Mulheres de Enxu Queimado, RN, vencem a especulação imobiliária
Enxu Queimado é um pequeno povoado de pescadores na orla de Pedra Grande, município distante 150 km de Natal. Os pescadores se estabeleceram lá desde 1920, vivendo em paz até 2007. Nesse ano, empresas de turismo começaram a assediar a área, trazendo a especulação imobiliária. As mulheres da comunidade, a maioria pescadoras, se mobilizaram contra essa ameaça por 16 anos. Em 2023, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte decidiu a favor dos moradores. A mídia local destacou o protagonismo feminino. O caso virou dissertação de mestrado na Universidade Federal do Rio Grande do Norte e artigo acadêmico na Universidade Federal de Pelotas, mas não ganhou notoriedade em outras regiões do Brasil. A importância desta vitória contra a especulação é raridade; raridade que pode estimular mais resistência por isso merece mais conhecimento.
Conflito começou em 2007, mas se intensificou durante a pandemia de covid-19
A Agência Pública, em matéria de Bárbara Poerner, informa que, em 2007, o italiano Marcello Giovanardi afirmou ter comprado parte do povoado, ganhando o apelido de “gringo” dos moradores. Em 2020, durante a pandemia de covid-19, Giovanardi retornou representando a incorporadora, Teixeira Onze. Ele apresentou uma escritura pública de compra de 184 mil hectares em Canto de Baixo, área de uso comum em Enxu Queimado (O IBGE registra 3.163 habitantes na região), com ranchos e trânsito de barcos dos pescadores. A vendedora, Dulce Maria Gueiros Leite, advogada de Pernambuco, tinha a escritura da propriedade.
Em meados de 2010 a chegada do parque eólico da União dos Ventos nas proximidades levou a um aumento nos preços dos imóveis, o que, por sua vez, atraiu ainda mais a especulação. Além disso, o parque trouxe outros problemas para a comunidade que mostraremos mais adiante.
Mais lidos
Declínio do berçário da baleia-franca e alerta aos atuais locais de avistagemVicente de Carvalho, primeiro a dizer não à privatização de praiasVírus da gripe aviária mata milhões de aves mundo aforaArquipélago de Mayotte, no Índico, arrasado por cicloneComeça a tentativa de tapear os nativos
Leonete Roseno do Nascimento, educadora e líder comunitária, em entrevista à Agência Pública disse que “ninguém tem a escritura pública, ninguém tem documento, porque a comunidade se formou através de posse.”
PUBLICIDADE
Esse caso lembra o dos caiçaras do Sul e Sudeste, enganados desde os anos 60 por ‘incorporadores’ que compravam suas terras a preço vil ou os convenciam a trocar por mercadorias sem valor. Hoje, especuladores fazem o mesmo no Nordeste, como na praia do Preá, CE, e na ilha de Boipeba, BA.
Leia também
Vila do Cabeço, SE, tragada pela Usina Xingó: vitória na JustiçaInvestimentos no litoral oeste do Ceará causam surto especulativoCafeína, analgésicos e cocaína no mar de UbatubaApesar disso, segundo a Agência Pública, muitos da comunidade se uniram contra a reintegração de posse e os interesses da incorporadora. Em 2020, a incorporadora cercou a área que diz ser sua, mas os moradores removeram a cerca e ocuparam o terreno com barracos e piquetes. Esse confronto levou a represálias da Teixeira Onze, que destruiu roças e o barraco do pescador Ramiro Alves, segundo Leonete.
De defensores da manutenção das posses, a réus no processo
Conforme relatado pela AP, Leonete Rosendo, Ramiro Alves e Francisca Suely, da Colônia de Pescadores de Enxu Queimado, se tornaram réus no processo iniciado pela Teixeira Onze.
Em junho de 2021, a Genipabu fez o primeiro pedido de reintegração de posse da área da qual tem a escritura pública e inseriu Leonete como parte.
A luta na Justiça
Na batalha judicial, a Genipabu Hotel e Turismo obteve inicialmente uma liminar para demolir as barracas. Gustavo Freire Barbosa, advogado de Leonete, recorreu, mas o tribunal manteve a decisão a favor da empresa. Em 2023, a Genipabu pediu a prisão de Leonete e o aumento da multa, alegando descumprimento da ordem judicial pela permanência dos barracos.
No entanto, até meados de 2023, o tribunal decidiu a favor da comunidade, garantindo sua permanência e negando o pedido de reintegração de posse da Teixeira Onze. A decisão, já transitada em julgado, não permite mais recursos da incorporadora, segundo a Agência Pública.
A Agência Pública ressaltou o papel crucial das mulheres na resistência, como enfatizado por Miriam, também assistente social. Ela destacou a importância de líderes como Leonete, que na época era uma das cabeças do Comitê da Resistência. Esse grupo, formado durante o segundo conflito com a Teixeira Onze em 2020, inclui mulheres da comunidade e entidades parceiras como o Coletivo Cirandas, professores e estudantes da UFRN, a ONG Rede Mangue Mar, a Federação de Pesca do RN, entre outros.
Não entendi a razão da Serveng ter impedido o acesso ao parque. Tem projeto de geração de energia fotovoltaica aproveitando o linhão existente? Afinal, esse coração de pedra pode ajudar os pescadores, ao invés de sacanear.