Ilha das Couves, sofre com superlotação turística há cinco anos. Fundação Florestal finalmente toma providências
A ilha das Couves é uma pequena beleza do litoral de Ubatuba, litoral norte de São Paulo. Mas desde 2017 pelo menos, a proximidade da costa, e a falência da vida marinha, tornaram-se seus principais algozes.
Ilha das Couves fica a poucos quilômetros da uma vila de pescadores artesanais (menos de 10 minutos de lancha), de nome Couves de Picinguaba. Este núcleo de pescadores artesanais, de tão explorado, poluído, e maltratado, acabou sem peixes em quantidade para que pescadores pudessem manter seu modo de vida.
A vila de Couves de Picinguaba.BR 101
A proximidade com a BR 101, construída sem planos de ocupação para suas margens, foi outro problema. A estrada possibilitou a ocupação desordenada ao longo de sua extensão. O que poderia ser bom para os caiçaras, tirando-os do ostracismo a que estavam relegados, contribuiu para piorar a situação. Paulistas abastados compraram as posses por merreca, expulsaram os nativos para o interior, e encheram de mansões, condomínios, e praias privatizadas, quase todo o litoral norte de São Paulo. Foi apenas mais uma prova que o modelo de ocupação do litoral, de segunda residência e turismo desordenado, condena os nativos à eterna pobreza.
Pedreiros e, no máximo, caseiros
No máximo, os mais sortudos tornaram-se caseiros, ou pedreiros, das construções que foram erguidas. Findo a trabalho, perderam seus empregos. E voltaram a condição de semi-indigência a que foram relegados. Eles não foram preparados para aproveitar a urbanização a que se seguiu a construção da estrada. Restou, para a maioria, vender suas posses a preço de banana para aqueles que sonhavam com uma casa ‘pé na areia’.
Ou, mais recentemente, o turismo desordenado. É o que acontece com a ilha das Couves desde, ao menos, 2017.
Quem é quem na ilha das Couves?
A ilha das Couves, em Picinguaba, Ubatuba, é um local extremamente sensível à presença humana. Desabitada, sem água, tem apenas 58 hectares cobertos por mata atlântica. É circundada por costões rochosos, tem duas pequenas e lindas praias; a água do mar é quase sempre morna e, normalmente, transparente. O exemplo típico do que se convencionou chamar de… ‘paraíso’.
O ponto em vermelho assinala a Ilha das Couves.A quem pertence a Ilha das Couves
Como todas as ilhas brasileiras, Couves pertence à União, mas a gestão foi transferida para a Fundação Florestal de São Paulo. Se a posse é da União, a responsabilidade é do Estado de São Paulo que, em 2008 criou três Áreas de Proteção Ambiental – APAs – Marinhas que cobrem quase metade do litoral paulista. Couves fica dentro da APA Litoral Norte.
O turismo desordenado começa ainda em 2017
No final deste ano, enormes saveiros juntaram-se com as voadeiras dos habitantes do núcleo de Couves de Picinguaba no transporte de turistas. No início eram algo como 15 a 18 saveiros (cada um com capacidade para pelo menos 20 até 30 pessoas, se não mais) descarregando milhares de turistas nas frágeis praias da ilha de Couves. Sem falar que a vila de pescadores se tornou um imenso estacionamento. Carros, motos, caminhões, até ônibus.
Cinco anos para por ordem na casa…O Mar Sem Fim protestou
Na opinião deste site, aquilo não era turismo, mas vandalismo. E começamos um solitário protesto. Desde 2018, mantivemos contato com o secretário de meio ambiente de Ubatuba, Wilber Schimidt Cardozo. Ele pareceu sério e preocupado com a superlotação. Pouco depois enviou cartaz chamando o público e interessados a participarem de reuniões preparatórias dos planos para o turismo. E prometeu novidades para o verão de 2019. Havia três cenários a serem propostos. O primeiro seria para turismo de base comunitária; no segundo, a prefeitura teria a gestão da ilha das Couves; e no terceiro uma parceria com a iniciativa privada para a transferência da gestão. Segundo Wilber, “o estudo previa um máximo de 177 pessoas por vez em Couves”, a segunda leva só desembarcaria depois que a primeira tivesse saído, o que seria excelente, comentamos.
Primeira reunião com a comunidade, prefeitura, e MPF
Segundo o secretário, “na primeira reunião na praia da Fazenda (Outubro, 2018), Núcleo Picinguaba, os três cenários foram apresentados.” E, daí, perguntei? Nada de muito brilhante… O que aconteceu na apresentação? “Como não gostaram muito do que eu falei, decidi colocar meu foco em outros problemas ambientais de Ubatuba onde só nós podemos agir”.
Entrevista: secretário de turismo de Ubatuba
Outro dos envolvidos na polêmica, desde a primeira apresentação, foi o secretário de turismo Luis Bishof. Falamos com ele, que confirmou os fatos mas acrescentou: “Na reunião de outubro (2018), da prefeitura de Ubatuba só eu estava na reunião, além da promotora, a Dra. Walquíria (Onde estaria a Fundação Florestal?). Segundo Luis, a confusão entre os moradores de Picinguaba era grande: “Uns queriam modificações, outros não. Até uma associação de ‘voadeiras’ foi criada. Alguns queriam ganhar dinheiro, outros estavam preocupados. Resultado? ” Nada foi resolvido”.
