Alexander Selkirk, a luz para Robinson Crusoé

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Alexander Selkirk, a inspiração para Robinson Crusoé

Que atire a primeira pedra quem nunca se encantou com o romance de Daniel Defoe, publicado em 1719  como um folhetim para o Daily Post. Fugindo às pretensões paternas, que queriam uma ‘profissão estável’, o jovem ansioso por aventuras prefere embarcar em um navio. E que aventura! Piratas atacam a embarcação e acabam por escravizá-lo. Crusoé foge num bote e fica à deriva ao largo do Brasil. É resgatado por portugueses e trazido para Pindorama, onde torna-se um rico fazendeiro. Contudo, decide embarcar novamente, convencido por outros fazendeiros para trazer mais escravos às plantações. Então, uma terrível tempestade o faz naufragar sendo o único sobrevivente. Ele nada até uma ilha onde conhece um parceiro que chama de sexta-feira. E por lá fica durante 27 anos até retornar à Inglaterra! Este é um breve resumo do romance de Defoe, baseado na história real de Alexander Selkirk. Mas, quem foi Selkirk?

Ilustração de Robinson Crusoé
Ilustração, www.sothebys.com.

Robinson Crusoé

Antes de mais nada, o livro foi sucesso imediato. Apreciado por críticos, grandes pensadores da época, bem como pelo público leitor. Só no primeiro ano teve quatro edições. Inspirado pelo crescente poder da Grã-Bretanha como nação comercial internacional que então dominava os mares, a história foi escrita com um olhar para o gosto por viagens e pelo exótico.

Defoe se interessou muito pela história marítima e particularmente pela vida de corsários e piratas depois de ler o relato de seu salvador, Woodes Rogers, incluso no livro A Voyage to the South Sea, and Round the World, Perform’d in the Years 1708, 1709, 1710, and 1711, que contém uma coleção de livros, panfletos, folhetins e outras obras sobre as Américas, desde a época de sua descoberta até o início de 1900. Era a primeira vez que aparecia a história de Alexander Selkirk.

Robinson Crusoé
Ilustração da 2. ed. de Robinson Crusoé, da Laemmert, 1884.

Segundo o www.collections.libraries.indiana.edu, Em um ano, Robinson Crusoé foi traduzido para o francês, alemão e holandês e, nos quase 300 anos desde sua publicação, para mais de cem idiomas, incluindo inuit e copta. Enquanto isso, a www.sothebys.com oferece um exemplar da primeira edição pela bagatela de 30.000 a 40.000 libras esterlinas. Mas,  preferindo pagar em dólares, a www.abebooks.com tem uma cópia da mesma primeira edição, em três volumes, por US$ 175.000.

Por último, segundo a www.alexaanswers.amazon.com Estima-se que 9 milhões de exemplares de Robinson Crusoé  tenham sido vendidos, colocando-o na 39ª posição dos mais vendidos de todos os tempos.

Quem foi Alexander Selkirk?

Alexander Selkirk (1676-1721), escocês, era filho de um sapateiro e tinha seis irmãos. Segundo o www.worldhistory.org, Sua primeira aparição nos registros históricos acontece depois que foi considerado culpado de ‘comportamento indecente’ pela igreja.

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Persona non grata, Selkirk,  então, foi para o mar. Tornou-se oficial graças à habilidade em matemática e no uso de instrumentos de navegação. Entretanto, em 1703 juntou-se à fatídica expedição corsária de William Dampier, destinada a aventuras no Pacífico.

William Dampier

Antes de mais nada, William Dampier (c. 1651-1715) foi o primeiro inglês a explorar partes do que é hoje a Austrália, e o primeiro a circum-navegar o mundo três vezes! Suas expedições estavam entre as pioneiras a identificar e nomear uma série de plantas, animais, alimentos, além de técnicas culinárias para o público europeu.

Do mesmo modo, foi um dos mais importantes exploradores britânicos do período entre Francis Drake (século 16) e James Cook (século 18). Ele “ligou essas duas eras” com uma mistura de ousadia pirata da primeira, e investigação científica da segunda. É igualmente autor de A New Voyage Round the World. Posteriormente, foi levado à corte marcial por crueldade.

