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Você gosta de tainha? Coma enquanto é tempo

Você gosta de tainha? Coma enquanto é tempo – em breve pode sumir de nosso mar

Eu adoro tainha assada no inverno. Ainda melhor quando acabou de sair do mar. Que peixe delicioso! E você, também gosta? Então se apresse. A temporada de pesca começou há pouco. E talvez esta seja uma das últimas no litoral brasileiro. Desde 2018, o governo federal fixa a cota anual de pesca da espécie. Mas os números não batem. A produção declarada pelo setor não corresponde ao volume de ovas produzidas. A denúncia é da Oceana Brasil, após analisar cinco anos de dados de captura.

Pesca da tainha por Maurício Vieira/Secom
Pesca da tainha em 2022 por Maurício Vieira/Secom.

Pesca da tainha

Em 2019 publicamos o post Pesca da tainha, tradição centenária se renova a cada ano para comentar esta tradição que começou ainda no século 16. Mas o que descobri de 2019 para 2022, é que a tradição pode estar com os dias contados.

A prática da pesca da tainha é do tempo em que aqui ainda não havia chegado nenhum europeu. Uma tradição indígena que eles passaram aos seus descendentes, os caiçaras, e que se renova ano após ano.

A primeira descrição deste tipo de pesca data do século 16.

Hans Staden, em 1557, descreve a pescaria

Além disso têm pequenas redes (referindo-se aos Tupinambás). O fio com que a emalham obtêm-no de folhas longas e pontudas que chamam tucum.

Quando querem pescar com estas redes, juntam-se alguns deles e colocam-se em círculos na água rasa, de modo que a cada um cabe determinado pedaço da rede.

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Arraial do Cabo, RJ, 2016. Acervo MSF.

Vão então uns poucos no centro da roda e batem n’água. Se algum peixe quer fugir para o fundo, fica preso na rede. Aquele que apanha muito peixe reparte com os outros que pescam pouco.

A canoa puxa a rede e repete o ‘truque’ descrito por Staden: remadas na água. Como se vê, ainda hoje o processo é igual ao que se fazia no século 16. Acervo MSF.

O mítico personagem histórico

O alemão Hans Staden, mítico personagem histórico do litoral, veio ao Brasil onde trabalhou como artilheiro no forte de Bertioga. Mas foi preso pelos Tupinambás, cujo chefe Cunhabebe morava na região de Ilha Grande (RJ).

Depois de muitas peripécias, conseguiu fugir e voltou à sua pátria. Em seguida publicou o que viria a ser o primeiro  best seller do século 16 sobre nossa história, ‘Duas Viagens ao Brasil‘, um livro maravilhoso, gostoso de ler.

‘Historicamente’ como revela a apresentação ‘foi esse navegador o primeiro a deixar em forma de livro, para conhecimento dos pósteros, uma obra que o tornou secularmente célebre e que se fixou como uma das fontes mais autorizadas da etnografia sul-americana’.

Portanto a tradição já completa cinco séculos. Mas agora, devido ao fato da pesca no Brasil ser uma esculhambação total ela pode estar no fim.

Aos fatos…

Pesca em período reprodutivo

A pesca da tainha ainda conta com um ingrediente a mais: ela acontece no período do reprodução da espécie ‘quando ocorre a corrida de imensos cardumes para o norte’, com diz a Oceana. Uma pesca, portanto, que atua em um momento de grande vulnerabilidade para a espécie, aumentando o risco e a gravidade da sobrepesca.

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Segundo a Oceana, o problema já foi identificado por cientistas pesqueiros, pelo Ministério Público, pelo Judiciário e pelo próprio governo federal, que instituiu, em 2015, o Plano de Gestão da Pesca da Tainha, por meio dos ministérios da Pesca (extinto) e do Meio Ambiente.

A temporada de pesca da tainha de 2022

Depois que os índios foram expulsos do litoral, seus descendentes os caiçaras do Sudeste e os nativos da costa Sul, os substituíram na pesca da tainha e mantiveram a tradição tal qual nos contou Hans Staden.

Mas além dos nativos a pesca industrial brasileira também participa do banquete. E no Brasil a pesca não é controlada desde pelo menos o governo Dilma. Por exemplo, o nosso é um dos três únicos países que não têm estatísticas de pesca, consequentemente não informa a FAO que vive reclamando.

Em 2025 Hove cotas para todas as modalidade de pesca da tainha, entre elas emalhe anilhado, cerco industrial, arrasto de praia e emalhe de superfície, assim como para as capturas dentro do Estuário da Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul, com base nos históricos de captura.

