Egípcios e a navegação: seus avanços tornaram possíveis as pirâmides
A navegação pelo rio Nilo era vital para a vida dos egípcios. Tão importante, que a cena de um barco à vela subindo o Nilo acabou estampada em hieróglifos. O historiador Paul Johnson explica:
nos hieróglifos egípcios o determinativo ‘para o norte’ manifesta um simples barco, enquanto que, ‘para o sul’, um barco a vela
Batalha do Delta entre o Egito e os Povos do Mar, por volta de 1175 a.C, quando o faraó Ramsés III repeliu uma grande invasão marítima. Ilustração de Igor Dzis.Egito não foi uma talassocracia
Contudo, alguns especialistas consideram que o Egito não foi uma talassocracia, como os fenícios, os gregos, ou os romanos. Este é o caso do historiador português, José Varandas.
Em seu saboroso As grandes batalhas navais do mundo antigo, Ed. Esfera dos Livros, Varandas diz que ‘apesar de não ser a civilização marítima mais importante e hegemônica do Mediterrâneo na Antiguidade, o Antigo Egito não deixa de ocupar um lugar relevante no contexto dos sistemas navais e da sua evolução tecnológica e histórica.’
Egito dominou Mediterrâneo Oriental
‘Não foi uma potência naval dominante, nunca afirmou o seu sistema político e militar enquanto talassocracia, mas, pelo menos a partir de 1.100 a.C., embarcações egípcias sulcavam as águas do Mediterrâneo Oriental, percorrendo rotas estabelecidas que ligavam os portos comerciais da ilha de Creta aos do Delta do Nilo.’
‘Os navios faraônicos subiam, de maneira idêntica, a costa, em direção ao Norte, sobre águas fenícias e micênicas…os engenheiros navais egípcios podiam sempre comparar métodos de construção de outras culturas marítimas, já que observavam com atenção, nos seus portos, as embarcações que vinham do Norte, do Egeu, ou do Levante ou do Ocidente, com outras soluções e inovações tecnológicas.’
Depois de reclamar que historiadores do Egito Antigo não se debruçam sobre a questão marítima, Varandas encerra com uma pista: ‘Com exceção dos escassos estudos sobre a batalha do Delta, travada cerca de 1.175 a.C. entre Ramsés III e os ‘Povos do Mar’, a investigação sobre a história marítima e naval do Antigo Egito tem sido frustrante.’
Por outro lado, pensamos nós, isso significa que muito ainda está por ser descoberto também sobre este aspecto, com os avanços da arqueologia submarina, entre outras.
De embarcações fluviais para as marítimas
Os antigos egípcios se destacaram no desenvolvimento de embarcações fluviais pela importância do rio Nilo, então a maior ‘estrada’ do mundo antigo e razão de ser do país dos faraós. Porém, eles sempre dependeram do comércio de madeiras, especialmente o cedro, pelos fenícios, já que havia pouca madeira no Egito. Depois, com o passar dos tempos vários tipos de barcos e navios foram construídos para a pesca, comércio, transporte (especialmente de pedras para as pirâmides), guerras, procissões e, sobretudo, viagens comerciais.
O Nilo proporcionou excelente meio de transporte, e personagens icônicos fizeram várias viagens ao longo do rio, como, por exemplo, Cleópatra. A rainha navegou acompanhada por seus amantes: Júlio César, primeiro, e Marco Antônio, depois. Todos os cantos da cidade e da região podiam ser alcançados por barcos.
A herança de Alexandre, O Grande
Em 331 a.C., Alexandre decidiu fundar uma cidade como parte de sua estratégia contra os persas. Assim nasceu Alexandria. Em 325 a.C., ele morreu na Babilônia, e sua morte desencadeou guerras entre seus generais pelo controle do império.
Ptolomeu ficou com o Egito e assumiu o trono como Ptolomeu I Sóter (‘o Salvador’). Com esforços para atrair gregos, sírios, egípcios e judeus, a cidade cresceu e se tornou o maior centro do Mediterrâneo.
Segundo o historiador David Abulafia, professor de História do Mediterrâneo em Cambridge, ‘a segunda grande inovação sob Ptolomeu I e II foi a construção de um enorme farol na ilha de Faros’, o Farol de Alexandria. A palavra ‘Faros’ atravessou séculos e permaneceu em grego, latim e nas línguas românicas com o significado de ‘farol’.
Sem perceber, os Ptolomeus colocaram o Egito no caminho do mar.
Alexandria e o comércio marítimo
Segundo Abulafia, ‘a cidade olhava para os dois lados, ligando o Egito ao Mediterrâneo como nunca antes; e ligações além do Mediterrâneo – pelo Mar Vermelho para a Índia – asseguravam o papel de Alexandria como entreposto primordial entre o Índico e o Mediterrâneo, status que manteria com interrupções apenas ocasionais por dois milênios’.
‘Os Ptolomeus tinham senso agudo de como sustentar o vigor da economia egípcia e alexandrina. Eles sabiam que o domínio das rotas marítimas não dependia só de Alexandria. Deram duro para pôr as cidade da Fenícia sob seu controle…’
‘Se esperavam manter uma frota efetiva precisariam estender seu controle político além do Egito, por terras ruas em madeira: Chipre, Líbano, e sul da Anatólia; igualmente, sem uma frota assim, não seriam capazes de conservar a posse destas terras. Uma corrida naval começou, e não só o tamanho das frotas egípcia e síria cresceu, como também o tamanho de seus navios’.
Os barcos de guerra
Com a palavra, David Abulafia, ‘no século IV, ambos os lados podiam às vezes mobilizar mais de 300 navios e os estaleiros fenícios transformaram os cedros do Líbano numa substancial armada para os reis selêucidas’.
‘Sob Ptolomeu II, uma frota de 336 belonaves incluia 224 quadrirremes, trirremes e embarcações menores, mas incluía também muitos navios monstruosos – 17 quinquirremes e navios ainda maiores identificados pelo suposto número de remadores em cada banco: cinco ‘seis, 37 ‘sete,’, trinta ‘noves’, 14 ‘onzes’, e assim por diante até chegar a dois grandes ‘trintas’. Mais tarde, Ptolomeu IV Filopator (morto em 204 a.C.) construiu um ‘quarenta’ que deve ter sido um gigantesco catamarã’.
Por aí se vê a rápida ascensão do Egito à potência marítima, ao menos no Mediterrâneo Oriental. Para encerrar, David Abulafia fala das dimensões do ‘quarenta’, de Ptolomeu IV, que provavelmente nunca foi para a guerra.
A vela triangular, uma curiosidade
Curiosamente, os egípcios que usavam com mais frequência as velas quadradas, também experimentaram a vela triangular, mas usada com vento a favor. Além disso, a vela era erguida no mastro de ponta-cabeça, ou seja, a parte mais larga ficava acima, a menor, abaixo.