Dampier na Bahia

O curioso é que no terceiro tomo de seu livro, A Voyage To New-Holland, &c. In the Year 1699, segundo o  www.cidade-salvador.com  consta a informação que Dampier  partiu da Inglaterra, em janeiro de 1699, passou na Bahia, em março, e chegou na Austrália em agosto do mesmo ano.

‘Depois de partir de Cabo Verde, em 22 de fevereiro, Dampier relatou que, em lugar de seguir direto para a Austrália, passaria no Brasil para suprimentos. Durante a continuação da viagem houve revolta da tripulação.’

Desenho da Baía de Todos os Santos
Desenho da Baía de Todos os Santos por William Dampier.

‘Chegou na Bahia em 23 de março. Dampier descreveu a frondosa vegetação, as praias com algumas casas de pescadores. Descreveu especialmente a construção das jangadas (as jangadas e os jangadeiros sempre impressionaram os europeus, e ainda impressionam até hoje. Infelizmente só os brasileiros não valorizam as embarcações típicas, em especial, a jangada…), que ele parecia desconhecer, e comprou alguns peixes dos pescadores.’

Por último, diz o www.cidade-salvador.com, ‘Dampier ficou na Bahia por um mês e dedicou todo o Capítulo 2 e parte do Capítulo 3 de seu livro ao Brasil.’

Como se vê, Alexander Selkirk escolheu muito bem o capitão e seu navio, e esteve de fato no Brasil, assim como sua inspiração, Crusoé.

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Navegando no Pacífico

Navegando no Oceano Pacífico, ao largo da costa do Chile no verão de 1704, a expedição de corsários britânica liderada por William Dampier chegou às ilhas Juan Fernandez, a 630 km da costa.

Havia dois navios na expedição, o Saint George, capitaneado por Dampier; e o Cinque Ports, por Thomas Stradling. O capitão original de Cinque morreu no meio da viagem. Desse modo, Selkirk é promovido a mestre, ou seja, o segundo em comando.

Tensões a bordo

Ao que parece, Thomas Stradling não era um bom comandante. Houve quase um motim naquele período. Contudo, Dampier interveio e restabeleceu a paz entre a tripulação.

Depois de um ataque infrutífero ao porto espanhol de Santa Maria, no Panamá, diz o www.worldhistory.org, Cinque Ports já precisava urgentemente de reparos e, portanto, o navio se separou do Saint George e ancorou nas Ilhas Juan Fernandez em setembro.

Foi a partir daí que a coisa desandou. Selkirk, que já provara sua habilidade e conhecimentos náuticos, argumentou que o navio precisava ser todo calafetado mais uma vez. Selkirk bateu o pé e, testando os limites, se recusou a navegar. Ao mesmo tempo, tentou convencer alguns dos seus colegas a desertar.

Stradling levou o escocês ao pé da letra e o abandonou naquela ilha íngreme e inóspita, armado com um mosquete,  um quilo de pólvora, um machado, uma faca, uma panela, uma bíblia, roupas e alguns instrumentos de navegação. Um mês depois o Cinque Ports naufragou…

Os poucos sobreviventes foram capturados pelos espanhóis. Thomas Stradling passou quatro dolorosos anos em uma prisão em Lima antes de retornar à Inglaterra, doente e arruinado.

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Começava a nascer a história de Robinson Crusoé. Abandonar um tripulante indesejado numa ilha era um procedimento mais ou menos comum à época. E muitos deles recebiam uma garrucha para usarem contra si em caso de desespero. Eram tempos rudes aqueles.

Adaptando-se à solidão

Os primeiros oito meses foram os mais difíceis para Selkirk: “Ele teve que lutar contra a melancolia e o terror de se encontrar sozinho em um lugar tão desolado”, disse seu libertador, Woodes Rogers.

Permanecia perto da praia, perscrutando o horizonte na esperança de ver uma vela amigável. Alimentava-se de crustáceos, moluscos e tartarugas marinhas, atormentado pela fome e “não ia dormir até ficar exausto”, acrescentou Woodes Rogers.

