Reserva do Taim, RS, joia do litoral em chamas
Desde que soube do incêndio na Reserva do Taim, iniciado por um raio em 12/12/2022, um sentimento de angústia e impotência se abateu sobre mim. Talvez a maior surpresa que tive na primeira viagem do Mar Sem Fim, iniciada em abril de 2005 no município do Oiapoque, e encerrada em abril de 2007 no litoral Rio Grande do Sul, foi a extraordinária riqueza da costa gaúcha. Era a última ‘perna’ da viagem. Eu estava empolgado pelas inúmeras descobertas; pelo sucesso da série de documentários; mas, igualmente, cansado. Iniciei a descida na divisa com Santa Catarina achando que iria ‘apenas’ cumprir tabela. Não poderia recuar na última etapa. Contudo, considerava que nada mais me surpreenderia, ao mesmo tempo em que esperava uma ‘pernada chata’.
O litoral do Rio Grande do Sul
O litoral do Rio Grande do Sul é formado praticamente por uma linha de praia contínua, perigosa (por não ter abrigo contra o tempo), e ‘monótona’. Mas, tão logo cheguei ao Rio Grande, as surpresas não pararam mais.
Como sempre fazia em cada etapa, depois de cobrir o percurso por barco, alugava um carro e o refazia por terra. Eu queria mostrar o litoral de ambas as perspectivas. Do mar para a terra, para mostrar a linha da costa e as interferências que causamos com a ocupação, e ‘por dentro’, para investigar cada trecho que, por mar, não seria possível.
E muitas vezes, como na derradeira etapa, ainda filmava o litoral pelo céu acompanhando a linha do litoral, alugando ou ‘emprestando’ um helicóptero. Desse modo, o trabalho seria o mais completo já feito até então.
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Depois de descansar alguns dias eu e minha equipe alugamos um carro, descemos direto até o Uruguai e, então, tornamos a subir, ora pelas praias, ora pela fantástica planície costeira do Estado até chegarmos em Torres, divisa com Santa Catarina.
Assim, mudava minha impressão a cada dez ou vinte quilômetros. Jamais pude imaginar uma planície tão linda e tão rica em biodiversidade. Simplesmente, não há nada semelhante nos mais de 8 mil Km da costa brasileira.
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Encantos e riqueza daquela ‘monótona linha quase contínua de praia’
E quase caí de costas ao descobrir os encantos e a riqueza daquela ‘monótona linha quase contínua de praia’. De monótona ela não tem nada. É semi-virgem, em muitas partes, prístina; e sua riqueza em biodiversidade, sem igual.
De imediato, depois dessa etapa, passei a defender junto com outros ativistas ambientais, a transformação da Restinga do Albardão em mais um parque nacional.
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Para além das aves, lobos e leões marinhos que sobem a costa brasileira a partir do sul, também usam o espaço para descansarem e se alimentarem. Do mesmo modo, as tartarugas marinhas (a verde e a cabeçuda). E ainda há toda uma gama de espécies de peixes que também merecem uma trégua da infatigável pesca, seja ela industrial ou artesanal. Para não falar nas muitas espécies de cetáceos, das enormes baleias, até vários tipos de golfinhos.
Mas, merecem destaque especial as espécies de elasmobrânquios ameaçadas de extinção como o cação-anjo, a raia-viola e o cação-bico-doce. A região também é importante para as toninhas, o cetáceo mais ameaçado no Brasil.
Dois únicos pontos de biomassa pesqueira na costa brasileira
Aprendi muito com a viagem. Em especial, que só há dois pontos no imenso litoral com fartura de biomassa pesqueira: a foz do Amazonas, e o litoral do Rio Grande do Sul até Itajaí.
Por quê? Bem, a foz do amazonas, pelos nutrientes que o maior rio despeja no mar, além do Grande Recife Amazônico, ou GARS, recém-descoberto.
Já a região Sul é beneficiada pela corrente fria das Malvinas. Ela traz águas frias ricas em nutrientes, daí a necessidade de proteção. Que a vida marinha possa ao menos cumprir seu ciclo reprodutivo antes das espécies serem fisgadas ou pegas por redes.
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Quase todo o resto da costa brasileira é tropical, de águas quentes pobres em nutrientes, ainda que ricas em biodiversidade. Contudo, pelos motivos expostos, pobre em biomassa.
