Aquicultura avança: Brasil ganha primeira fazenda marinha

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Aquicultura avança: Brasil ganha primeira fazenda marinha

Em tempos de aquecimento global, é raro ver notícias positivas vindas da costa brasileira. Mas aqui vão duas — e estão diretamente ligadas. A primeira vem do sul da Bahia: em Alcobaça, a Prime Seafood, fundada em 2012, tornou-se a primeira fazenda marinha em terra do Brasil.

A empresa é responsável por metade das vendas de lagostas vivas no país. Mas seu maior feito é outro: o desenvolvimento de técnicas para criar a garoupa-verdadeira em tanques — espécie ameaçada de extinção e retratada nas notas de 100 reais. Parte da produção, cerca de 10%, é devolvida ao mar. A Prime Seafood também exporta para cerca de 100 países, com destaque para os Estados Unidos.

nota de cem reais

Conheça a garoupa-verdadeira

A garoupa-verdadeira é um peixe hermafrodita, de crescimento lento e maturação sexual tardia. Está no topo da cadeia alimentar e quase não tem predadores naturais — exceto o ser humano. Por isso, entrou na lista de espécies ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza, na categoria “vulnerável”.

No Brasil, o Ministério do Meio Ambiente proíbe sua captura entre 1º de novembro e 28 de fevereiro. É uma espécie nobre, das mais valorizadas no mercado, conhecida pelo sabor e textura da carne.

distribuição da garoupa verdadeira no mundo
Área de distribuição da garoupa-verdadeira no mundo. Segundo Claudia Kerber, as da África já não existem mais. Imagem,

Redemar Alevinos: pioneirismo em Ilhabela

A segunda boa notícia vem de Ilhabela. Fundada em 2008 por Pedro Antonio dos Santos e Claudia Kerber, a Redemar Alevinos foi a primeira empresa do Brasil a produzir alevinos de garoupa e bijupirá.

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Claudia, especialista em fisiologia e veterinária de peixes marinhos, teve papel decisivo. Graças a sua experiência, a empresa conseguiu adaptar suas técnicas a diferentes sistemas de cultivo — do pequeno ao grande produtor — em várias regiões do país.

equipe da Redemar Alevinos.
A vitoriosa equipe da da Redemar Alevinos. Imagem, www.redemaralevinos.com.br.

Inovação em meio a dificuldades

A Redemar Alevinos foi pioneira nas Américas na reprodução em cativeiro da garoupa-verdadeira. Após anos de pesquisa, a empresa obteve sucesso — criando inclusive um tipo especial de zooplâncton, adaptado ao desenvolvimento dos alevinos, como explica Claudia Kerber.

Esse feito é ainda mais notável num país que investe pouco em ciência e tecnologia. A maioria dos produtores brasileiros ainda depende de técnicas importadas. Em muitos casos, com impactos negativos: a carcinicultura, por exemplo, destrói mangues para criar camarões; e a tilápia, espécie exótica, já escapou de viveiros e ameaça ecossistemas de rios e até do mar.

O desafio da reprodução das fazendas marinhas

Um dos maiores obstáculos no cultivo da garoupa-verdadeira é seu ciclo reprodutivo. Cláudia Kerber explica: “A espécie é hermafrodita. Por volta dos 2 ou 3 anos, o peixe se manifesta como fêmea. Depois de cerca de 15 anos, algumas dessas fêmeas podem se tornar machos. São as chamadas fêmeas masculinizadas.”

Dominar esse ciclo não é simples. Por isso, a Redemar conta com apoio de instituições renomadas, como o Instituto Oceanográfico da USP, FAPESP, Instituto de Pesca, Embrapa, Universidade do Estado de Santa Catarina, Instituto de Biociências da USP e a Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza. Um esforço coletivo para viabilizar, de forma sustentável, a criação de uma espécie ameaçada.

Uma conquista com impacto no mar

Cláudia Kerber explica que a garoupa-verdadeira é uma espécie hermafrodita: “Ela tem ambos os sexos. Por volta dos 2 ou 3 anos, manifesta-se como fêmea. Após cerca de 15 anos, algumas dessas fêmeas podem se tornar machos — por isso, são chamadas de fêmeas masculinizadas.” Dominar esse ciclo reprodutivo, segundo ela, é um dos maiores desafios da aquicultura.