Alexander Selkirk, em cabana
Ilustração, WIKIMEDIACOMMONS.

Com a época de acasalamento dos leões marinhos, a praia foi invadida por machos agressivos. Forçado a recuar para o interior, Selkirk viu então a sua situação melhorar: introduzidas pelos espanhóis, as cabras que ali encontrou eram fáceis de caçar e forneceram-lhe os ingredientes para “um excelente caldo”.

Ele decidiu, igualmente, domar alguns gatos para afastar os ratos que o atormentavam, principalmente à noite, quando “roíam meus pés enquanto dormia”.

Assim, aos poucos aprendeu a sobreviver com meios limitados. Quando a pólvora escasseou passou a correr para caçar cabras, e quando suas roupas foram reduzidas a um monte de farrapos, adotou roupas de pele que curtiu usando técnicas que herdou do pai.

Pouco mais de quatro anos de solidão

Alexander Selkirk passou mais de quatro anos privado de qualquer companheiro com quem compartilhar suas tristezas e aliviar a solidão.  Passava o tempo esculpindo seu nome em árvores, domando cabras que lhe faziam companhia ou lendo a Bíblia em voz alta para evitar enlouquecer.

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Robinson Crusoé
Ilustração, Google.

Se “viu vários barcos a passar durante a sua estadia na ilha”, tinha de esconder-se dos dois únicos, espanhóis, que ancoraram na baía: as tripulações o teriam capturado e condenado a trabalhar por causa da sua origem escocesa. Contudo, numa destas visitas, os espanhóis o descobriram, “atiraram nele e o perseguiram” nas profundezas da floresta, aliviaram suas bexigas na árvore onde ele se empoleirou. Mas não conseguiram capturá-lo e voltaram pelo caminho de onde vieram…

A salvação em 1709, e mais circunstâncias excepcionais

Em 1709, aproximando-se da ilha de Más a Tierra, o corsário Woodes Rogers viu aparecer diante dele “um homem vestido de pele de cabra, parecendo ainda mais selvagem que seus donos originais”. Era Alexander Selkirk, que “correu a uma velocidade espantosa”. Ele estava em excelente forma física devido ao seu estilo de vida.

Ao conversarem, Rogers percebeu que “a memória de sua própria língua era tão nebulosa que ele lutou para se fazer entender”.
Mas, quem era o navegador de Woodes Rogers? Ninguém menos que William Dampier! Esta a circunstância excepcional…Em seguida, Dampier testemunhou os conhecimentos náuticos de Selkirk. Assim, o escocês foi nomeado segundo imediato a bordo do navio de Rogers, o Duke.

No mar outra vez

Segundo o www.histoire.et.civilisations-com,‘A expedição corsária continuou e logo fez uma captura notável, o navio premiado Nuestra Señora de la Encarnación Disengaño, um galeão de Manila, que transportava uma enorme quantidade de chineses e outros bens preciosos’.

A mesma fonte diz que ‘Selkirk recebeu uma parte de £ 800 do saque do galeão (mais de £ 150.000 ou US$ 200.000 hoje). Após seu retorno à Inglaterra, em outubro de 1711 depois de uma ausência de oito anos de sua terra natal, viveu confortavelmente com seu prêmio em dinheiro por vários anos. Finalmente,  em 1717, tornou-se oficial da Marinha Real; ele morreu no mar em 1721 depois de contrair uma febre tropical.’

Contudo, outra de nossas fontes para reconstituir a vida de Alexander Selkirk, o www.histoire.et.civilisations-com, nos dá outra informação sobre sua volta à civilização.:

‘Coroado com fama de curta duração, Selkirk não conseguiu se reajustar. Ele se viu envolvido em brigas alimentadas por seu gosto pela bebida. Voltou pouco depois para a Escócia, sem ter reivindicado sua parte dos despojos. Em 1717, retornou a Londres e se alistou na Marinha Real. Selkirk morreu em 1721 à febre amarela a bordo do navio HMS Weymouth, que controlava a pirataria em Gana. Foi enterrado no mar.

