Exploração oceânica versus exploração espacial: uma brutal disparidade
O que fazer: investir em nossa casa, ou pra conhecer a casa alheia? Os dois, arrisca o Mar Sem Fim. Mas não com a abundância pra uns, e merreca pra outros, que tal? Mesmo sabendo que tudo começou nos sombrios anos da Guerra Fria, quando Estados Unidos e a então União Soviética disputavam a hegemonia mundial, é duro aceitar a disparidade. Dados recentes (2013) mostram que nos EUA, um dos países que mais investem em ciência, enquanto a exploração oceânica foi contemplada com US$ 23.7 milhões, a exploração do espaço sideral recebeu US$ 3.8 bilhões. Importante: Em 2013, estudo da ONG Batelle sobre investimento em pesquisa e desenvolvimento em porcentagem do PIB mostrava que Israel era líder, com 4,2%. Os EUA ocupavam a décima posição, com 2,8%. E o Brasil estava no 36º posto, com 1,3% (de lá para cá o montante tem sido cortado).
Melhores mapas da superfície de Marte, ou da Zona Econômica Especial?
A pergunta está em artigo da National Geographic, de onde recolhemos alguns dados. E é totalmente pertinente. Por que uma disparidade deste tamanho, e por que persiste a fantasia e a curiosidade sobre o espaço sideral, enquanto sobra descaso e indiferença em relação aos oceanos? A matéria da NG dá algumas pistas.
A cultura pop e as explorações
‘Jornada nas Estrelas’, diz o NG, ‘quer nos fazer acreditar que o espaço é a fronteira final. Mas com desculpas aos exércitos dos Trekkies, seu oráculo pode ser fora da base. Embora saibamos pouco sobre o espaço, ainda temos muitas fronteiras para explorar no planeta. E elas estão perdendo a corrida da descoberta’.
Para Michael Conathan, autor do artigo, e diretor de políticas oceânicas do Center for American Progress, ‘esse desequilíbrio na cultura pop é ilustrativo do que acontece na vida real. Nos alegramos com a sala de controle da missão da NASA quando o rov de Marte pousou no planeta vermelho em 2012.
Mas, no mesmo ano, quando James Cameron chegou ao fundo da Fossa das Marianas (foi o terceiro ser humano a fazê-lo) a mais de 11 mil metros abaixo da superfície do mar, a proeza foi recebida com indiferença retumbante’.
Exploração oceânica, fatos sombrios
Michael Conathan: “Os seres humanos puseram os olhos em menos de 5% do oceano. E temos mapas melhores da superfície de Marte do que da zona econômica exclusiva da América.”
Benefícios da exploração do espaço
Ainda o artigo, “As invenções criadas para facilitar as viagens espaciais se tornaram onipresentes em nossas vidas. Câmeras de telefones celulares, lentes resistentes a arranhões e sistemas de filtragem de água, só para citar algumas.”
“E pesquisas no espaço exterior levaram a descobertas aqui na Terra. No entanto, apesar dos planos absurdos de mineração de asteroides para metais raros, os únicos bens tangíveis trazidos do espaço até hoje são pilhas de rochas lunares.”
Benefícios da exploração oceânica
Para o autor, “O fundo do mar é uma fonte muito mais provável dos chamados metais de terras raras do que os asteroides. No início deste ano, as Nações Unidas publicaram seu primeiro plano para o gerenciamento de recursos minerais em alto-mar.”
“No início deste ano, o Japão anunciou que descobriu um suprimento maciço de terras raras tanto dentro de sua zona econômica exclusiva quanto em águas internacionais. E, em 2011, a China enviou pelo menos uma missão exploratória ao fundo do mar debaixo de águas internacionais no Oceano Pacífico.”
Palpites do Mar Sem Fim quanto à exploração oceânica
As dúvidas de Michael são as mesmas que temos. Por que o descaso? Tentamos descobrir. E lembramos que a Oceanografia foi a última disciplina científica. Ela foi fruto da viagem do Challenger, de 1872, considerada a primeira investigação organizada dos oceanos.
