Maior navio do mundo, no século 17, foi construído no Brasil

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Maior navio do mundo, no século 17, o galeão Padre Eterno foi construído no Brasil

Na segunda metade do século 17, foi fundado um estaleiro na atual Ilha do Governador, onde hoje está localizado o Aeroporto Antônio Carlos Jobim. Entre outras embarcações, este estaleiro foi responsável pela construção do galeão Padre Eterno, tido por muitos historiadores como o maior navio do mundo naquela época. A fonte desta informação é o livro “A muito leal e heroica cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro”. A obra é do historiador Gilberto Ferrez. Além de escrever o texto, Ferrez também diagramou as páginas, selecionou as imagens e fez pessoalmente os contatos para obtê-las, tanto no Brasil quanto no exterior. A concepção do livro foi do colecionador Raymundo Castro Maya, e foi publicado em 1965 para comemorar os 400 anos da fundação do Rio de Janeiro.”

gravura da baía de Guanabara no século 17
Nos séculos 17, 18 e 19, caçava-se baleias na Baía de Guanabara. Gravura de Leandro Joaquim (1738–1798).

Importância da obra

O livro é tão relevante que, em 2015, houve uma exposição e reedição da obra. A respeito deste evento, o Estadão comentou: “Ferrez usou imagens icônicas do Rio, de pintores dos séculos 18 e 19, como Debret, Rugendas, Taunay e Victor Meirelles. Incluiu até fotografias de nomes pioneiros, como o de seu avô, Marc Ferrez, cujo trabalho é um dos mais importantes da segunda metade do século 19.”

Uma dessas gravuras, que reproduzimos abaixo, mostra o galeão Padre Eterno. E o jornal continua: “O livro foi um marco editorial durante as celebrações do quarto centenário da cidade, numa época em que a bibliografia sobre o Rio de Janeiro era escassa. A obra foi impressa em Paris.”

imagem do galeão Padre Eterno, o maior navio do mundo no século 17
O Padre Eterno (Gravura de A muito leal e heroica cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro)

Para quem deseja debater sobre o número de tripulantes, sugiro que discuta com Gilberto Ferrez ou com o inglês Charles Boxer, um historiador, bibliófilo e professor de civilização portuguesa na London University. Boxer é autor de diversas obras, dentre elas ‘O Império Marítimo Português, 1415 – 1825’, publicada pela Edições 70. Em seu trabalho sobre o Rio de Janeiro, Gilberto Ferrez menciona que “foi o professor inglês Charles R. Boxer quem encontrou este documento inédito. Em uma conferência em Londres, ele comprovou a construção do galeão na Ilha do Governador.

Maior navio do mundo, no século 17, ‘made in Brazil’

De acordo com o  livro, o ‘Padre Eterno’ era impressionante em suas dimensões: possuía seis pontes (ou conveses), 180 escotilhas (indicando a presença de 180 canhões) e tinha capacidade para transportar até 4 mil caixas de açúcar, cada uma pesando 680 quilos. A tripulação era composta por ‘3 a 4 mil homens’. Sim, você leu corretamente: ‘de 3 a 4 mil homens’. Embora essa informação possa parecer equivocada à primeira vista, é exatamente assim que está registrada no livro de Ferrez.

Gravura da praça XV, Rio de Janeiro
A Praça XV e o Passo Imperial na visão de Jean-Baptiste Debret (1768 – 1848).

Outra obra aborda a construção de Padre Eterno

Outra publicação, mais recente, intitulada “Escravidão, volume 1”, de autoria de Laurentino Gomes, também destaca a construção do galeão Padre Eterno, enfatizando sua grandiosidade. No entanto, os dados apresentados diferem dos mencionados no trabalho de Ferrez. Segundo Laurentino, o galeão Padre Eterno tinha um peso de 2 mil toneladas, estava preparado para acomodar 144 canhões e ostentava um mastro imponente, esculpido a partir do tronco de uma única árvore. Este mastro tinha quase três metros de circunferência na base, tamanho suficiente para que, para abraçá-lo, fosse necessário três homens se juntarem de mãos dadas em volta dele. Infelizmente, Laurentino não fornece informações sobre a tripulação em seu livro.

