Ilhas do Pacífico, palco do próximo conflito mundial?
‘Na era da globalização e da sociedade da comunicação, onde tudo está mais perto e as distâncias parecem desaparecer, a massa de água entre continentes não perdeu o valor estratégico. Historicamente, mares sempre foram um canal para o desenvolvimento humano, bem como instrumentos de domínio geopolítico. Não é por acaso que as grandes potências mundiais dos últimos 200 anos também foram potências navais. Continuamos a viver a disputa pelo espaço marítimo na atualidade e nada sugere que a geopolítica dos mares deixe de ser determinante.’ Palavras do almirante James Stavridis, em seu livro Sea Power: The History and Geopolitics of the World’s Oceans. Antes de mais nada, hoje o foco são as ilhas do Pacífico.
O poder do imenso Pacífico
O almirante lembra que ‘Os Estados Unidos começaram a marcar presença no Pacífico desde a aquisição da Califórnia (1840). Entretanto, só com a anexação do Havaí (1898) é que o imenso país foi catapultado definitivamente para o Pacífico.’
Para ele, ‘A primeira vez que este oceano emergiu como zona de guerra aconteceu em 1941, com o ataque japonês a Pearl Harbor’
Com o retorno da paz, diz o almirante, o renascimento japonês e o surgimento da China, Taiwan, Coreia, Cingapura e Hong Kong fizeram o comércio transpacífico ultrapassar o Atlântico pela primeira vez na década de 1980. Assim, essa tendência continua. Isso porque as maiores potências mundiais têm no Pacífico parte de seus litorais. No cenário geopolítico, uma grande corrida armamentista ocorre neste oceano. Enquanto isso, a Coreia do Norte torna-se uma grande fonte de tensão e incerteza não apenas lá, mas em todo o mundo.
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Contudo, no século 21 mais que nunca o foco se mudou para o Pacífico e as nações que podem dominá-lo: Estados Unidos, pelo lado Ocidental; China, pelo Oriental. Por isso, por sua importância vital, as tensões não param de aumentar no maior oceano da Terra.
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Enquanto isso a influente Economist, alerta: ‘Os países da região podem um dia precisar escolher um lado, principalmente se a China invadir Taiwan. Um novo relatório sugere que, se o presidente Joe Biden quiser que os dez que compõem a Associação das Nações do Sudeste Asiático (asean) se alinhem atrás dos Estados Unidos, ele terá que reverter uma tendência preocupante.’
‘Prepare-se agora para a guerra no Pacífico’
O subtítulo está entre aspas porque trata-se de um texto do site U.S Naval Institute. Ilustra a matéria uma foto de um navio anfíbio da marinha chinesa conduzindo o exercício naval. Será este o presságio do próximo conflito do século 21?
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Descoberta subaquática do templo nabateu em Pozzuoli , ItáliaVulcões submarinos podem ser a origem da lenda da AtlântidaPavimentação da Estrada de Castelhanos provoca tensão em IlhabelaJá o subtítulo não deixa muitas esperanças: ‘A janela para se preparar para a guerra no Pacífico ocidental está se fechando rapidamente. Os Estados Unidos devem construir e preparar forças navais que possam deter a China ou derrotá-la, se necessário.’
Congressista Michael Gallagher
O autor é o congressista Michael Gallagher. ‘Desde que vim para o Congresso, passei muito tempo falando sobre tópicos navais. Tive o privilégio de falar para a Surface Navy Association, e o Naval Institute, e escrever para War On the Rocks, por exemplo. Nessas conversas, percebi que não podemos mais nos dar ao luxo de pregar apenas para o “coro” do poder marítimo. Como alertou recentemente o almirante Phil Davidson, ex-comandante do Comando Indo-Pacífico dos EUA, podemos ter seis anos ou menos antes que a China tome medidas contra Taiwan. Alguns passaram a chamar isso de “janela de Davidson”. Outros, incluindo o chefe de operações navais, almirante Michael Gilday, e o comandante do Corpo de Fuzileiros Navais, general David Berger, concordam com a avaliação. Pense nisso por um minuto. Os Estados Unidos podem ter apenas alguns anos para se preparar para uma guerra que pode decidir o curso do restante deste século.’
“Janela de Davidson”
A expressão “janela de Davidson” refere-se ao discurso do ex-chefe do Comando Indo-Pacífico dos EUA, almirante Phil Davidson ao Congresso em 2021. Na ocasião ele foi enfático ‘ao alertar que ‘Pequim pode agir contra Taiwan talvez nos próximos seis anos’.