Conheça o ciclo de vida do peixe

A tainha, explica o site da Oceana,  tem um ciclo de vida que a torna particularmente frágil à pesca intensa. Depois de viver seu primeiro ano no mar, ela entra nos estuários e lagoas costeiras, onde cresce até 4 a 6 anos quando atinge a idade adulta.

Machos e fêmeas formam grandes cardumes

A partir daí, prossegue a Oceana, a cada outono machos e fêmeas formam grandes cardumes para empreender uma longa jornada. Cada tainha vai desovar até 5 milhões de ovos.

Eles dependerão do acaso para serem fecundados, formarem pequenos juvenis que se dirigirão para os estuários onde crescerão e fecharão o ciclo da vida. A chamada safra da tainha acontece entre abril e julho, durante a migração reprodutiva da espécie.

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O estoque sul  migra anualmente de estuários na Argentina, Uruguai e Rio Grande do Sul, no Brasil, podendo chegar até o Espírito Santo, dependendo das condições climáticas.

Esforço de pesca

A isto soma-se o esforço de pesca dos nativos e caiçaras que, como bem sabemos e comentamos, também cometem alguns desatinos, pescam mais do que deveriam ou precisariam, com muitos indivíduos ainda em fase juvenil, etc. Assim, muitas vezes a pesca artesanal é insustentável.

Santa Catarina, Estado que mais pesca a tainha

No Brasil cerca de 80% da pesca da tainha é realizada em Santa Catarina onde é considerada Patrimônio Cultural. Os cardumes saem da Laguna dos Patos, no Rio Grande do Sul, especialmente quando venta sul.

Cardumes podem chegar até o Espírito Santo

Em seguida,  sobem a costa se aproximando das praias até o Espírito Santo, quando TODAS as comunidades nativas repetem a pescaria, explicada por Hans Staden, de cerco na praia; mas também com redes de emalhe em barcos de pesca (as mais mortais e que matam as já ameaçadas toninhas do Espírito Santo por exemplo).

Mas como não temos estatísticas, não se sabe o quanto se pesca, se é menos, ou mais que a capacidade reprodutiva  da espécie.

Notícias da pesca da tainha em 2022

Jornal Nacional, 17 de maio, 2022:  ‘Todo este esforço já reduziu os estoques em 70%. Acendeu o sinal de alerta. Especialistas de três universidades calcularam a quantidade de tainhas da espécie Mugil liza  como algo em torno de 16.500 toneladas’.

‘O estudo revelou urgência de uma pesca sustentável’.

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Como? Sem estatísticas, e com um secretário que dá mau exemplo como conseguir?

Jornal Nacional

‘Se mantivermos esta quantidade atual, aproximadamente 9 mil toneladas, diz Rodrigo Santana oceanógrafo da UNIVALI, ‘a resposta do modelo que estudamos é uma inviabilização destes recursos’.

Segundo a matéria a captura total não deveria ultrapassar 4 mil toneladas, a metade do que se pesca hoje.

Rodrigo Santana oceanógrafo da UNIVALI

‘Com oito anos teríamos estoques com o dobro do tamanho que a gente observa hoje, podemos fazer remoções até maiores do que a gente faz atualmente (9 mil toneladas)’.

A matéria diz que a secretaria de Pesca adota cotas para a captura.

Cotas sem estatísticas, como assim? Então é um chute.

Prossegue o JN

‘Em 2018, a pesca industrial tinha autorização para 50 embarcações. Diminuiu para dez este ano’.

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A partir deste ponto, Jorge Neves, presidente do SINDIPI, Sindicato dos Armadores e das Indústrias da Pesca de Itajaí e Região, entra no ar e declara:

‘Há interesse no setor que esta pesca seja sustentável para que futuramente possamos ter mais barcos e mais quantidades para pescar’.

O futuro da pesca da tainha

Jornal Nacional: A matéria segue com uma entrevista com Martin Dias, diretor científico da Oceana, ‘O futuro da pesca da tainha passa por compreendermos melhor, monitorar melhor, e fazer um controle rigoroso das embarcações que têm maior potencial de captura, garantindo que as cotas sejam respeitadas’.

Ou seja, blá-blá-blá. Aproveite logo enquanto é tempo. Garanta seu peixe nesta safra. Pode ser a última vez.

Imagem de abertura: Maurício Vieira/Secom.

Sustentabilidade, a quem de fato interessa?

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