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Os ecos da construção do maior navio do mundo do século 17

Segundo Laurentino Gomes, “era um navio tão grande que especulações a seu respeito começaram a circular pela Europa antes ainda que deixasse o Rio de Janeiro. Em março de 1665, o jornal português Mercúrio Portuguez, de Lisboa, referia-se à construção, no Brasil, “do mais famoso baixel de guerra que os mares jamais viram”, despertando de imediato a curiosidade da comunidade diplomática local. Sete meses mais tarde, quando, finalmente, atracou no cais no rio Tejo, foi saudado com a seguinte notícia: ‘Veio nesta frota aquele famoso galeão… o maior que há hoje, nem se sabe que houvesse nos mares’.

gravura da igreja da Glória, RJ, século 18
A igreja da Glória. Leandro Joaquim (1738–1798).

Uma capela dourada no maior navio do mundo

Ainda por Laurentino: “Parte dos equipamentos tinha sido cuidadosamente fabricada por artesãos coloniais fluminenses. Incluindo as madeiras entalhadas e uma deslumbrante capela dourada, que acusou a admiração de dois padre capuchinhos italianos que o visitaram mais tarde no cais de Lisboa. O restante viera da Inglaterra, que então já despontava como a principal potência marítima do planeta. Mas ainda não tinha um navio daquele tamanho. A maior embarcação inglesa da época, o Sovereign of the Seas, pesava 1,5 mil toneladas, um quarto menos que o galeão brasileiro.”

‘Proeza da engenharia colonial brasileira’

Laurentino Gomes: “Essa proeza da engenharia colonial brasileira estava destinada a ser uma espécie de Titanic do século 17, na comparação do historiador Luiz Felipe de Alencastro. Apesar de suas gigantescas proporções, teria um fim trágico ao naufragar no oceano Índico algum tempo depois de passar por Lisboa, inaugurando a sina que seu congênere britânico do século 20 repetiria cerca de 250 anos mais tarde.

gravura d Debret mostra rio de janeiro
O Rio de Janeiro de Debret.

Mas sua existência era testemunho das ambições da elite escravagista brasileira no auge do ciclo do açúcar e às vésperas da descoberta do ouro em Minas Gerais. Estaleiros semelhantes aos da baía de Guanabara, responsável pela construção do Padre Eterno, funcionavam em vários pontos da costa brasileira.”

Salvador Correia de Sá e Benevides, o mandante da construção

Laurentino conseguiu identificar o mandante da construção. Para o autor de Escravidão, foi Salvador de Sá, também governador do Rio de Janeiro entre 1637 e 1661. “Um dos homens mais eminentes da história da escravidão no Brasil. Nascido no Rio de Janeiro em 1602, de mãe espanhola, filha do governador de Cadiz, Salvador de Sá pertencia à mais fina flor da aristocracia fluminense que emergia ao final dos dois primeiros séculos da colonização.”

gravura do arcos do rio de janeiro
O Rio era uma beleza. Arcos, Leandro Joaquim (1738–1798).

Descendente de Mem de Sá

“Era descendente dos fundadores da cidade, Mem de Sá e Estácio de Sá. Seu pai, Martim de Sá,  governou a capitania do Rio de Janeiro por duas vezes.” Laurentino diz que Salvador de Sá foi um dos maiores traficantes de escravos de então.

gravura de mem de sá

“Ele teria visitado as lendárias minas de Potosí, aos pés da cordilheira dos Andes, de onde era extraído o metal que dá nome ao rio. Graças à ligação com os mineradores andinos, criou uma rede de fornecimento de escravos de Angola para o Império Colonial Espanhol, acumulando um tesouro em moedas de prata.”

Não duvide de nossa então capacidade náutica

Não há dúvidas: o Brasil foi o mais importante centro náutico, e local de escala para as naus da Carreira da Índia. Aprendemos com os melhores mestres daquele período, os portugueses.

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Debret retrata barbearia do Rio de Janeiro
Arco o tarco? Barbearia, Jean Baptiste Debret.

