Escola de Sagres, aquela que nunca existiu, sequer ficava em Sagres: hora de desfazer o mito
Este post não tem o objetivo de contestar a história, nem menosprezar mitos que se formaram ao longo dos séculos. A intenção é situar os leitores com ‘as novas leituras de feitos históricos’, desde que as fontes sejam confiáveis. Não há muito tempo, tivemos um encontro com um conhecido que pretendia viajar à Portugal para conhecer a ‘Escola de Sagres’, tida como o maior feito do Infante D. Henrique, “O Navegador.” O encontro nos relembrou que chegara a hora de desfazer o mito da escola, sua localização, Sagres; e do epíteto do Infante que, na verdade, pouco navegou, apesar de ter sido o inspirador e condutor da saga lusitana. Vejamos o que dizem especialistas.
Escola de Sagres: verdadeiro, ou falso?
“É negada a Escola de Sagres. Provavelmente, negada com razão. A Universidade de Coimbra, bem mais antiga, conserva paredes da primeira dinastia. A Batalha, os Jerônimos, a Torre de Belém, sobram para demonstrar que a geração do Infante era de excelentes construtores.”
“Como é que em Sagres se haveria erguido uma escola de tamanho alcance, chegando até nós pequenas ruínas inexpressivas?”
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E é ele mesmo quem responde:
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Procuremos na escola de Sagres o parentesco espiritual da expressão “escola” filosófica ou literária; escola de ambição, de entusiasmo, de extralimitação, de sacrifício científico a um ideal.
Escola de Sagres: Jaime Cortesão, maior figura da historiografia lusitana referenda: falso!
No mesmo livro, Jaime Cortesão escreveu o capítulo O Homem e a Obra, sobre o Infante D. Henrique. Destacamos o trecho a seguir:
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Conheça o navio de guerra mais antigo do mundo ainda em serviçoNaufrágio com 3.300 anos muda compreensão da navegação no mundo antigoO último navio de Shackleton, o Quest, é encontradoSupôs-se durante muito tempo que na Vila do Infante, quer situada no Cabo de S. Vicente, quer no de Sagres, houvesse uma escola náutica, no sentido estrito da palavra, com mestres e discípulos, onde estes fossem instruídos nas regras duma nova ciência de navegação. O melhor conhecimento dos fatos desfez essa crença.
Bobagens da rede ajudam permanência de mitos
Como o assunto é incrivelmente pouco abordado pelo ensino brasileiro mesmo nas faculdades, as redes sociais contribuem com a ignorância. É preciso buscar informação em fontes confiáveis, se não…
Ou esta…
E quanto à localização, Sagres?
Quem desmente é o próprio Jaime Cortesão. “Morreu o Infante D. Henrique, a 13 de novembro de 1460, na sua Vila do Infante, situada, segundo o maior número de testemunhos, no Cabo de São Vicente, saliência extrema do Sudoeste da Península Ibérica e da Europa.”
“Mas seria a Vila do Infante no Cabo de S. Vicente, tal como hoje entendemos este topônimo? Tem-se discutido muito sobre esse problema, situando-a uns naquele cabo, outros no de Sagres ou nas imediações próximas à nascente. Razões de ordem geográfica e náutica e testemunhos coevos inclinam-nos para que a Vila do Infante fosse no Cabo de S. Vicente.”
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Escola de Sagres ou de São Vicente? D. Henrique esclarece a dúvida
E prossegue o historiador: “Afigura-se também que as fontes mais antigas sobre a localização da Vila se ajustam melhor ao terreno, tal como acabamos de limitá-lo. Na carta de doação da espiritualidade da Vila do Infante à Ordem de Cristo, o Infante D. Henrique esclarece…”
…mandei edificar uma vila no outro cabo que antes do dito cabo de Sagres está, aos que vêm do Poente para Levante, que se chamava Terçanabal, à qual pus nome de Vila do Infante…
Cortesão conclui: “Segundo, pois, o próprio infante, a Vila foi construída num cabo ao ocidente do Cabo de Sagres, assim designado, e esse ao que nos parece, outro não pode ser senão o de S. Vicente. Nele se vêm localizados ao Cabo de S. Vicente as ruínas do palácio do sr. Infante D. Henrique. Ruínas, por consequência, posteriores ao terremoto de 1755.”