Depois dessa minuciosa viagem ficou claro para mim quais os…
Hotspots da costa brasileira
Do Sul, para o Norte, toda a costa gaúcha até Itajaí, em Santa Catarina. No Sudeste, o Lagamar Iguape-Cananéia-Paranaguá, e a Estação Ecológica Juréia-Itatins, entre Iguape e Peruíbe.
Ainda no Sudeste, a região de Cabo Frio, RJ, por ser a única do litoral onde acontece o fenômeno da ressurgência. Finalmente, Trindade e Martim Vaz, ao largo do Espírito Santo.
No Nordeste, Abrolhos, único banco de corais do Atlântico Sul, e o Banco Royal Charlotte, riquezas da costa baiana. Fernando de Noronha, apesar dos muitos maus tratos, e o Atol das Rocas.
Finalmente, na Região Norte, os manguezais, a foz do Amazonas, e o Parque Nacional do Cabo Orange.
Lógico que há outros locais importantes na costa brasileira. Mas, em se tratando de hotspots, salvo engano, são estas as joias da coroa. São pontos de extrema riqueza em biodiversidade ali e acolá. Entretanto, toda a costa gaúcha merece o mesmo adjetivo.
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Reserva do Taim
De beleza singular, uma das paisagens mais espetaculares do litoral do País. Para além disso, a Estação Ecológica do Taim é um complexo sistema hidrológico, único, responsável pelo abastecimento de água das maiores cidades do Estado.
Trata-se de uma área de banhados e alagados. Faz parte da grande sucessão de lagoas e lagunas que se formaram ao longo de toda a zona costeira do Rio Grande do Sul.
O TAIM é parte importante deste sistema hidrológico. É a única, e fundamental, ligação entre os corpos d´água formados pelas lagoas Mangueira e Mirim. A geografia é caprichosa: a lagoa Mirim, por sua vez, se conecta à dos Patos via o canal de São Gonçalo, resultando daí um conjunto grandioso e dependente.
Resumindo: o Taim faz parte de um sistema maior que garante não só a vida de quem mora ao seu redor (são milhões de pessoas considerando que o sistema abastece cidades como Porto Alegre, Rio Grande e Pelotas, para citar só as maiores), mas também a vida animal e vegetal, promovendo ainda o sustento das populações através de atividades extrativistas, agropecuárias, de agricultura, silvicultura, etc.
Pelos mesmos motivos, o sistema hidrológico, há grande variedade de fauna e flora que habita, freqüenta e depende da sua integridade para continuar seus ciclos de vida, formada sobretudo por milhares de aves (residentes e migratórias), répteis, peixes, mamíferos, anfíbios, insetos, microorganismos, etc.
Por suas qualidades excepcionais, a Reserva do Taim é Patrimônio Ambiental Mundial.
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ESEC do Taim
A unidade de conservação federal foi criada em 1986, e tem uma área de 11 mil hectares e, ao contrário do Parque Nacional da Lagoa do Peixe, todos os antigos proprietários foram indenizados. Isso faz dela quase uma exceção. É uma UC modelo.
Outra exceção desta UC é a equipe encarregada de mantê-la. Ao tempo de nossa viagem, dez funcionários cuidavam do local. E esta é outra singularidade. Muitas UCs do bioma marinho existem apenas no papel. Não têm equipes ou equipamentos. Muitas, sequer contam com Plano de Manejo.
Henrique Ilha, o chefe à época, contou que os maiores problemas na preservação do ambiente são a pesca (proibida na área do litoral e parte das lagoas), incêndios nas áreas de reflorestamento e invasão do pinnus (sementes levadas pelo vento).
Incêndios, os malditos fenômenos, desta vez provocados por um raio. Eles são devastadores, até porque é impossível, muitas vezes, chegar até próximo das chamas em razão dos banhados, alagados, etc, como agora.
Você pode assistir o mais recente documentário que fizemos sobre o Taim clicando neste link.
O incêndio da Reserva do Taim
Toda a introdução foi pensada para situar o leigo da importância do trecho que está em chamas. Já se passou quase uma semana desde seu início (escrevo em 16/12), e ainda não há uma data para acabar.
Segundo a gauchazh.clicrbs.com, ‘só quatro dias depois do início brigadistas conseguiram chegar por terra ao foco do incêndio. A reserva fica no sul do Estado, entre Rio Grande e Santa Vitória do Palmar.’
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‘Na do dia 15, 13 pessoas, entre brigadistas e voluntários, atuavam no combate às chamas. Um avião agrícola, de produtores da região, também auxilia nos trabalhos. O governo do Estado determinou o envio de reforços.’