Dizem os especialistas que Defoe se inspirou também em outros náufragos famosos da época, como Robert Knox, que passou 19 anos no Sri Lanka entre os nativos, ou Henry Pitman, que fugiu de uma colônia penal no Caribe. Contudo, diz o www.histoire.et.civilisations-com ‘A primeira edição do romance, cuja capa mostrava um Crusoé em conformidade com a descrição de Selkirk por Woodes Rogers, testemunhava a onipresença do corsário escocês na mente dos editores e leitores da época.

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Um Robinson Crusoé português

A história náutica mundial é farta em ‘náufragos em ilhas desertas’. Não à toa, elas fazem parte de nossa imaginação. Uma das belas que já conhecemos, em muito semelhante à de Selkirk, aconteceu com o  escudeiro Fernão Lopes, nascido em Lisboa na virada do século 15 para o século 16.

Contamos esta história singular em Ilha de Santa Helena, um luso e 30 anos de solidão. Fernão Lopes passou exatos 26 anos em autoexílio na ilha de Santa Helena, a mesma em que morreu Napoleão Bonaparte. Mais que tudo, quando pôde voltar à civilização preferiu, logo depois, retornar para Santa Helena contrariando a maior parte das histórias de náufragos em ilhas desertas.

Felizmente, a história dramática e incomum deste personagem encantou o historiador Abdul Rahman Azzam, doutorado em história pela Universidade de Oxford. Em consequência, em 2018, publicou o livro O Outro Exílio, A História Fascinante De Fernão LopesDa Ilha De Santa Helena E De Um Paraíso Perdido. Foi com informações deste livro que escrevemos o post.

Ambas as histórias, de Lopes e Crusoé, são extremamente similares. Defoe, por exemplo, ampliou a estadia de Selkirk, que foi de quatro anos e quatro meses, para 27 anos. Coincidência? E assim como Selkirk  escondia-se quando navios inimigos ancoravam em ‘sua’ ilha, o mesmo fazia Lopes. E há outras semelhanças…

Antes de encerrar, faça um favor a si mesmo. Se você tem filhos, ou sobrinhos pequenos, dê a eles de presente uma edição do primeiro romance em língua inglesa, um clássico essencial até hoje.

Edições de Robinson Crusoé, baseadas na vida de Alexander Selkirk

Há inúmeras opções no Brasil. Quem quer que seja o recebedor, vai  agradecê-lo. Neste mundo em que os 140 caracteres (do Twitter) foram consagrados, nada como estimular a leitura aos pequenos.

Os nomes das ilhas do arquipélago Juan Fernandez hoje

Ah, antes de encerrar saiba que dois séculos depois, o Chile renomeou as duas ilhas do arquipélago de Juan Fernandez: a ilha de Más a Tierra, o refúgio de Selkirk, recebeu o nome de “Robinson Crusoe” para atrair turismo, enquanto a ilha de Más Afuera levou o nome de  “Alejandro Selkirk”, que nunca pôs os pés no local.

Entidades se unem em prol da orla de São Sebastião

Comentários

5 COMENTÁRIOS

  1. Agradeço pela publicação deste famoso romance de Daniel de Foe, mundialmente conhecido e baseado na minha terra maravilhosa onde ensaie os meus primeiros passos

  2. Para o triste comentário de um sonhador iludido a respeito das jangadas “que ninguém no Brasil se importa”. Bom, também acho muito interessante as caravelas, os navios ingleses da época do Selkirk as locomotivas inglesas e as carruagens do velho oeste americano. E dos machados de pedra, dos aquedutos romanos, das bicicletas sem pedal. Muita coisa.

  3. Depois de ler Ilha de Santa Helena, um luso e 30 anos de solidão, e agora esse artigo, minha tese toma mais sustança: Daniel Defoe se inspirou na história de Fernão Lopes para escrever Robinson Crusoé. E tenho dito.

    P.S.- Ainda bem que na época do meu neto não existirá mais essas coisas de Twiter, Facebook, Instagran … vai ter que aprender a ler e raciocinar por si …

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