Invasão da tilápia no mar brasileiro, do Maranhão até Santa Catarina

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Invasão da tilápia no mar brasileiro, do Maranhão até Santa Catarina

Por omissão das autoridades ambientais nas três esferas de poder, o litoral e o mar brasileiros seguem largados ao deus-dará. Quem dita as regras na costa é a especulação imobiliária. No mar, o poder é difuso, e os mais fortes costumam se impor. O Ibama, responsável pela fiscalização, conta com apenas  três barcos! Enquanto isso, o Ministério do Meio Ambiente segue sem políticas públicas para enfrentar espécies invasoras que já ameaçam a fauna marinha, como o coral-sol, o peixe-leão e o mexilhão-dourado, entre muitos outros. Todos os países do mundo sofrem perdas econômicas, às vezes enormes, além da ameaça à biodiversidade, em razão da introdução de espécies invasivas. Segundo a National Wildlife Federation, ‘espécies invasoras estão entre as principais ameaças à vida selvagem nativa. Aproximadamente 42% das espécies ameaçadas de extinção estão em risco devido a espécies invasoras’. Para piorar, surgiu uma notícia ainda mais alarmante: a tilápia — peixe africano de água doce, originário do rio Nilo — já invadiu o mar brasileiro, do Maranhão até Santa Catarina.

Tilápia em praia brasileira
Uma tilápia na praia. Perigo à vista!

O Mar Sem Fim canta esta bola desde 2006

Quando da nossa primeira viagem pela costa brasileira (2005 – 2007) fizemos o alerta ao chegar em Salvador e entrevistar Max Stern, da Bahia Pesca. A estatal tem como missão “fomentar a aquicultura e a pesca, mediante a implantação de projetos sustentáveis, observando a natureza econômica, social, ambiental e cultural, como forma de contribuir para o desenvolvimento do estado da Bahia.”

Criação de tilápias no estuário de Cairu
Criação de tilápias no estuário de Cairu, Bahia. Acervo MSF.

Como a realidade é sempre diferente dos desejos expressos em ‘missões de empresas’, ao chegar ao estuário do rio Cairu, próximo a Morro de São Paulo, quase caí de costas ao analisar de perto a criação de tilápias que o Estado promovia em áreas sensíveis, como são os estuários.

Especialistas da universidade mostram o perigo

Miguel Accioly, especialista da UFBA, investigava o tema na época da minha viagem. Ele aponta que, por trás da iniciativa do governo baiano, atuam ONGs financiadas por empresas e empresários muito influentes dos setores de mineração e petróleo — como a, na época, Odebrecht, hoje chamada Novonor —, cujas atividades enfrentam rejeição popular e, por isso, investem pesado na construção de uma imagem mais positiva.

Miguel Petrelli Júnior, professor do Núcleo de Ecologia Aquática e Pesca da Universidade Federal do Pará, alerta para os riscos da criação de tilápias em rios, mesmo quando represados. Segundo ele, a tilápia não é predadora nem carnívora, mas sim um peixe onívoro que come praticamente tudo o que encontra. Por se adaptar com facilidade e se reproduzir rapidamente, acaba dominando o ambiente. Quando escapa, o impacto é inevitável.

A espécie também apresenta alta tolerância à salinidade, resultado da evolução a partir de ancestrais marinhos. Essa característica permite que as tilápias usem rios de água salobra como corredores ecológicos, ampliando ainda mais sua capacidade de dispersão.

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Em 2023, a comunidade científica confirma a invasão das tilápias no mar brasileiro

A pesquisadora Ana Clara Sampaio Franco, do Laboratório de Ictiologia Teórica e Aplicada, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, e seus colegas publicaram um artigo na revista Aquatic Ecology no qual discutem as ‘evidências de Tilápias detectadas em ecossistemas marinhos e salobras costeiros brasileiros. Foram obtidos dezenove registros, sendo a presença deste invasor sugerida como maior após os períodos chuvosos.’

Criação de Tilápia em Cairu
Na hora da despesa é comum a fuga de alguns exemplares. Assim começam os problemas. Acervo MSF.

