadimos terra de ninguém e nunca colocamos cerca em algo que não seja de nossa área
Morro Branco também está de ponta-cabeça
A matéria revelou ainda que o problema não é apenas em Barra Grande. ‘Ainda em Cajueiro da Praia, a reportagem do OitoMeia teve acesso a alguns boletins de ocorrência, confirmando os diversos casos que tem virado caso de Polícia na região. Um dos mais recentes ocorreu no último dia 13 de outubro. Segundo o BO registrado na Delegacia de Cajueiro da Praia, Espedito Nonato dos Santos denunciou que 20 homens invadiram suas terras, localizada na rua Projetada do Morro Branco, na região de Morro Branco, próximo ao Chalé Ville, enquanto ele trabalhava no local’.
‘Comunidade pesqueira do Piauí acusa PF e MPF de perseguição para beneficiar empresários’
O agora é de outra matéria, desta vez do MarcoZero, em janeiro de 2024. ‘Dezenas de famílias de pescadores e agricultores que ocupam uma área da União na praia Barra Grande, no município de Cajueiro da Praia, a 357 quilômetros, de Teresina (PI), e a utilizam para plantar roças há várias gerações, foram acusadas pelo Ministério Público Federal e Polícia Federal de pertencerem a uma quadrilha de estelionatários e abrir uma associação para camuflar a grilagem do terreno’.
‘Os moradores negam e não se conformam com as acusações. Para eles, empresários, políticos, policiais e servidores públicos tentam incriminá-los para ficarem com a área. Essa seria apenas mais uma das investidas do progresso predatório do turismo e da especulação imobiliária, que vêm expulsando comunidades tradicionais de pescadores e agricultores em Cajueiro da Praia’.
O MarcoZero confirma que a violência faz parte do ataque. ‘A cada semana, novos e intensos capítulos envolvem decretos que permitem a devastação de áreas nativas, ações da Polícia Federal e derrubada de casas, destruição de pesqueiras, canoas, roças e outros artifícios‘.
O presidente da Associação de Projeto de Assentamento da Nova Barra Grande, Demétrio Oliveira, falou ao MarcoZero,
Só falta agora matarem um de nós, o que pode acontecer se o Estado não interferir para proteger os povos nativos daqui
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‘Milicianos que estariam dando suporte à grilagem de terras no município de Cajueiro da Praia’
Outra reportagem, do Cidade Verde, confirma que, o que acontece no abandonado litoral norte paulista, hoje nas mãos do PCC, ou no litoral oeste do Ceará, tomado pelo C.V, se repete no Piauí; e prova como sempre dissemos que as etapas são idênticas.
‘O defensor público da União José Rômulo Plácido Sales deu detalhes, em entrevista à TV Cidade Verde, da ação dos milicianos que estariam dando suporte à grilagem de terras no litoral do Piauí, em especial, no município de Cajueiro da Praia, localizado a 350 km de Teresina. Segundo o defensor, os levantamentos iniciais apontam que os agentes públicos do estado, incluindo policiais, estariam envolvidos em atos de destruição das moradias e das roças dos moradores locais, além de implantação de denúncias de crimes de menor grau contra os nativos’.
‘Pescadores de Cajueiro da Praia denunciam falsas acusações de grilagem’
Por fim, o derradeiro destaque vai para o Portal az que confirma mais dois típicos participantes do esquema, sempre eles, em todo e qualquer local da costa brasileira. Adivinhe quem? Se pensou em políticos e empresários, acertou.
‘Várias famílias de pescadores/agricultores em Cajueiro da Praia, Piauí, estão enfrentando acusações de pertencerem a uma quadrilha de estelionatários e de camuflar a grilagem de terras por meio de uma associação. Segundo moradores, o Ministério Público Federal e a Polícia Federal os acusam, mas eles negam, alegando que estão sendo alvo de empresários, políticos e servidores públicos interessados na área’.
Quem lê o Mar Sem Fim sabe disso faz tempo. E, como a inação do Estado é generalizada, provavelmente este é mais um trecho do litoral que vai pro saco e em breve contará com a tradicional ‘muralha de concreto’.