Matança de peixes-boi prossegue na Amazônia
Fiquei sem palavras para expressar meu sentimento ao saber da notícia que segue. Já presenciei muitas atrocidades na região, incluindo a venda de cavalos-marinhos secos, em pencas, no mercado Ver-o-Peso—dizem por lá que traz sorte! Esse pequeno peixe é mais uma espécie ameaçada de extinção no mundo todo. No mesmo dia e local, vi diversas vezes o sexo de botos, macho ou fêmea, cortados, defumados, e colocados à venda. Isso aconteceu no início dos anos 2000. Entretanto, acredito que ainda seja assim hoje. A matança de peixes-boi e de botos-cor-de-rosa, não é rara na Amazônia, pelo contrário. Agora, chega a notícia de que o Ibama apreendeu carne de peixe-boi e mais de 400 kg de pirarucu em um mercado de Tefé.
Crendices e biodiversidade não combinam
Quando flagrei as cenas no mercado Ver-o-Peso, fiquei horrorizado. Ali perto, ao alcance da vista, havia vários policiais que andavam de um lado para o outro, sem tomar nenhuma providência. Fico pensando o que os frequentadores da COP 30, que acontecerá em 2025 no Pará, e que vão visitar o famoso mercado, pensarão. Ou será que durante o período da cúpula o Estado fará um rapa?
Segundo as notícias, o Ibama apreendeu 422 quilos de pirarucu e um exemplar de peixe-boi-da-amazônia em uma feira de Tefé, na terça-feira, 24 de setembro (o pirarucu só pode ser capturado em áreas de manejo autorizadas).
Segundo o Ibama, infratores abateram um peixe-boi, mamífero ameaçado de extinção, na orla do rio Tefé. A seca que afeta a região tem intensificado a caça aos peixes-boi e botos. Os caboclos usam redes de pesca, arpões, martelos e armas de fogo. De acordo com o AM Post, a carne da caça é processada em locais sem autorização sanitária e vendida em feiras da cidade, incluindo a Feira Municipal.
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Mas note, era algo tão corriqueiro que era ‘vendido na Feira Municipal’. Em outras palavras, é mais um crime ambiental perdoados por eles por ser um ‘costume ancestral’, e que a sociedade finge que não vê. Sugiro que pensem bem, estas ‘mancadas’ não escapam de uma cúpula do clima. Fica aqui o nosso alerta.
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O sexo de botos no mercado Ver-o-Peso
Depois de receber a notícia, e lembrar dos casos que vi na Amazônia, torci para não encontrar nenhuma nova referência na mídia. Contudo, ao pesquisar, dei com um artigo publicado em 2021 por Bruno Rodrigo Carvalho Domingues.
O artigo analisa ‘o que chamei de cosmoerotismo amazônico. Ou seja, uma forma particular de acesso ao cosmos para a interferência na vida afetivo-sexual dos seres humanos na Amazônia Paraense, especialmente na cidade de Abaetetuba’, diz Rodrigo, na apresentação do trabalho.
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Brasil pega fogo, espanta o mundo, e Lula confessa: ‘não estamos preparados’Leões marinhos ajudam cientistas a mapear o fundo dos oceanosContaminação de tubarões por cocaína, RJ, choca a mídia estrangeiraE estava lá, cristalina como água, a confirmação de que prosseguem as crendices na região. “Refiro-me ao uso de feitiços para atrair parceiros afetivos e sexuais, como os banhos de cheiros e o sexo do boto, que comumente são atribuídos apenas ao circuito mais famoso destes produtos: as erveiras do mercado do Ver-o-Peso, em Belém, capital do Pará.”
Mas as vendas não ocorrem apenas no Ver-o-Peso, como explica o autor. “Esses ditos feitiços partem da comercialização de produtos da biodiversidade para o amor e para o sexo em cabanas. Assim são conhecidas as lojas de produtos religiosos e estão espalhadas por diversos bairros de Abaetetuba.”
“Nas cabanas, há sempre uma prateleira grande com produtos relativos aos desejos (cosmo)eróticos: buceta da bota, pênis do boto, pó de tamaquaré, perfume da pomba-gira, chega-te-a-mim, agarradinho, velas em formato de santos e entidades , genitálias, animais , entre muitos outros.”
“Se observarmos os detalhes da indicação da médium, o sexo da bota se trata da genitália da fêmea do Boto Tucuxi (ameaçado de extinção), que é cortada e defumada, comumente comercializada nas cabanas. O uso da genitália do animal está associado aos muitos dizeres, mitos e tabus que envolvem a figura do boto na Amazônia…”
Matança de peixes-boi
“Pesquisando sobre outras ‘práticas locais’, acabei tropeçando numa antiga matéria sobre a matança de peixes-boi, de Karina Ninni publicada em 2010 no Estadão. Embora tenha 14 anos, o texto continua relevante. É provável que a prática persista. Divulgar esse tipo de informação é importante para aumentar a pressão da opinião pública, incentivando as autoridades a intensificar a fiscalização e a oferecer cursos de educação ambiental aos infratores. Isso é mais eficaz do que aplicar multas, já que a maioria dos amazônidas é paupérrima e não pode pagar, mas pode aprender.
Posto isto, vamos aos fatos narrados por Karina Ninni em 2010.
Comunidades Jacu, Taperebatuba e Igarapé-Açu, no município de Silves
‘A seca no Amazonas está fazendo outras vítimas além dos moradores da região: a população local de peixes-bois. Na última semana, o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM) apreendeu dez quilos de carne de Peixe-boi, além de um filhote já morto, de pouco mais de um ano’.
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‘Durante uma operação de fiscalização nas comunidades Jacu, Taperebatuba e Igarapé-Açu, no município de Silves, a 203 quilômetros de Manaus, as autoridades apreenderam 133 ovos de tartaruga e diversos apetrechos proibidos de pesca e caça. “Karina informou que moradores, atuando como agentes ambientais voluntários da Associação de Silves para a Preservação Ambiental e Cultural (ASPAC), solicitaram a fiscalização após fazerem denúncias.”
“Fonseca, do Inpa, relata que receberam chamados de Silves, Tefé, Manacapuru e Coari. Em Tefé, há relatos de matança de peixes-boi em um lago bem em frente à cidade. Em Coari, informantes relataram que, durante a madrugada, os animais são capturados e levados para a ilha do Ariá, onde são mortos.”
‘Fonseca afirma que em Silves há informações de que a carne de Peixe-boi está sendo vendida a um valor que varia entre R$ 3,00 e R$ 5,00 o quilo - o que significa grande disponibilidade do produto. Ele alerta: “Tivemos uma grande seca em 2005, e outra agora, em 2010. Se esses intervalos continuarem assim, a espécie corre sério risco”. O Peixe-boi já está na lista da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês) como espécie ameaçada de extinção’.
Imagine o que pode estar acontecendo agora, com a maior seca da história da Amazônia. Infelizmente, isto também é o Brasil.
Um perfume bem estranho
Durante as pesquisas, descobri um perfume a base de óleo de boto, feito na Amazônia, vendido no mercado Ver-o-Peso, e também no e-commerce.
Perfume de boto eu nunca tinha ouvido falar. Mas é um dos best-sellers do Ver-o-Peso. Torço que para seja um óleo qualquer, apenas batizado com o nome da espécie animal. Mas, sabe-se lá. Tudo é possível. Melhor não comprar.