‘Nossas descobertas’, diz o artigo, ‘destacam o potencial de um invasor tipicamente de água doce se espalhar pelos ecossistemas marinhos, levantando preocupações em relação ao licenciamento de projetos de aquicultura em rios e estuários, uma vez que a tilápia pode afetar significativamente a biota nativa brasileira’.

Segundo o que Ana Clara explicou ao g1, “Nós temos registros que vão desde o Maranhão até Santa Catarina, passando por Espírito Santo, São Paulo e pelo Rio de Janeiro. Detectamos que esses casos não eram isolados, o que consideramos preocupante.”

Tilápia é o peixe mais cultivado no Brasil

Em tempo: a tilápia é o peixe mais cultivado no Brasil, que ocupa o quarto lugar na produção mundial, atrás apenas da China, Indonésia e Egito — graças ao rápido crescimento da espécie. Ana Clara também criticou a adoção de pacotes tecnológicos voltados para a criação de espécies não nativas, como ocorre na carcinicultura, que preferiu usar o Penaeus vannamei, camarão originário do Pacífico.

“As estruturas de criação não são imunes a falhas, por isso acontecem escapes. Há também descartes de aquicultores equivocados, que soltam essa espécie exótica invasora nos rios. O Brasil, apesar de deter uma das maiores biodiversidades do mundo, compra pacotes tecnológicos para aquicultura de espécies que não são daqui. Em vez de explorar nosso potencial.”

Dois ex-presidentes também sugeriram a criação de tilápias, um deles, em reservatórios da Amazônia!

O boom da criação de tilápia no Brasil e no mundo

A revista Exame, em matéria de 2012, confirmou o boom da criação de tilápia no Brasil e no mundo. “Foi num lance prodigioso de avanços comerciais e técnicos que a produção global de Tilápia mais do que dobrou na última década, passando de 1,5 milhões de toneladas em 2003 para 3,2 milhões de toneladas em 2010, devido principalmente à expansão da aquicultura.”

Omissão do poder público confirmado

Para Ana Clara, “chegamos à conclusão que não existe no Brasil uma base boa, unificada e atualizada de dados sobre as estruturas de aquicultura, as espécies que são cultivadas e onde são cultivadas em pequena e média escala. A ausência desse levantamento não nos permite traçar com exatidão as possibilidades de ocorrência da tilápia.”

“Nativo da África”, diz a matéria da Exame, “esse peixe invasor foi trazido para o Brasil na década de 70. O animal, de carne suave e firme, se adaptou tão bem em nossas águas que, atualmente, representa, ao lado da carpa, outra espécie exótica, mais de 60% do cultivo de pescados em viveiro em todo o país.”

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As criações são intensivas

Como as criações são intensivas, fertilizantes e restos de ração acabam poluindo os locais onde ficam as criações. Essas substâncias provocam a eutrofização, ou seja, a água fica sem oxigênio suficiente para sustentar a vida.

O mesmo processo acontece nas criações de salmões, como já explicamos anteriormente. Infelizmente, as criações de peixes ainda estão longe de ser sustentáveis.

Portanto, devido a mais esta falha das autoridades, nosso problemático mar territorial, que enfrenta a pandemia de plástico, acidificação e poluição, terá mais uma espécie invasiva para competir com as nativas.

É com este ‘zelo’ que a zona costeira as autoridades ambientais tratam o mar brasileiro.

Assista ao vídeo para saber mais

Tilápia se adaptou ao mar e está se espalhando pela costa brasileira

Bali, Indonésia, ‘paraíso’ ou depósito de lixo?

Comentários

20 COMENTÁRIOS

  1. O artigo manifesta, mais uma vez, a preocupação com meios ambientes que estão sendo modificados por invasores. E sugere que se estudem maneiras de se amenizarem esses impactos hoje sutis, e invisíveis a quem deveria tratar como assunto sério, mas no futuro podem ser nefastos. E há sutileza de nos informar que sutilmente tem um montão de gente sendo financiadas para simples obtenção de lucros e não efetivamente em simplesmente propor soluções.
    E o velho espanto de se perceber que quem deveria, e é pago com dinheiro público, estar atento a esses assuntos simplesmente o ignoram.