Cumprindo nossa obrigação, fomos atrás da Fundação Florestal, já que é dela a responsabilidade por Couves. Através da assessoria de imprensa, enviamos cinco perguntas para o diretor executivo, Rodrigo Levkovicz.
Entrevista: Rodrigo Levkovicz, diretor da Fundação Florestal
1- Afinal qual a responsabilidade da Fundação Florestal?
A Ilha das Couves é um patrimônio da União e por ela é administrada. A Fundação Florestal é gestora da APA Marinha do Litoral Norte. A administração da visitação pública está, portanto, sob gestão da União.
2- Por que, sabendo do descalabro há mais de dois anos, ainda não se tomou qualquer medida prática?
Por favor, veja resposta da pergunta 1.
3- Como justificar milhares de pessoas, sem qq segurança, muito menos instrução, possam desembarcar numa ilha destruindo-a?
Por favor, veja resposta da pergunta 1.
4- Como justificar que até uma barraqueira, dona Célia, tenha se instalado nas areias das praias de Couves sem que alguma autoridade se manifeste?
Por favor, veja resposta da pergunta 1.
5- Qual foi a posição da Fundação nas reuniões mencionadas no post (de apresentação de um plano) ?
A posição da Fundação Florestal é de cumprimento das leis. Em relação à Ilha das Couves, foi instituído um grupo de trabalho do qual fazem parte a Prefeitura de Ubatuba, a Polícia Militar Ambiental, a Fundação Florestal, a Secretaria do Patrimônio da União (SPU), o IBAMA e a Marinha do Brasil, com o apoio do MPE e do MPF.
Foi, ou não, um escárnio?
Folha de S. Paulo publica matéria sobre Ilha das Couves
Depois de nosso protesto solitário, jornais começaram a dar espaço ao descalabro. A Folha foi um deles. Título: “Paraíso” do litoral norte vira pesadelo de turistas com sujeira e superlotação. (4/02/18) ” Corpo do texto…”o que era um lugar bucólico no litoral norte se tornou um pesadelo para os turistas”… “A ilha vem recebendo até 5 mil pessoas por final de semana…” “…os turistas fazem do mar e das trilhas o seu banheiro…”A reportagem constatou lixo jogado na ilha, “fraldas descartáveis, caixas térmicas e muito lixo.” Em Picinguaba, diz o jornal, trilhas foram abertas para servirem de estacionamento de carros dos turistas.
Imagem, Folha de S. PauloPeixes, moluscos e outras formas de vida desapareceram do mar da Ilha das Couves
De acordo com matéria da Folha, a guia Moara Sanches, da Associação Coaquira de Guia de Turismo, Monitor e Condutor de Ubatuba declarou:
…antes era possível ver espécies marinhas como raia pintada, cavalo-marinho, estrelas do mar, corais, garoupas e moreias. Com a multidão no mar agora sumiu tudo…
E assim aconteceu nos verões 2016, 2017,-2018 e 2019. Até que finalmente a Fundação Florestal acordou.
Dezembro de 2019, Fundação Florestal finalmente age
“A Fundação Florestal (FF) publicou na sexta-feira (27/12/2019) a Portaria Normativa FF/DE nº 315/2019, que dispõe sobre a capacidade de carga na Ilha das Couves, localizada a 2,3 km do litoral do Núcleo Picinguaba do Parque Estadual Serra do Mar. O documento regulamenta a visitação para garantir a defesa de um patrimônio ambiental ecologicamente equilibrado.”
Antes tarde que nunca…E para provar que o diligente diretor executivo, Rodrigo Levkovicz, estava errado, voltamos com uma de suas minguadas respostas: “A administração da visitação pública está, portanto, sob gestão da União.” Tanto não estava, que a Fundação publicou o parágrafo acima, e o de baixo.
“Um grupo técnico multidisciplinar, majoritariamente composto por agentes da FF, elaborou um estudo de capacidade de suporte da Ilha das Couves em maio de 2018. Esse estudo estabeleceu que a ilha só poderia receber 177 pessoas simultaneamente, um número bem inferior aos estimados quase dois mil visitantes já contabilizados em um único momento no verão passado.”
O Mar Sem Fim continuará atento, e ‘no pé’ do diligente Rodrigo Levkovicz da Fundação Florestal. Não é possível que se demore cinco anos, conforme o próprio órgão confirma nas declarações entre aspas, para que se tome uma providência.
Assista ao vídeo e veja como é a Ilha das Couves
Imagem de abertura: Folha de S. Paulo
Fontes – https://www.tamoiosnews.com.br/geral/mpf-da-prazo-de-15-dias-para-comunidade-caicara-manifestar-se-sobre-gestao-sustentavel-da-ilha-das-couves/?fbclid=IwAR00_KUaoWy6xQ08Q1_BS9VZjjEVvKwVjhxJDAk7Xt0zEVLtQecECUokJ4E; https://www.infraestruturameioambiente.sp.gov.br/fundacaoflorestal/2020/01/fundacao-florestal-define-regras-para-turismo-na-ilha-das-couves/; https://www.infraestruturameioambiente.sp.gov.br/fundacaoflorestal/pagina-inicial/apas-marinhas/.
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