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Unidades de Conservação brasileiras: alguns problemas

Unidades de Conservação brasileiras, e alguns de seus problemas – uma contribuição

Elas são importantíssimas para a conservação. Ninguém conseguiu inventar nada melhor. Mas as unidades de conservação brasileiras têm muitos problemas. Elas podem ser municipais, estaduais, ou federais, mas quase todas padecem dos mesmos males. Este escriba é uma das poucas pessoas que conhecem todas as UCs federais do bioma marinho. Entre 2014 e 2016 decidi fazer uma série de documentários para mostrá-las aos brasileiros. Por que? Porque um dos problemas é que a grande maioria não as conhece. Não sabem de suas virtudes, muito menos, problemas. E as coisas que vimos no bioma marinho não são diferentes das UCs terrestres. Como parecem ser a bola da vez, agora que voltou à pauta a questão das concessões, decidi escrever este post como mais uma contribuição da sociedade para as decisões do poder público.

imagem de extrativista catando caranguejo no Mange
Extração de caranguejos em Resex do Pará.

Unidades de Conservação brasileiras

Quero relembrar que a legislação ambiental brasileira, apesar de excessos, foi uma de nossas grandes conquistas. Ela foi trazida ao Brasil pelo titã do ambientalismo, Paulo Nogueira Neto. Seu trabalho começou nos anos 70, os ‘anos de chumbo’. Mas foram também os anos da Conferência de Estocolmo (1972), a primeira grande reunião de chefes de estado organizada pelas Nações Unidas (ONU) para tratar das questões relacionadas à degradação do meio ambiente. Um ano depois, em 1973, Paulo Nogueira Neto conseguiu convencer o então presidente, General Médici, a criar a Secretaria Especial do Meio Ambiente (Sema) no Ministério do Interior. E, à frente da qual, permaneceu até 1985. Foi neste período que conseguiu introduzir a legislação e os órgãos administrativos da área ambiental no País. A Sema foi a semente do atual MMA.

A legislação que Paulo Nogueira Neto trouxe ao Brasil

Nogueira Neto conseguiu introduzir legislação ambiental moderna, copiada de países da Europa e, especialmente, dos Estados Unidos. Os parques nacionais norte-americanos também são conhecidos como ‘the best thing America did’. E são explorados pela iniciativa privada através de concessões. Um estrondoso sucesso.

O modelo de concessões dos parques nacionais norte-americanos

O modelo de concessões dos parques nacionais norte-americanos têm cerca de 480 concessionários. E hoje faturam mais de US $ 1 bilhão por ano. Geram empregos para mais de 25 mil pessoas durante a alta temporada. Com o sucesso das concessões, tais parques foram dotados de todos os serviços imaginários. Eles podem receber com  conforto qualquer cidadão, mesmo cadeirantes e outros com problemas semelhantes. Uma vez dotados dos serviços essenciais, qualquer um pode visitá-los, pagando pela entrada, e por todos os  serviços que vierem a usar. Com isso, em 2018, 318 milhões de visitantes gastaram cerca de US$ 20,2 bilhões enquanto estavam nas terras do Serviço Nacional de Parques dos Estados Unidos.

Unidades de Conservação brasileiras

Com o inicio feito por gente do calibre de Paulo Nogueira Neto, Maria Tereza Jorge Pádua, o almirante Ibsen de Gusmão, e outros,  era hora de criar nossas unidades de conservação. Aqueles pedaços de terra ainda não explorados, com requintes de biodiviersidade que nos tornou o País mais rico em variedade de seres vivos presentes na natureza (Saiba quais são os outros). Maria Tereza foi uma das responsáveis pela criação de oito milhões de hectares de áreas protegidas na Amazônia, ainda nos anos 70! Outros milhões de hectares, inclusive no litoral, foram selecionados pelo próprio Paulo Nogueira Neto. E muitos outros, além dos dois, também deram significativa contribuição.

O primeiro problema das Unidades de Conservação brasileiras

A partir da volta da democracia, em 1985, todos os presidentes, de José Sarney, até Michel Temer, criaram unidades de conservação. E ponto. Inclusive a última delas, e a maior do bioma marinho, cuja campanha de criação começou neste site. A maioria ficou nisso: colocaram sua assinatura no decreto de criação. Nem todos as implantaram de fato, deixando um legado que se arrasta e acumula até hoje. O que significa isso? Significa que não basta criá-las no papel, mas pensar em como dotá-las dos serviços básicos, inclusive, e especialmente, fiscalização, para que possam de fato cumprir sua missão.