‘O fogo segue fora de controle, e a previsão é de que a área ultrapasse os 5,6 mil hectares queimados em 2013, até então o maior desastre na reserva, criada em 1986.’
Atualização mais recente
‘A atualização mais recente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que administra o Taim, estima, via imagens de satélite, uma área queimada de 2,5 mil hectares e uma linha de fogo de 10 quilômetros. Os números foram divulgados na noite do dia 14/12, mas, na prática, podem ser maiores.’
Mas, na prática, podem ser maiores, repetimos. E provavelmente o serão. As imagens do fogo são arrasadoras. Ana Carolina Canary, atual chefe da UC foi ouvida:
“A gente acredita que já queimou bem mais. O combate no banhado é muito difícil. A tentativa é de reduzir ao máximo os impactos, mas eliminar o fogo é muito complicado. Tem áreas inacessíveis, onde o terreno não é adequado. O fogo pode parar com uma chuva ou acabar morrendo em alguma lagoa ou canal. A gente acredita que vá queimar mais que o incêndio de 2013.”
Faltam brigadistas
Pior que isso, segundo a gauchazh.clicrbs.com, ‘faltam brigadistas.’
‘A Estação Ecológica do Taim costuma contratar 12 brigadistas para atuar em focos de incêndio no período mais crítico para queimadas a partir de novembro, por seis meses.’
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‘Conforme a chefia da Estação, neste ano, por conta do período eleitoral, a contratação atrasou. No momento do início do incêndio, apenas um brigadista e um chefe de brigada de incêndio estavam sob contrato.’
‘Os profissionais tiveram dificuldade de chegar ao fogo por conta do banhado, que dificulta a locomoção. Pelo mesmo motivo, o Corpo de Bombeiros não enviou equipes para o trabalho. A operação foi feita por dois helicópteros da CMPC, empresa multinacional de silvicultura que tem áreas de mata contíguas à reserva, mas o serviço foi interrompido dia 14/12.’
Ainda segundo a mesma fonte, ‘Os prejuízos para fauna e flora do Taim ainda não foram mensurados. A Estação abriga cerca de 40 espécies de mamíferos e mais de 200 espécies de aves.’
Isso para não falar em dezenas de tipos de répteis e anfíbios. Felizmente, há uma esperança, conforme a matéria: ‘— Nas áreas em que a equipe faz o combate, não se observaram animais mortos. A gente já conhece de outros eventos de fogo que a vegetação se recupera muito rápido. Queima apenas a parte superior porque o solo está úmido — explica Ana Carolina Canary, chefe da estação.’
Previsão de tempo adversa
Por outro lado, diz o metsul.com, ‘uma série de imagens de satélite coletadas pela MetSul mostra o agravamento do incêndio. A previsão do tempo para a área é muito desfavorável.’
‘As imagens de satélite desta quarta mostraram claramente um aumento da dimensão do fogo e da quantidade de fumaça liberada pelo incêndio. A coluna de fumaça se estendia por ao menos duas centenas de quilômetros da reserva em direção ao Atlântico, dispersando-se nas costas do Uruguai e do extremo Sul gaúcho.’
E prossegue o metsul.com, ‘O incêndio é de tão grandes proporções na Reserva Ecológica do Taim que o sensor termal para incêndios em vegetação do satélite GOES-16 consegue captar as chamas que consomem a área de banhados no extremo Sul gaúcho.’
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Por último, uma notícia auspiciosa. Nesta sexta-feira o Jornal Nacional informou que o incêndio estaria no fim. Até aquele momento 6 mil hectares, pouco mais da metade da UC, haviam sido queimados. O JN encerrou anunciando que ‘os brigadistas acreditam que em 24 horas conseguiriam encerrar o desastre’.
Atualizado em 17/12, 10hs29
Contudo, nem todas as últimas notícias são promissoras. Segundo o diariopopular.com.br, que confirmou as informações do JN, ‘O fato de o incêndio ter ocorrido no final da primavera faz soar o sinal de alerta. Isso porque o período é de reprodução de aves. Portanto, vários filhotes em ninhos podem ter sido consumidos pelas chamas, sem conseguir fugir.’
A mesma fonte ouviu o professor de Ecologia da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), Leandro Bugoni. E embora admita que a situação preocupa, faz questão de ressaltar: “a natureza se recupera”. Bugoni ainda lembra que cada espécie tem seu tempo. “A vegetação se recupera em poucos meses, já criando abrigo e alimento para os animais. As aves terão que esperar o próximo ciclo, final do ano que vem, para reproduzirem novamente”.