Vale conhecer nossa história náutica

A riqueza de nossa história náutica fascina e surpreende. Numerosas embarcações típicas ainda navegam por nossas águas, atestando essa riqueza. Elas exibem cores vivas, formas singulares e ostentam grandiosas e saudosas velas, acrescentando poesia e elegância ao nosso litoral. Estas embarcações são frutos da grandiosa epopeia náutica lusitana, uma história que, infelizmente, muitos ainda não conhecem ou celebram. De fato, algumas dessas embarcações têm suas raízes nas caravelas  que chegaram ao nosso litoral no século 16.

negros em venda, gravura de Debret
O cotidiano do Rio por Debret.

Joshua Slocum: os marinheiros brasileiros e suas embarcações

Nosso complexo de país ‘vira-latas’ nos fez acostumar a dar crédito quando as informações vêm de fora. Pois bem. Se você não acredita em nossas habilidades náuticas, saiba que um dos maiores ícones da vela mundial, o comandante norte-americano Joshua Slocum, primeiro a fazer uma volta ao mundo em solitário, em meados do século 19, ‘babava’ pelo talento de nossos antepassados. Sobre a aptidão náutica dos brasileiros e suas embarcações ele escreveu (no prefácio de seu livro A Viagem do Liberdade):

Estas canoas, às vezes produzidas a partir de árvores gigantescas, habilmente modeladas e escavadas, são ao mesmo tempo a carruagem e carriola da família para o sítio, ou do arroz para o moinho. Estradas são quase desconhecidas onde a canoa está disponível; consequentemente, homens, mulheres e crianças são todos adestrados quase à perfeição na arte da canoagem. […] a navegação, portanto, é usada com grandes vantagens pelos habitantes quase anfíbios da costa, que amam a água e movem-se nela como patos e marinheiros natos. Até hoje idolatrei a honestidade dos nativos brasileiros, bem como a habilidade náutica nacional e a perícia com canoas.

Fontes: A muito leal e heroica cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro; A viagem do Liberdade, de Joshua Slocum; http://brasil.estadao.com.br/blogs/estadao-rio/livro-historico-sobre-rio-e-reeditado/; Escravidão, Volume 1, Globo Livros.

Roald Amundsen, o primeiro a chegar nos dois polos

Comentários

63 COMENTÁRIOS

    • ‘Apesar de suas gigantescas proporções, teria um fim trágico ao naufragar no oceano Índico algum tempo depois de passar por Lisboa,’…

  1. Na altura não existia sequer Brasil, quanto mais brasileiros…Existia sim o Império Português, bem como a população que era quase na sua totalidade colona Portuguesa! Por tal o navio era de facto Português como consta no registo do museu naval em Lisboa.

  2. Enquanto português, achei graça ao texto em partes como essa: «O Brasil foi o mais importante centro náutico, e local de escala, para as naus da Carreira da Índia. Aprendemos com os melhores mestres da época, os portugueses.»
    Ora, nesta altura, éramos todos portugueses, simplesmente não existia Brasil independente. Além disso a independência do Brasil não resultou numa debandada de portugueses para o continente europeu, havendo pois uma continuidade entre os portugueses que colonizaram o Brasil e os brasileiros actuais, que são os seus mais directos descendentes. Portanto orgulhem-se de serem herdeiros dessa história. Os mestres construtores de barcos eram tão portugueses como os “brasileiros” da época, quiçá com menos miscigenação. Para ficar claro, vocês não aprenderam dos portugueses, vocês eram esses portugueses, os mestres seriam tão vossos como “nossos”, e porventura até se radicaram no Brasil.

    • É um prazer receber comentários oriundos de Portugal. Neste site não me canso de mostrar o quão importantes foram os nautas lusitanos. Infelizmente no Brasil não cultivamos a história náutica. Bem-vindo ao Mar Sem Fim (nome inspirado por Fernando Pessoa, Mensagem). Abraços

    • Histórica e tecnicamente, é mais do que evidente que, na Terra de Santa Cruz, não havia “brasileiros”, pelo simples fato de que não havia, ainda, o Brasil. Entretanto, é comum, atualmente, no Brasil, se referir a que houve 4 séculos de escravidão de negros africanos aqui, algo que “mancha” o Estado Brasileiro e demoniza o brasileiro. Técnica e historicamente, pois, no Brasil, a mão-de-obra escrava perdurou de 1822 a 1888, isto é, nos 66 (sessenta e seis anos após) pós-Independência até o adento da “Lei Aurea”, que pois fim à escravidão, sendo latente o arrefecimento dessa prática hostil no período, ressaltando-se, principalmente, no Segundo Império, as vontades e os desejos de a Família Imperial abolirem a escravidão.-

    • Como diz o Sr.º Carlos, na altura eramos todos portugueses e como tal foi o maior navio do Mundo no século XVII construído pelos Portugueses.

