Aventuras no litoral: o diário de bordo de João Lara Mesquita

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Jornalista lança site sobre expedição de dois anos pela costa brasileira

por Mariana Barros | 23/11/2011

Com uma ideia na cabeça e uma câmera a bordo, o jornalista João Lara Mesquita, 56 anos, lançou-se na costa brasileira para registrar o estado de conservação dessa faixa litorânea descoberta meio milênio atrás. No veleiro Morgan, de 46 pés, ele e sua equipe esmiuçaram os tesouros e os problemas ambientais percebidos ao longo do percurso, que se estendeu também por rios da Amazônia, indo do Oiapoque ao Chuí, num total de quase 10.000 quilômetros, e levou dois anos até ser concluído, entre 2005 e 2007.

As aventuras por entre enseadas, baías, ilhas e comunidades caiçaras originaram o programa “Mar sem Fim”, exibido pela TV Cultura naquela mesma época. Desde quinta-feira passada, as 45 horas de filmagem que compõem a série podem ser revistas no site do Mar Sem Fim, misto de blog, memória de expedições e extenso banco de imagens. “É um amplo levantamento sobre o assunto, repleto de surpresas agradáveis e outras nem tanto”, diz Mesquita.

Em São Paulo, segundo ele, estão algumas das praias mais bem conservadas da viagem, sobretudo no sul do estado. “São as joias da coroa do litoral”, afirma, destacando a Praia da Jureia, na Estação Ecológica Jureia-Itatins, entre as cidades de Peruíbe e Iguape. No momento, a região discute um projeto de lei do governo estadual que pretende remover dez das doze comunidades de moradores instaladas na área preservada. A boa iniciativa enfrenta forte resistência, pois resultaria na expulsão de cerca de 200 famílias dali. “As pressões econômicas e demográficas sobre esses refúgios são cada vez maiores, tornando cada vez mais difícil a luta por sua manutenção”, acredita.

O Morgan percorreu outros trechos paulistas onde a natureza reina absoluta. É o caso de Cananeia, próximo à divisa com o Paraná. A Ilha do Cardoso, situada no município, guarda flora e fauna riquíssimas, com botos e onças pintadas dando as caras. Situação semelhante ocorre na Ilha de Montão de Trigo, entre as enseadas de Bertioga e São Sebastião. Cerca de vinte famílias sobrevivem da pesca de subsistência, afastadas do agito do Litoral Norte.

Outro ótimo exemplo pode ser visto na Praia do Bonete, no sul de Ilhabela. Sem energia elétrica e com ingresso apenas por trilhas, ela é de difícil acesso, o que impede sua superlotação. “O acesso complicado garante a ordem”, diz o ambientalista Carlos Roberto Nunes, do Instituto Ilhabela Sustentável. “Qualquer lugar onde se abre uma estrada se transforma em alvo da especulação imobiliária e logo fica apinhado de carros”, acrescenta, relembrando os estragos provocados nos anos 80 com o asfaltamento da Rio-Santos.

Essa preocupação fez com que a construção de uma passarela na trilha de 14 quilômetros que vai do centro de Ilhabela ao Bonete fosse embargada por órgãos ambientais. Eles temem que a obra leve à criação de uma rota para automóveis e acabe com a tranquilidade do local. Na última segunda (14), porém, a prefeitura do município, após obter autorização, reiniciou o projeto. “Mas vamos continuar controlando por lá o acesso de veículos”, promete o prefeito Toninho Colucci.

Infelizmente, como constatou a expedição Mar sem Fim, os paraísos bem preservados estão virando uma exceção. Flagrantes de problemas ocorreram em boa parte da viagem: fazendas irregulares de camarão, resorts instalados na areia, costões ocupados por casas de veraneio e esgoto jogado ao mar. Nesse último quesito, embora os índices de poluição da água em São Paulo muitas vezes se mostrem preocupantes, o estado exibe bons indicadores de saneamento. “Há investimento”, afirma Mesquita. “Na Riviera de São Lourenço, por exemplo, embora a orla tenha sido descaracterizada com prédios de dez andares à beira-mar, existe um tratamento de dejetos exemplar.”

Mais grave é a ocupação desordenada ao longo das rodovias que levam às praias. Em São Sebastião, que reúne pontos turísticos muito procurados pelos paulistanos, como Maresias, Barra do Sahy e Juqueí, casebres sem nenhuma infraestrutura na beira do asfalto abrigam famílias numa área onde a Mata Atlântica deveria ser preservada. Estima- se que 22.000 pessoas vivam em favelas na região — eram 5.000 dez anos atrás. Nas últimas duas décadas, o crescimento da população na cidade foi de 117%, resultando em 74.000 moradores atualmente. “A falta de cuidado com a vegetação não é exclusividade nem de pobres nem de ricos”, aponta o ambientalista Nunes. “Todos são responsáveis pelos danos.” Em morros de Ubatuba, no Litoral Norte, a cobertura original foi substituída por pinheiros, árvores sem relação com as espécies nativas. Já na Praia de Guaecá, também ao norte, o desflorestamento provocou erosão no topo das encostas.

Músico, fotógrafo e jornalista, João Lara Mesquita incorporou a função de defensor ambiental com o passar dos anos. De 1982 a 2003, período em que esteve à frente da Rádio Eldorado, do grupo Estado, que tem sua família como acionista, liderou campanhas pela despoluição do Rio Tietê, pelos cuidados com o lixo e pela preservação da Mata Atlântica. Logo após sair da emissora, deu início à jornada de contorno da costa brasileira. Em seguida, foi a vez de partir para mares mais distantes. Em outubro de 2009, zarpou do Rio Grande do Sul rumo à Antártica. A expedição tinha o objetivo de pesquisar o impacto do aquecimento global sobre os oceanos. Elefantes-marinhos, focas, baleias e pinguins apareceram ao longo da jornada, transformada em programa de televisão pela Rede Bandeirantes.

A caixa “Mar sem Fim — Viagem à Antártica”, lançada neste mês, contém três DVDs com registros da aventura. A partir de abril, João Lara, como é mais conhecido, vai refazer o percurso pelo litoral brasileiro para verificar o que melhorou e o que piorou desde a última visita. Em maio, a TV Cultura deve exibir os primeiros episódios da viagem, com duração prevista de um ano e meio.

Publicação original: http://vejasp.abril.com.br/revista/edicao-2244/aventuras-no-litoral-diario-de-bordo-de-joao-lara-mesquita

 

 

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