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A primeira descoberta

Foi perceber que grande parte tinha ficado no decreto. E são muito pobres. Não há fiscalização, não há equipes ou equipamentos suficientes para cuidar das áreas. E, em alguns casos, não houve o básico, o pagamento pela desapropriação aos antigos proprietários. Sem este pequeno mas essencial detalhe, muitas UCs não funcionam até hoje, mesmo tendo sido criadas há mais de 20 anos. Pela falta de indenização, os antigos proprietários permanecem com direito de continuarem com suas antigas práticas dentro da área que deveria ser protegida. Foi um grande erro. E é por isso que aplaudimos quando a atual gestão decide prosseguir com a prática das concessões que começou em 1998, com a Parque Nacional do Iguaçu.

Quem são os gestores das Unidades de Conservação brasileiras

São os técnicos do ICMBio que gerem as UCs federais do Brasil. Como disse no início, conheci todos os chefes das UCs federais do bioma marinho, mais de 60 na época, mas que representavam apenas 1,5% de mar territorial, e áreas do litoral, protegidas. No geral, fiquei muito bem impressionado com a qualidade de trabalho. Mas, mesmo nas UCs consideradas referências, há problemas muito sérios de gestão. E a culpa não é dos gestores, mas do serviço público brasileiro e seus vícios de origem, que agora mais uma vez também são combatidos. Vem aí, a reforma Administrativa.

Servidores públicos não podem ser demitidos

Em primeiro lugar, servidores públicos não podem ser demitidos, sejam eles eficientes, ou não. Em segundo, fiquei estarrecido com isso, eles não têm metas. Nenhuma meta! Não acreditei quando percebi. Sem uma meta que os obriguem a buscar eficiência, sobra pouco a se fazer. Vejamos algumas casos que encontrei.

Diferenças entre as unidades de conservação brasileiras

Qualquer que seja a categoria, e no Brasil são muitas, 12 tipos, todas têm que ter seu Plano de Manejo. O site do ICMBio destaca: “Após a criação de uma UC, o plano de manejo deve ser elaborado em um prazo máximo de cinco anos. Toda UC deve ter um plano de manejo, que deve ser elaborado em função dos objetivos gerais pelos quais ela foi criada”.

Plano de manejo é fundamental

O Plano de Manejo é fundamental. Trata-se de documento, fruto de estudos consistentes, que determina  o que se pode, ou não se pode, fazer dentro e no entorno de cada uma. É um documento obrigatório, sem o qual uma UC não tem como progredir. Pois saiba que muitas delas não os têm, mesmo as criadas décadas atrás. Por que? Porque custam caro e o poder público nunca investiu. Este é outro fator que mostra a importância das concessões. Mas, apesar disso, muitos chefes de UCs, por inciativa própria, conseguiram fazer da miséria sua riqueza pessoal. Foram à luta e, com muito esforço pessoal, viabilizaram a criação de tais documentos.

Se um chefe consegue, por que outro não consegue?

Porque os grupos humanos são formados por pessoas especiais, e outras nem tanto.  Se houvesse metas, cobranças e direção por parte  do MMA, ou ICMBio, só ficariam nos cargos aqueles que fizeram a diferença e, a despeito da falta de recursos públicos, superaram suas dificuldades. Mas o Plano de Manejo é apenas um exemplo da falta de uma gestão moderna a que são relegados estes profissionais do ICMBio.

Problemas ambientais dentro das UCs

Todas as UCs têm problemas dentro de suas ‘áreas protegidas’. Animais ou vegetais invasivos, são alguns deles. Certos chefes reagiram, poucos, arregaçando a camisa e tirando uma a uma, as plantas, ou animais invasivos. E mais uma vez, não ganharam nada a mais por isso. Enquanto outros, apenas apontavam estes seres, em minhas visitas, sem no entanto tomarem qualquer medida contra eles. Meta neles! O mesmo vale para outras condições precárias da UCs, como voçorocas em seus terrenos, lixo, falta de fiscalização, excesso de visitantes, etc. Mas, sem metas, por que se preocupar se o salário chega igual de todo modo?

UCs sem barcos, ou sem verba para manutenção e combustível

Como disse no início, o foco de minha série de documentários foram as UCs do bioma marinho. A grande maioria não tem barcos para a fiscalização, mas chefes criativos, a despeito disso, criaram condições para tê-los, em parcerias com prefeituras do entorno, empresas ou ONGs, por exemplo; ou usando barcos de pescadores. Enquanto outros dormem o sono esplêndido. Alguns chefes, que os tinham, não conseguiam verba para combustível. Mas uma vez, com empenho e criatividade, conseguiram viabilizar  ações de fiscalização. Mas outros, não. O mesmo acontece com verba de manutenção. Cansei de ver lanchas apodrecendo nos terrenos das UCs. Faltava talvez uma limpeza de carburador. Algo simples e trivial. Os empenhados resolviam, os sonolentos, não. Meta neles!