Depois, comentamos as dificuldades só resolvidas por Jacques Cousteau quando inventou o aqualung em 1943. Em diversas ocasiões escrevemos sobre Sylvia Earle, cientista que é nossa ‘guru’.
Alguém que não se cansa de correr o mundo chamando a atenção para os oceanos, e o conhecimento pífio que temos sobre eles. Em suas palestras, Sylvia demonstra porque os oceanos são ‘o coração da Terra’, e porque ‘a maior parte da vida no planeta mora no escuro’ (em referência à vida marinha nos oceanos profundos).
Custos e dificuldades não podem ser desculpas
Os custos de ambas explorações são ‘oceânicos’, para não recorrer ao usual ‘astronômicos’. E as dificuldades provocadas pela pressão, o vácuo, e outros, no mínimo equivalem.
Além disso, se do espaço só trouxeram ‘pilhas de rochas lunares’, os oceânicos, além de proporcionarem a maior quantidade de proteínas para o consumo humano, já nos deram inúmeros remédios, para não falar do ar que respiramos, e das gigantescas jazidas de metais.
Por que a exploração espacial chama mais nossa atenção e imaginação do que a exploração oceânica?
Quem parece ter respondido foi a Dra. Jyotika Virmani, Ph.D. em oceanografia física , e vencedora do Shell Ocean Discovery XPRIZE. Ela escreveu um artigo para o marinetechnologynews.com. “Então, por que a exploração espacial e a pesquisa capturam mais nossa atenção coletiva e nossa imaginação do que a exploração e pesquisa oceânica?”
‘A resposta a esta pergunta permaneceu elusiva para os profissionais e entusiastas do oceano’
“Pode-se argumentar que, até meados do século XX, os oceanos mantinham um fascínio igual. Se não maior, pelo público em geral em comparação com o espaço. O que mudou?”
“Uma razão freqüente para a mudança é a corrida espacial do século 20. Ela desencadeou maior financiamento para a exploração espacial e aumentou seu alcance. Somado a isso, o espaço é geralmente considerado mais excitante e mais visível. As pessoas simplesmente precisam olhar para o céu noturno e ver bilhões de estrelas para imaginar vastas possibilidades.”
‘Os oceanos permanecem psicologicamente distantes’
“Por outro lado, os oceanos permanecem psicologicamente distantes da mente humana. São apenas diretamente visíveis para aqueles que vivem ou visitam a costa. Mesmo assim, a maioria das pessoas apenas vê a superfície do mar. As maravilhas que estão por baixo permanecem ocultas. Estas são as únicas razões.”
Então, por que o descaso pela exploração oceânica? Falta vontade, meu caro, nada mais. Tecnologia e grana não faltam. O quê inexiste é um esforço mundial capaz de canalizá-los também para a exploração submarina. Simples assim.
Fontes: https://blog.nationalgeographic.org/2013/06/20/space-exploration-dollars-dwarf-ocean-spending/; https://www.marinetechnologynews.com/news/ocean-space-exploration-quest-549183; https://exame.abril.com.br/economia/15-paises-que-mais-investem-em-pesquisa-e-o-brasil-em-36o/.
Ao meu ver pesquisas não podem ser mutuamente exclusivas de acordo com o tema ou ambiente. Todas têm uma importância relativa aos impactos que causam, muitas vezes se complementam e trazem benefícios a médio e longo prazo. O mar está logo aí na nossa frente, é verdade. O espaço é inóspito e seus projetos demandam planejamento extenso.
O Brasil tem uma plataforma de laçamento de foguetes (destruída e abandonada), uma base polar (incendiada e em fase de reinauguração) e uma plataforma marítima imensa (que mal conseguimos patrulhar). Todos merecem recursos. Pesquisas demandam planejamento sério de governo, universidades e empresas para administrá-los. Você, melhor que eu, sabe que no Brasil é assim: políticos só compreendem o que é pesquisa eleitoral, um gueto de professores de universidades públicas que são avessos à pesquisa comercial e muitos empresários que tentam sobreviver ao Estado ou se aliam maquiavelicamente a ele, sem realizar qualquer tipo de pesquisa.
Maravilhoso comentário. Super de acordo