Dois anos já se passaram
Desse modo, se estiver correta a previsão, temos quatro anos antes do cataclisma.
Em seguida à explicação do que fazia no Congresso, Michael Gallagher diz: ‘A geografia dita que tal guerra seria travada em primeiro lugar pelos Serviços Marítimos. Os Estados Unidos não podem mais simplesmente aceitar da boca para fora a ideia de supremacia naval; temos que ganhá-la, todos os dias. Para evitar o desastre – e não se engane, é para onde nosso curso atual nos leva – a Casa Branca, o Congresso e o Pentágono devem agir com senso de urgência e defender, construir e fornecer recursos ao poder naval americano antes que seja tarde demais.’
Por último, diz ele, ‘A janela Davidson fechará rapidamente. Devemos construir uma força de batalha que esteja pronta para a guerra – não em 2045, mas em 2025. A preparação para tal guerra exigirá escolhas difíceis hoje. Devemos aumentar nossa presença naval no Japão, Guam e Austrália – mesmo que isso aconteça às custas da presença naval em outros lugares.’
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Conflitos entre China e Índia, os dois mais populosos países do mundo
Artigo de Oliver Stuenkel, no Estadão (18/06) lembra que não são apenas as duas superpotências a se armarem na região, ou a enfrentarem problemas bilaterais. ‘A mais importante delas hoje (referindo-se a ‘outras ameaças altamente relevantes) é a grave deterioração das relações entre a China e a Índia, as duas nações mais populosas da Terra.’
‘São ambas detentoras da bomba atômica e potências emergentes com grandes ambições geopolíticas e um conflito de fronteiras não resolvido desde 1962, quando a China invadiu e derrotou a Índia militarmente.’
‘As duas encontram-se hoje em rota de colisão. Em 2020, pelo menos 20 soldados indianos e quatro chineses morreram em confrontos na fronteira na região do Himalaia.’
Contudo, apesar deste conflito ter sua origem no Himalaia, a continuação tem potencial para ser resolvido no mar, uma vez que ambas são nações do Indo-Pacífico.’
Stuenkel lembra que no passado a maior rivalidade era entre Índia e Paquistão, quando ‘o medo de uma nova guerra depois do conflito entre os dois países em 1999 — dominava o debate público. Hoje, a situação mudou, e a China é vista, pela maioria dos indianos, como a principal ameaça à segurança nacional.’
Em outras palavras, mais fervura no caldo do Pacífico.
Enquanto isso, em Pequim…
Atualmente, a China é a segunda economia mundial. Nos últimos anos o país teve um crescimento exponencial. Recentemente lembramos, em post sobre a regulamentação do mercado de carbono, que em 1972, época da détente, quando Nixon visitou a China deixando como legado a abertura econômica do colosso asiático, ‘o PIB per capita da China era baixíssimo, havia muita fome e não havia quase indústria no país; o Brasil produzia mais aço que a China.’
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Contudo, como dissemos, ‘depois daquele encontro a China deixou de ser uma economia insulada e se abriu. Hoje está a um passo de ultrapassar a economia norte-americana.
Segundo o o proeminente economista chinês Zhu Min, ex-vice-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), ‘Espera-se que a China ultrapasse os Estados Unidos até 2035 para se tornar a maior economia do mundo, com base nas atuais trajetórias de crescimento de ambos os países.’
A princípio, o chinês não está só em sua previsão. Simon Cox, editor de economia do The Economist, concorda: “Em 1987, Deng Xiaoping, então o líder supremo, disse que a China se esforçaria para quadruplicar seu PIB per capita nas últimas duas décadas do século 20, e então quadruplicar novamente nos primeiros 30-50 anos do século 21. Mais recentemente, em novembro de 2020, Xi Jinping disse que era “totalmente possível” que a China dobrasse seu PIB entre 2020 e 2035. Se ele estiver certo, o país poderia ultrapassar os Estados Unidos e se tornar a maior economia do mundo em meados da próxima década. Essa perspectiva deixa muitos nervosos nos Estados Unidos.”
As Ilhas do Pacífico
Elas já desempenham um papel importante. Mostramos, em 2018, a importância estratégica do Mar do Sul da China, onde o país chegou a construir uma série de Ilhas artificiais.