As categorias de UCs

Sistema de Nacional das Unidades de Conservação, o ”SNUC decidiu-se por 12 tipos diferentes, dividas em dois grande grupos. As de proteção integral, mais restritas, somam cinco. As de uso sustentável, outras sete. Considero um exagero que só traz dificuldades e mais burocracia. Doze é demais. Cito duas, como absolutamente dispensáveis. Uma delas são as Áreas de Proteção Ambiental, ou APAS. São tão permissivas que vale praticamente tudo dentro delas. Se fosse minha a decisão, dispensava.

O Lagamar, litoral sul de São Paulo

Uma das regiões mais ricas da costa brasileira fica aqui mesmo, no sul de São Paulo, o lagamar, um berçário natural de vida marinha. Algum iluminado decidiu ‘protegê-la’ criando a APA Cananéia – Iguape – Peruíbe. Ali acontece de tudo. Desmatamento da mata atlântica, especulação desenfreada, e a barragem do Valo Grande ainda aberta, ameaça acabar com o manguezal de Iguape. Outra categoria, mais polêmica, são as Reservas Extrativistas, ou RESEX.

Donda, ex- presidente dos usuário da Resex Tracuateua, contra do trafico de crack dentro da Resex sem ação da polícia. E fala do sumiço dos peixes…

Reservas Extrativistas

O ICMBio define: “Área utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência …. Sua criação visa a proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, assegurando o uso sustentável dos recursos naturais da unidade.”

Visitei todas as Resex

Elas não protegem os meios de vida, muito menos asseguram o uso sustentável dos recursos. Em todas as Resex da costa brasileira não se sabe a quantidade de crustáceos da área, muito menos a de peixes. Por sinal, os peixes já acabaram em quase todas. Sobram os crustáceos. E as áreas são, como diz o nome da unidade, ‘de uso sustentável’. Ou seja, as pessoas vivem da catação de caranguejos e, outrora, da pesca. Os chefes das Resex em geral não sabem dizer sequer quanto é retirado mensalmente. Se não se sabe quanto tem de vida marinha, nem quanto se retira, como podem dizer que é sustentável?

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Ainda as Resex

Estas unidades podem ser úteis para garantir que os nativos possam nelas permanecer. As terras são áreas públicas, onde famílias vivem há gerações. Sem título de posse, e sem recursos, estão sujeitas às intempéries como a especulação imobiliária, tão ativa no litoral. Neste sentido elas podem funcionar, mas não podem ser consideradas áreas de conservação. Os exemplos são muitos. A Resex de Pirajubaé, em Santa Catarina, era de onde os extrativistas extraiam o berbigão. Hoje não extraem mais. Por o fizeram em demasia e, sem a necessária avaliação da área, o berbigão acabou. Na de Resex Marinha de Tracuateua, no Pará, não há mais peixes, e o tráfico de crack rola solto, sem ação da polícia, mesmo sendo uma unidade de conservacão.

Os berbigões, ou vôngole, que eram extraídos da Resex de Pirajubaé.

Sugestão sobre as Resex

Os nativos que moram dentro das várias Resex da costa brasileira apenas sobrevivem. Mas têm uma vida miserável. Os conflitos entre pais e filhos crescem. Os filhos não querem seguir a profissão dos pais. Pudera, a profissão de pescador artesanal é ingrata demais, perigosa e dura. Uma das possibilidades é o turismo de base comunitária que já acontece em algumas. Eu mesmo estive hospedado em uma casa de pescadores na RESEX do Batoque, no Ceará.

Turismo de baixo impacto

Este tipo de turismo não atrai grandes públicos, mas é um modalidade de baixo impacto, ideal para o litoral. E traz recursos aos nativos que mal conseguem sobreviver da pesca e mariscagem. O MMA deveria aproveitar a maré das concessões, e promover mais este tipo de atividade já que apenas a extração de vida marinha os condena a uma eterna vida de sobreviventes, sem perspectivas de melhora, ao contrário. No ceará existe a rede TUCUM, uma rede de Turismo Comunitário composta por 12 comunidades do Estado. É preciso expandir esta atividade, ideal para gente jovem, estudantes, pesquisadores, etc.

Excentricidades de certas UCs

Uma das categorias de proteção integral, os Monumentos Nacionais, tem regras pra lá de excêntricas. Estas são UCs que podem ser visitadas por turistas. E onde pode haver extração. No caso do bioma marinho, há uma que já foi citada neste site como exemplo de UC bem gerida, o Monumento Natural das Ilhas Cagarras, no Rio de Janeiro. Com pouco tempo desde a criação, em 2010, avançou mais que muitas com o dobro de idade. Nada a reparar na gestão. Mas foi visando-a, que descobri a tal regra excêntrica. Ao redor de cada ilha há um espaço proibido para a pesca, de dez metros de distância do costão. A pergunta é: quem vai medir, ou quem avisará aos peixes para que se mantenham nesta faixa de segurança? Ou seja, está mais que na hora de uma revisão das 12 categorias existentes, e suas respectivas regras.

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