D. Henrique, “O Navegador” que pouco navegou
A única viagem marítima de D. Henrique, “O navegador”, foi atravessar o estreito de Gibraltar para a conquista da vila de Alcácer Ceguer (vila ao norte de Marrocos), porto de piratas e pescadores Marroquinos.
Quem relata é Moreira de Campos no capítulo (do livro O Século dos Descobrimentos) Expansão Portuguesa em África. Diz ele “em 17 de outubro de 1458, largou deste porto o rei D. Afonso V, com seu tio, D. Henrique, levando 26.000 homens de peleja, embarcados em 280 navios de vários tipos. O vento não era propício para atingir Alcácer e toda a armada foi surgir em Tânger”.
A viagem de Tânger
Depois de discutirem sobre o ataque a Tânger, a que se opôs D. Henrique, “a armada dirigiu-se para Alcácer e a vila foi tomada.”
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“Depois da jornada a Tânger, nunca mais ele andou sobre águas do mar. Devem ser horas de entender por que chama o mundo uníssonamente, O Navegador, a um homem que não deserdou a terra firme…”
Colaço prossegue: “Antes dele, os navios portugueses iam até ao Cabo Bojador, fronteira das Canárias; sob sua batuta, foram apenas até ao norte atual da Libéria, descrevendo ao longo da costa um arco de círculo afinal escasso. Não faz sentido que sobre tal base, e com artigo definido a conferir supremacia singular, se chame O Navegador a um homem que nunca navegou.”
Henrique o Descobridor
Colaço conclui: “Em relação ao Infante, o mundo entendeu e sentiu que tinha de dar-lhe nome universal; como era português, deram-lhe o nome menos expressivo, o que traduzia ação direta.
Surgiu esse erro pitoresco de chamar “O Navegador” a um homem que não navegara. O cognome certo seria Henrique, o Descobridor.”
A importância do Infante D. Henrique
Ainda que a escola não tenha existido do ponto de vista físico, ou que ‘o Navegador’ tenha pouco navegado, historiadores não tiram o mérito do Infante D. Henrique.
Ao contrário, grande parte o aponta como a grande figura que inspirou e comandou as navegações portuguesas. A partir de agora não tratamos de mitos, mas fatos. A declaração abaixo é uma apaixonante defesa de sua obra:
“Pela unidade de concepção e pela admirável segurança com que foi levada a cabo, é a primeira grande conquista do espírito científico aplicado à política e, se se atentar para as suas incomensuráveis consequências, um dos maiores feitos do gênio humano de todos os tempos. Compreendida assim, a História do Brasil traz-nos ao espírito a noção das nossas responsabilidades numa dimensão universal.”
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O autor dessas linhas, Julio de Mesquita Filho, usou-as ao apresentar um suplemento do Estadão, publicado em 1960 em comemoração do quinto centenário da morte do Infante D. Henrique.
Corriam os áureos anos da imprensa escrita. O Estado saiu na frente: “Foi um feito de tamanhas proporções que demonstraríamos incompreensão da nossa História se não convocássemos os maiores vultos da historiografia luso-brasileira a colaborarem na homenagem que prestamos à memória daquele grande da História.”
O suplemento, de tão bom, tornou-se livro: O Século dos Descobrimentos, (Editora Anhambi), um dos melhores que já li. Entre os autores dos vários capítulos, titãs do porte de Damião Peres, Mário Vasconcelos e Sá, Jaime Cortesão, Sérgio Buarque de Holanda e outros.
Um deles, Tomaz Ribeiro Colaço, assim se referiu ao papel do Infante: “D. Henrique foi o descobridor do Brasil.”
Contestações aos feitos de D. Henrique
Como tudo na vida evolui, a história também o faz. Hoje, muitos historiadores atribuem o grande feito das descobertas não apenas a D. Henrique, mas ao rei D. João II.
Obra recente que aborda o tema das navegações lusas, o livro de Laurentino Gomes, Escravidão (Globo Livros), vol. I, cita dezenas de historiadores que defendem a tese de que ‘o progresso das navegações lusas era financiado pelo comércio de escravos’. Para estes historiadores, “Henrique seria um bem-sucedido propagandista de si mesmo”.
O verdadeiro artífice das grandes navegações seria D. João II. Particularmente, temos dúvidas sobre esta tese. Mesmo assim, a mencionamos em razão de ter sido exposta por autor de prestígio, como é o caso de Laurentino Gomes.