Construir uma ilha que possa suportar pistas de pouso e outras instalações militares requer muita areia. Para recolhê-la, a China usa uma frota de dragas. Estes são navios projetados para recolher e transportar materiais do fundo do mar (Saiba mais sobre a mineração de areia).
Portanto, fica claro que a China há muitos anos já opera na região visando este possível confronto. Além da construção de novas ilhas, há muitos conflitos entre os países da região sobre quem tem a posse de várias outras ilhas. Vietnã, Filipinas, Malásia, China , e Japão, reivindicam partes do Mar do Sul da China.
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Por fim, mais recentemente, a China passou a investir em vários dos pequenos países insulares do Pacífico. Matéria do Instituto Lowy, de 2022, mostra que ‘A China é agora o principal doador no Pacífico…De acordo com o governo chinês, Pequim financiou mais de 100 projetos de ajuda na região, doou mais de 200 lotes de apoio em espécie e treinou cerca de 10.000 profissionais locais desde a década de 1970.’
Assista ao vídeo do Instituto Lowy sobre a importância do Pacífico
Assista a este vídeo no YouTube
US$ 3,148 bilhões para o Pacífico entre 2008 e 2020
‘Por exemplo, a China forneceu um total de quase US$ 3,148 bilhões para o Pacífico entre 2008 e 2020, incluindo US$ 3,145 bilhões e US$ 2,7 milhões que foram canalizados respectivamente bilateral e regionalmente.’
Nada disso é de graça. A China sabe da enorme importância do Pacífico, não só pelas inúmeras nações insulares pobres e sem perspectivas, mas sobretudo pela riqueza das Zonas Econômicas Exclusivas que estes países sequer conseguem explorar. Portanto, a ‘ajuda’ chinesa não se dá por motivos humanitários, mas por interesse estratégico e geopolítico.
A marinha chinesa, a maior do mundo?
Como já mostramos inúmeras vezes, se um país pretende ser uma potência mundial tem antes que conquistar o mar. Desde a antiguidade clássica é assim, que o digam os fenícios, os egípcios, gregos e romanos, ou alguém esqueceu-se do Mare Nostrum?
Obviamente que a China sabe deste detalhe, e vem se preparando para superá-lo. Matéria de Michael E. O’Hanlon, membro sênior do The Brookings Institution, especializado em questões de defesa e política externa, mostra que hoje ‘A República Popular da China tem a maior marinha do mundo, com uma força de batalha total de aproximadamente 350 navios e submarinos, incluindo mais de 130 grandes navios de superfície. Em comparação, a força de batalha da Marinha dos EUA era de aproximadamente 293 navios no início de 2020.’
Entretanto, ter mais navios não significa necessariamente mais potência de fogo.
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Ascensão da China representa um risco excessivo
Michael diz ainda que ‘Para alguns, a ascensão da China representa um risco excessivo para a ordem global. Graham Allison, um brilhante estrategista e historiador de Harvard, cunhou a frase “Armadilha de Tucídides” para enfatizar os riscos quando uma potência em ascensão desafia um rival existente e estabelecido.’
(A matéria da Reuters pode ser lida neste link)
Para este analista, ‘A China tem a maior base manufatureira do mundo, a segunda maior economia por medidas tradicionais de taxa de câmbio, maior economia quando ajustada para paridade de poder de compra e capacidades tecnológicas impressionantes, inclusive em setores digitais e cibernéticos cruciais. Agora tem a segunda maior população do mundo, depois da Índia.’
Para encerrar este post, escolhemos mais um trecho do longo artigo de Michael E. O’Hanlon que você pode ler na íntegra clicando no nome dele. O trecho selecionado relembra o passado da antiguidade clássica, mas reforça a esperança no presente:
Allison está certo em alertar em termos gerais sobre o que essas grandes mudanças significaram historicamente. Mas há tantas coisas diferentes no mundo de hoje – repetindo, a preponderância das democracias, a força do moderno sistema de alianças liderado pelos EUA, forças militares americanas estacionadas em posição avançada para fortalecer essas alianças, dissuasão nuclear, alguns aspectos da globalização – para dar razões consideráveis para a esperança de que os padrões passados nas relações de grandes potências possam ser mudados. Indiscutivelmente, desde 1945, eles já o foram, apesar do retrocesso parcial nos últimos anos.
Assista ao vídeo, The growth of China’s military power over the past 40 years
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