Segundo Paul Johnson, ‘os egípcios logo desenvolveram as velas triangulares, extremamente eficientes para capturar a brisa suave, porém constante, do norte. Esse tipo de vela ainda é amplamente utilizado nos dias de hoje’.
Barco de cerca de 1900 a.C., Império Médio, que passou a ter um só remo como leme.Por dizer que ‘são usadas até nossos dias’, Johnson se refere às velas latinas, cuja ‘invenção é atribuída aos árabes do Índico‘. São as mesmas velas usadas nas caravelas que trouxeram Cabral ao Brasil, as únicas que possibilitam navegar contra o vento.
O mistério das velas triangulares de contravento
Ao que parece, os primeiros a usarem velas latinas, ou seja, triangulares, foram árabes.
Egípcios e a navegação, note a vela triangular com a parte mais larga para cima, a menor, para baixo.O egiptólogo Moacir Santos (PPGH – UFF), entrevistado pelo Mar Sem Fim, explica que as velas triangulares (dos egípcios) surgiram no Reino Antigo, entre 2575 e 2134 a.C.
Entretanto, este tipo de vela coexistiu, tal qual, as de forma retangular mais antigas. E continuaram em uso até a época romana.
Egiptólogo Steve Vinson,
o modelo triangular foi banido dos registros no Reino Médio, a partir de 2040 a.C.

Arqueólogos encontraram o barco mais antigo do mundo selado na pirâmide de Queóps por vota de 2600 a.C. Alguns acreditam que o faraó o usaria após a morte. Já o primeiro registro de um navio à vela aparece em um pote egípcio datado de 3200 a.C.
O barco de Quéops foi originalmente encontrado por arqueólogos em 1954 junto com outro navio que foi restaurado. É considerado uma das descobertas mais significativas no planalto de Gizé por sua idade, tamanho e condição. Especialistas dizem que os navios são as embarcações sobreviventes mais antigas da antiguidade.
O navio sepultado permaneceu intocado até 1987, quando uma equipe da National Geographic Society enfiou uma pequena câmera sob a superfície de calcário do local para ver o que havia por baixo e encontrou. Ele estava desmontado, assim, foi reconstruído a partir de 1.224 peças que haviam sido colocadas em uma ordem lógica.
Barcos construídos pelos fenícios
Contudo, de acordo com o especialista Sanford Holst, autor do delicioso Phoenicians – Lebanon’s Epic Heritage (Fenícios – Épico Patrimônio do Líbano, 2005), estes barcos foram construídos pelos fenícios para agradar seu maior cliente no comércio marítimo, os egípcios.
Linda imagem, publicada na Ancient Egypt, retratando a vida perto das Pirâmides 4.600 anos atrás. Se você olhar de perto, poderá ver estruturas de templos, pescadores transportando suas capturas e mercadorias transportadas de barco.Um dos notáveis avanços na construção de barcos foi a utilização de peças de madeira que se encaixavam e, depois, de cordas para juntar as partes.

Nesse sentido, os operários da antiguidade fizeram uso das cordas de linho o que, sem sombra de dúvida, atesta maestria na construção naval.
Assim, com este avanço abria-se o caminho para a criação de uma das mais fascinantes civilizações da história. Segundo Paul Johnson, o período dos faraós “foi a primeira grande época cosmopolita da história mundial.”

Os tipos de barcos egípcios
Arqueólogos descobriram mais de 120 imagens de barcos egípcios antigos adornando o interior de um edifício em Abydos.
Desenho do cotidiano do Antigo Egito com destaque ao rio Nilo. Imagem, historicaleve.com.Construído há mais de 3.800 anos, o edifício fica próximo ao túmulo do faraó Senusret III.

Já em 1894 e 1895, o arqueólogo francês Jacques de Morgan encontrou os barcos Dahshur, de caráter funerário, na planície de Dahshur. Abaixo, a filmagem de um deles já exposto em um museu.

Os barcos Abydos
Os barcos Abydos, entretanto, foram descobertos no ano de 2000, era uma frota de 14 unidades. Tinham cerca de 25 metros de comprimento, dois a três metros de largura e, além disso, cerca de sessenta centímetros de calado. Levavam 30 remadores.
Um dos barcos Dahshur, no Museu Egípcio. Acredita-se que os barcos tenham sido usados para transportar o corpo do Senusret III pelo Nilo.