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Pequeno vídeo
Assista ao vídeo e saiba mais sobre a obra do Infante D. Henrique, o Descobridor. Mas esqueça a escola de Sagres, e uma das teses citadas no vídeo-animação: a ‘descoberta’ do Brasil por Cabral.
A ‘Terra de Santa Cruz’, para a autoridade máxima da historiografia náutica portuguesa, Jaime Cortesão, foi descoberta sem aspas pelo navegador Bartolomeu Dias, em 1498.
No mesmo período, Duarte Pacheco Pereira fez um périplo na parte norte, do Maranhão até a embocadura do rio Amazonas. Ambos navegavam nas caravelas aprimoradas pelos lusos.
A epopeia, segundo Cortesão, é descrita por Duarte Pacheco Pereira, em sua clássica obra Esmeraldo de situ orbis ( Os descobrimentos Portugueses, Vol. III, pg. 721).
A viagem de Cabral não passou da ‘descoberta’ oficial da nova terra que, por questões políticas, não poderia ser reivindicada antes por Portugal.
Assista a este vídeo no YouTube
Fonte: O Século dos Descobrimentos, Ed. Anhambi, dezembro, 1961.
Saiba por que o Brasil foi escala, e estaleiro, na era das grandes navegações
Sendo que o tratado de Tordesilhas é anterior a 1498 não me parece fazer sentido a tese de que não se podia politicamente anunciar descoberta do que viria a ser o Brasil. Por outro lado já um navegador Castelhano/Espanhol andará por terras do Brasil antes da chegada tanto de Dias como de Cabral.
Estive em Portugal. E já sabendo que fisicamente nunca existiu uma escola de Sagres fiz uma brincadeira com os amigos. Deixei notificado nas redes sociais que teria ido até Sagres conhecer a tal escola, como não achei nada, para não perder a viagem tomei uma Sagres mesmo.
Um fato que li em algum lugar, quando a lenda é melhor que a realidade, fique com a lenda. As lendas trazem, se não a verdade, pelo menos são sempre mais românticas.
Alguns dos comentários que li aqui são chocantes, pessoas que não estão interessadas em fatos reais mas em lendas que alimentem suas fantasias. Parabéns pela matéria e só para irritar um pouco mais os adoradores do Infante, duas observações adicionais sobre ele: 1) Foi responsável pelo 1o leilão de escravizados da Europa e 2) Era gay, vivia com um “sobrinho” e isolou-se em Sagres para que pudesse viver sua vida em paz (e nunca fundou escola alguma lá, já visitei Sagres e eles lá dão risada dos turistas que chegam perguntando pela escola…).
Bom dia!
Citei seu artigo no meu livro: “Descobrimento” do Brasil: Planejado ou Casual, 2019.
Abraços.
Att,
Amauri Ferreira (Augusto de Sênior)
Independente da escola de navegação portuguesa estar ou não em Sagres, ela existiu e temos como evidencia o gigantesco despegue da arte nautica lusitana, tanto no desenho dos navíos quanto na melhora dos instrumentos e do armamento que tornou a marinha Portuguesa imbativel. Tal desenvolvimento não é possível sem um consorciamento de mentes e compartilhamento de conhecimento de forma consistente e ordenada. Dom Enrique pode que não tenha navegado pessoalmente, mais disponibilizou os medios, recursos e seu comprometimento pessoal que fizeram possível isso e que converteu Portugal na unica potencia naval capaz de navegar em aguas profundas. Dom Enrique merece sim e com justiça o titulo do Navegador
Sei, são os terríveis comunistas que estão mexendo na Escola de Sagres e
não querem que o Infante que não navegou seja Navegador … Ou será que desabafo do sujeito, baseado em seus recalques políticos, não tem nenhuma relevância para o assunto?
Agora, digam-me: fala-se em educação para todos, mas como educar o sujeito que não entende nada do que lê e tem um ataque de raiva quando lhe explicam algo que não sejam seus contos de fada? Por maior que seja a boa vontade do professor, como compensar o défice (ou déficit, como queiram) de QI de alguém assim?