  2. Eu sou biólogo e mestre em aquicultura (com ênfase em produção da tilapicultura) e eu entendo a preocupação com relação a tilápia por todo o histórico, mas ao meu ver esses aparecimentos me remetem mais a descartes de animais e não que elas estejam se propagando propriamente dito (que inclusive é um dos “mandamentos” centrais da biologia que é justamente a reprodução descontrolado que torna uma espécie ou qualquer grupo viável para se tornarem de fato “pragas” em um futuro), então devemos investigar mais…

    Lembrando também que o cultivo de tilápias é inviável sem o uso da reversão sexual logo nos primórdios desses animais. Ou seja, obtemos praticamente lotes com machos (isso não quer dizer que não haja alguma fêmea no meio, mas é muito pouco provável que isso aconteça e se acontecer essas fêmeas certamente poderão estar inaptas a reprodução).

    Portanto, precisa-se entender se essas aparições, conforme disse anteriormente, apenas são provenientes de descartes ou ao meu ver (bem provável) se elas estarem a se reproduzir em um ambiente totalmente desafiador que é o mar.

    E antes que alguém comente alguma coisa me atacando, digo que a tilápia só chegou a se tornar “praga” nos rios porque não havia pacotes tecnológicos na época como a reversão sexual que que certeza inviabilizaria o estabelecimento desse grupo de animais em nossos corpos hídricos. E ao mesmo tempo não podemos recriminar a sua prática, pois trata-se de uma produção de uma proteína de alto valor biológico e uma ótima escolha para combater a insegurança alimentar, não apenas no BR, mas em todo o mundo. Além é claro, de termos uma indústria muito tecnológica nos tempos atuais desde peixes geneticamente melhorados até rações de alta performance.

    • Perfeito Giovane. Além disso temos que considerar esse cultivo como instrumento fundamental para a segurança alimentar de nossa população. Com certeza os benefícios são imensamente superiores a eventuais falhas (delimitadas pelas circunstâncias que vc tão bem definiu)

  3. Caro João Lara,

    Não entendi o porquê da sua resposta deselegante e raivosa a uma simples observação do leitor Cláudio. Ele se referiu à invasão da tilápia no mar, e as pesquisas a que você se refere são de invasões a corpos de água doce. Além disso, o fato de haver uma pesquisa publicada não a torna automaticamente uma verdade, essa é uma postura profundamente anti-científica de sua parte: qualquer proposição deve poder ser refutada sempre, senão não é ciência.
    Ademais, ele lembrou algo que me chamou a atenção logo de início: Se a tilápia existe há milhares, talvez milhões de anos na bacia do Nilo, porque não houve invasão de tilápias no mediterrâneo?
    A postura jornalística deveria ser sempre aberta à diversidade de ideias, de preferência com polidez e elegância. Já temos muita raiva e guerrilhas partidárias de todo tipo nas redes sociais.

  4. Dos males, o pior. No Brasil só dá para fazer assim, é só tragédia … Melhor as tilápias no mar, do que nos rios, onde elas não teriam predadores, e acabariam com tudo. No mar pelo menos, elas estarão com alguma desvantagem. Imagino a tragédia que deve ser a situação dos camarões nativos, que é mais invisível de se observar, e que enfrentam a criação dos exóticos a décadas…

  5. Moro em um condomínio fechado na Grande São Paulo. Há 31 anos, quando aqui cheguei, o lago na frente de casa era coalhado de guarus, lambaris e camarões, anos depois, alguém lançou algumas tilápias e hoje, só existem tilápias.

  6. Sobre usar peixes nativos, qualquer um que já tentou fazer algum criadouro sabe que o próprio IBAMA barra estas medidas, tudo referente a fauna brasileira entra numa barreira absurda que inviabiliza qualquer criação. Portanto, a tilapia é amplamente usada pois não há estes controles excessivos. Vejo só o apontamento das falhas mas alguém chegar e propor soluções e peitar elas, ninguém, se acovardam por detrás dessa indignação seletiva.