    • Causou-me graça, também, o comentário de que se referir a nossa terra pelo nome de Brasil e a nós por brasileiros, em um texto que faz alusão a fatos ocorridos no século XVII seja jocosa para alguém.
      Mesmo que na época fizéssemos parte das posses de Portugal, sendo uma das suas colônias, não há impropriedade alguma na expressão “O Brasil foi o mais importante centro náutico, e local de escala, para as naus da Carreira da Índia. Aprendemos com os melhores mestres da época, os portugueses.” Nela, “portugueses” é uma referência de naturalidade, num sentido mais restrito de quem nasceu no território da metrópole Portugal, não de nacionalidade em um sentido mais amplo, referindo-se aos súditos da coroa portuguesa independentemente de onde tenham nascido. O mesmo vale quando o texto se refere a brasileiros aos naturais daqui, não sendo assim uma afirmação de nacionalidade.
      Já no século XVI nossa terra era designada pelo nome de Brasil, como vemos na linha de tempo abaixo onde são enumeradas as designações que aqui tivemos.
      Pindorama (nome dado pelos indígenas antes de sermos colônia de Portugal);
      Ilha de Vera Cruz, em 1500;
      Terra Nova em 1501;
      Terra dos Papagaios, em 1501;
      Terra de Vera Cruz, em 1503;
      Terra de Santa Cruz, em 1503;
      Terra Santa Cruz do Brasil, em 1505;
      Terra do Brasil, em 1505;
      Brasil, desde 1527.
      Então, sim, já éramos Brasil mesmo sendo uma colônia portuguesa, assim os seus naturais eram identificados como brasileiros, mesmo essa expressão não sendo reconhecida como uma nacionalidade.
      Caso tivesse maior intimidade com a nossa história, saberia que os portugueses nascidos na métropole não tratavam os que aqui nasciam, independentemente da etnia, por portugueses iguais, mesmo que essa fosse a nossa nacionalidade. Mesmo na época não nos sendo negada a nacionalidade portuguesa, já éramos tratados por brasileiros. Como falei, essa não era uma designação de nacionalidade, mas sim de naturalidade. Então, não há nenhuma impropriedade no fragmento de texto acima referenciado.

        • Não diria tal, de uma forma genérica, no Portugal europeu não havia distinção, subindo muitos brasileiros na escala social, segundo os seus méritos. Vários foram “Ministros” ou diplomatas do mais alto nível nascidos no Brasil. Veja os casos do Reitor da Universidade de Coimbra que fez a reforma pombalina, um carioca, D. Francisco de Lemos, ou de outro carioca que foi Presidente da República Portuguesa, Bernardino Machado, algo que não seria possível no Brasil para alguém nascido fora do país. Tantas das nossas glórias são comuns e e devem ser homenageados nos dois países.

    • Bom, não menosprejando o Brasil nem o povo Brasileiro, devo relembrar vossas excelências, que o Brasil só se tornou independente em 1820, e que até essa data esse lindo território era Portugal, eu compreendo que seja difícil de aceitar que meia dúzia de gatos pingados (os PORTUGUESES), tenham presença comprovada em todos os cantos do Mundo, sejam humildes e digam com orgulho nós fomos Portugal e aprendemos muito com os gatos pingados, viva a língua Portuguesa, o Império linguístico Português ou seja Viva Portugal e o Brasil, saúde para voçemesesses.

  3. Os galeões espanhóis que eram temidos na quela época, contavam com 80 a 90 canhões e o Padre eterno com o dobro, era um monstro a ser batido nos mares, só não conta em detalhes como náufragou.

  4. Caro Joao
    Como sempre o Mar sem fim trazendo histórias exclusivas e que fazem seu leitor fiel.
    Parabens pela notícia e um abraco

  5. Obrigado pela matéria João. Se erraram ou não nos números, o certo é que o Brasil fez uma belíssima embarcação e o resgate histórico nos lembra do protagonismo que tivemos nos mares do passado. Parabéns

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