Aiaiai! Começo a ler e sinto o vazio da perda de Sagres e, continuando a leitura, lá se vai o mito D. Henrique. Pronto, quase aos prantos(apesar do prazer por ver uma vez mais, reforçado, o valor do polinésios como “Os navegadores)começo a encontrar alguma confusão no texto e, lá vem, emergindo, D. Henrique e Sagres que acabavam de soçobrar! Pra piorar minha situação de semi-alfabetizado brasileiro, resolvo(como de costume)ler os comentários onde “os feras” debatem o tema! Resta-me, agora, terminar minha jangadinha de “garrafas PET” e singrar os mares apenas com Posseidón/Netuno, Yemanjá/Janayna, alguma Yara e um ou outro deus de origem polinésia. Do mundo físico poderei contar apenas com o Caboclo Bernardo, Thor Heyerdahl e Túpac Yupanqui(sei que já andaram “refutando-os” também)a quem invocar nos momentos difíceis!
Gozados estes comentários. Quer dizer que agora ‘sou comunista’? Vcs são preconceituosos e, como eles, ignorantes; é inacreditável! Dou as fontes de cada declaração. Elas estão nos melhores livros já publicados sobre o assunto, pelos historiadores mais respeitados. A tese nem é tão nova assim. Como disse, um deles foi publicado nos anos 60. Ainda assim sugerem que eu queira ‘acabar com nossa história’. Tem gente que fala na chegada dos lusos no Rio Grande do Norte, demonstrando a mais perfeita ignorância, e desconhecimento dos estudos mais recentes como a tese do Almirante Max Justo Gudes que prova a chegada em Porto Seguro. Outro diz que a proeza teria sito de Colombo… Mas a vasta maioria diz que sou ‘comunista, cínico, mentiroso; e quero ‘destruir nossa história’. É hilário, pra não dizer outra coisa. E um reflexo triste da falta que faz um bom ensino. Eita braziu…
Cada baiano que segure seus balangandãs.
Parabéns. Perfeito comentário.
Principalmente num país onde a “cultura” vem da TV baseada na mulher fruta, no BBB, no Faustão, etc.
Quanto mais ignorante p povo, mais fácil conduzi-lo!
O Infante Dom Henrique fundou a Escola de Navegação de Sagres e pronto. Se ela não existe hoje é outro problema
Revisão histórica – sinto informar, mas, Cabral desembarcou na Bahia mesmo… Tem até aquela história do índio com o qual manteve o famoso diálogo ao chegar em terra…. Como te chamas? -me chamo Bhá… -Bhá, tá vendo aquelas caravelas lá, vai nadando até lá e avisa os marujos que a terra é firme e eu vou escrever um um poema em tua homenagem que imortalizará o teu nome, o poema começará assim,: … e Bhá foi nadando velozmente… Bhá examinou bem a situação, fez as contas da distancia em que estavam as caravelas e devolveu: -meu rei, vamos simplificar… é muito longe e tu vai começar o seu poema de outra forma… e Bhá ia nadando velozmente.
Quem oficialmente descobriu e tomou posse do que hoje e o Brasil foram os espanhois que descobriram a America em 1494 e portanto o Brasil pois o Brasil fazia e faz parte da America.
Sr. Felix interessante seus comentarios.
vc tem fonte segura de que o “descobrimento’ foi no Maranhão?
gostaria de uma referencia de leitura.
grato
Leia: Brasil – Segredo de Estado – do historiador e embaixador brasileiro Sérgio Correa da Costa.
Sintético e perfeito!
Parabéns!
Reportagem fraquinha. Mais uma daquelas que visa nos convencer de que somos inferiores. O fato de Dom Henrique pouco ter navegado não quer dizer que não fosse muito ligado ao fato. O caçador de esmeraldas, o Glorioso Fernão Dias nunca viu uma esmeralda. Marx nunca viu um pais marxista, alias sorte dele. Há inúmeros exemplos de pessoas estudiosas num tema que nunca o aplicaram na vida Prática. Nem por isso podem ser descaracterizadas. Repito, fraquinha a reportagem….
Já li muito sobre este tema, e nunca fui iludido, sempre soube que o infante tinha navegado muito pouco, atribuiram a ele a alcunha de navegador pela sua participação no desenvolvimento da naveegação. Para mim continuara sem Infante D.Henriqie o navegado.
Uma afirmação que demonstra o nosso “Complexo de Vira-Latas”.