  7. O problema é que não querem aceitar que tudo caminha para o fim, isso é inevitável, aceitar ou não é só questão de opinião. Tudo acontece no tempo de Deus é tudo se cumprirá!

  8. Sou Engenheiro Ambiental.
    Essa será uma consequência terrível para o futuro da fauna e flora marinha.
    Quando criança meu finado pai me levava para pescar na Represa Billings.
    Havia Dourados, Pacus, Tucunarés, hoje só existe Tilápias que destruíram a vida aquática dos outros peixes.

  9. Bem assim.
    Governos têm outras preocupações:
    Se manter no poder.
    Arrecadar impostos.
    Criar novas taxas e novos impostos.
    Se blindar nas corporações.
    Criar mais reservas indígenas
    Fechar os olhos para os graves problemas nacionais.
    Manter a mídia sob o tapete, com vultosas benéficias.
    Muitos projetos de melhoria nunca serão executados, pura falta de políticas públicas. Olha que o governo atual faz tempo que não sabe o que é isso, ou sabe?

  10. Isto acontece muito no Brasil , gente falando do que não entende, nunca estudou biologia ou zootecnia mrjis ainda aquicultura, não lê pesqisa cientifica e publica uma bobagem dessa… a Tilapia é de água doce tendo sua reprodução obrigatoriamente em ambiente de agua doce , seu ovos não se desenvolvem em agua salgada devido à diferença osmotica , não tendo em seu interior quantidade significatica de sal ,perdem seus fluidos para o meio mais salino no mar +- 32 ppt , consequentemente murcham e goram . Essas tilapias que encontram as vezes são de criadouros , e escaparam , ou de uma desova natur em um rio , que srmpre desaguam mo mar .
    Originaria do Rio Nilo , nunca invadiu ou trouxe qualquer problema para o mediterrâneo , mar onde fica o delta fo Nilo.

  11. Caro companheiro , não se trata de uma invasão companheiro , trata-se de um incentivo federal ao povo Tilapense companheiro , para que possam crescer livre e posteriormente enriquecer o prato do bolsa família e no projeto fome zero companheiro , agora o governo federal está de dando a vara e também o peixe caro companheiro .

  12. Infelizmente é nossa realidade. Qualquer pessoa, mesmo com pouco conhecimento técnico, pode deduzir que essas criações intensivas de peixes exóticos em rios são uma bomba relógio. E sim, a culpa é dos governos, mas o que mais me incomoda é a quase total falta de exposição dessas questões nos jornais, nosso jornalismo é fraco demais, falta no Brasil locais como seu site. De maneira geral o interesse político vence, são décadas de descaso, 3 barcos? O Brasil brinca de fazer política ambiental, política real não tem. Nessa questão de peixes, eu lembro que muitos anos atrás, ouvia alguns profissionais dizendo que a burocracia brasileira impedia a exploração de espécies nativas, seja para o que for, mercado pet, produção de alimento, o que acabava por fazer uma pressão de importação de animais exóticos, esse sim, liberados para tudo, e por consequência, a ameaça a nossa fauna por exóticos que competem com eles. Hoje parece que não sabemos nada dos nossos animais e sabemos tudo dos invasores.

    • Muito obrigado por mais essa excelente matéria, Sr Mesquita. E não se importe com esses comentários “brucutus”, típicos da rede. É um fenômeno já conhecido a invasão massiva desses espécimes predadores da verdade e desprovidos de inteligência no mar sem fim da internet…

  13. Li matéria sobre invasão das tilapias no mar e encontrei seu nome associado a pesquisa sobre o assunto, e achei importante mencionar algo que não consta das matérias.

    Em Santos SP e em São Vicente SP, temos inúmeros canais construídos para controle de inundações no perímetro urbano e que se ligam ao mar, nos quais existem cardumes com milhares de tilapias.

    Ou seja, berçário de adaptação da espécie para migração para o mar.

    Falo de fato, que conheço há mais de 20 anos.

    Achei importante mencionar a ocorrência como sugestão para adição em pesquisas sobre o assunto.

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