Mesmo assim, Cláudia e seu sócio Pedro Antonio dos Santos alcançaram um marco em 2019: repovoaram o mar em torno de Ilhabela com mais de 20 mil filhotes de garoupa. Agora, planejam expandir esse esforço e devolver a espécie a outras áreas do litoral brasileiro onde ela desapareceu.

A garoupa e a alma caiçara

Felipe Caranha, caiçara de Ilhabela e funcionário da Redemar, se emocionou ao falar sobre o projeto. “A garoupa é mais que uma odisseia para nós. É o peixe da vida do caiçara. Enquanto a pesca industrial destrói, a pesca artesanal cuida, valoriza e leva para a mesa da família.”

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Seu depoimento resume bem o que está em jogo: ciência, tradição e conservação caminhando juntas para restaurar um símbolo da cultura costeira brasileira.

Assista ao vídeo da Redemar Alevinos

Conheça a Prime Seafood, a primeira fazenda marinha terrestre do País

A Prime Seafood, beneficiada pelo sucesso da Redemar Alevinos, tornou-se a primeira fazenda de peixes em terra firme do Brasil. Localizada em Alcobaça sul da Bahia, em uma comunidade de pescadores artesanais, a empresa  já atua há 10 anos criando os alevinos vindos de Ilhabela em tanques de 300 mil litros. A água marinha é bombeada do subsolo, sendo naturalmente filtrada e com condições ideais.

Alcobaça, sul da Bahia
Alcobaça, sul da Bahia.

Autorizada pelo Ibama e pelo Ministério da Agricultura, a Prime Seafood começou a criar garoupas em 2020 com 2 mil alevinos. Em um ano, esses alevinos se transformaram em 1,5 tonelada de peixes. Para a safra seguinte, a expectativa é de 45 toneladas de garoupas, vendidas com cerca de 840 gramas após um ano de engorda. Os peixes são processados numa fábrica ao lado dos tanques, com boa parte sendo exportada para os Estados Unidos. Embora o custo de produção seja alto, 80% do valor de venda, espera-se uma redução significativa com o tempo e aperfeiçoamentos.

Galpões da Prime Seafood em Alcobaça.
Galpões onde ficam os tanques de garoupa da Prime Seafood em Alcobaça.

Antes de se dedicar à garoupa-verdadeira, a empresa cria e vende pargo, guaíuba e ariocó. Além disso, é responsável por 50% das vendas de lagostas vivas no Brasil. Vale lembrar a importância histórica da lagosta para a economia do Nordeste. No passado, a pesca desse crustáceo por barcos franceses quase levou a um conflito com a França. A pesca da lagosta foi central nessa disputa.

A Prime Seafood tem bases nos estados do Pará, Ceará, Pernambuco, Paraíba e Bahia. Eduardo Lobo Naslavsky, é o sócio-diretor, outro é Marina Maciel Colaferri.

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Treinar os pescadores nativos

Uma estratégia inteligente da empresa é treinar pescadores nativos que enfrentam problemas de sobrepesca e poluição. Eles aprendem a criar garoupas, com a compra da produção garantida pela Prime Seafood. Como a empresa já domina a produção, aumentá-la com mais tanques e criadores seria viável.

Após o uso, a água dos tanques volta para o mar e o ciclo recomeça. Como  a garoupa é um peixe carnívoro, sua ração é à base de peixes. Não há como escapar deste processo de criação.

Prime Seafood
Prime Seafood em Alcobaça.

Contudo, não conseguimos informações para saber quantos quilos de peixes são necessários para um quilo de ração. Esse é um desafio na aquicultura, especialmente para espécies carnívoras como a garoupa, ou o salmão, que demandam muitos peixes para produzir um quilo de ração.  No entanto, vale destacar que a criação em terra, como a da Prime Seafood, evita problemas de poluição associados às fazendas de salmão em mar aberto.

Selos de qualidade da Prime Seafood

No final de 2021, a empresa anunciou a construção de uma fábrica de processamento de atum e lagosta em Areia Branca, Rio Grande do Norte. A expectativa é processar anualmente 7.500 toneladas de pescado, focando nas exportações e na reabertura do mercado europeu.

O site da Prime Seafood destaca que ela tem a certificação IFS Food, que atesta o cumprimento dos mais altos padrões de qualidade alimentar. Além disso,  passa por auditorias da SMETA, um dos procedimentos de auditoria social mais utilizados globalmente.

Imagem de abertura: www.fishtv.com 

Assista ao vídeo da Prime Seafood

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