Alcatrazes Revis, mais um erro grosseiro do ICMBio
Ainda antes deste site existir este escriba já lutava para que o arquipélago de Alcatrazes, no litoral norte paulista, parasse de ser maltratado e fosse devolvido ao público como um parque nacional. Corriam os anos 80 quando, como diretor da rádio Eldorado, abri espaço para a discussão que então ocorria entre ambientalistas, encabeçados por Fausto Pires de Campos, e a Marinha do Brasil, que havia ‘fechado’ Alcatrazes ao público para transformá-lo em alvo para tiros de canhão de seus navios. Demorou bem mais do que seria aceitável, mas com Michel Temer na presidência o arquipélago foi transformado em unidade de conservação federal. Infelizmente, a escolha da categoria foi um equívoco. Alcatrazes Revis é mais um erro grosseiro do ICMBio.
Alcatrazes Revis, mais um erro grosseiro do ICMBio
Muitos anos depois, em 2003, já fora da Eldorado, iniciei minha carreira como documentarista focado no ambiente marinho que já sofria incontáveis abusos, mas era ignorado pela grande mídia.
O documentário inicial da primeira série que fiz para a TV Cultura, em 2003, focalizou Alcatrazes. A bordo do veleiro Mar Sem Fim estávamos eu, Fausto Pires de Campos, e a repórter Paulina Chamorro. Tivemos que pedir ‘licença’ à Marinha do Brasil que mandou um oficial nos acompanhando.
Quando criança eu frequentei Alcatrazes desde os 12 anos. Em 1967 fui para lá pela primeira vez acompanhando meu pai que era pescador. Daí para a frente foram centenas de visitas, até que a Marinha do Brasil se apossou do arquipélago.
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A devolução de Alcatrazes ao público foi uma das mais longas e emblemáticas lutas dos ambientalistas brasileiros. Foram mais de 30 anos de contestações, visitas e estudos para mostrar a importância do local para a biodiversidade.
Nos anos 80 foi criado o Projeto Alcatrazes iniciativa da Sociedade de Defesa do Litoral Brasileiro (SDLB) que tinha entre seus membros o fotógrafo Roberto Bandeira e, como coordenador, o biólogo Fausto Pires de Campos.
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Entre o fim da década de 80 e início dos anos 2000 o grupo fez mais de 40 expedições para estudar o local ao mesmo tempo em que pressionava a Marinha para abandonar os tiros.
A biodiversidade de Alcatrazes
A biodiversidade é fora de série por qualquer ângulo em que seja analisada. Trata-se do maior ninhal do Atlântico Sul de aves marinhas entre visitantes e residentes. Milhares delas, de 100 espécies diferentes, usam o arquipélago para se reproduzir: fragatas, atobás, gaivotões, três tipos de trinta-réis, um deles ameaçado de extinção, e diversas outras.
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Um estudo sobre a flora da Ilha de AlcatrazesIlha Diego Garcia, última colônia britânica na África será devolvidaEspeculação na praia dos Nativos, Trancoso, suspensa pela JustiçaEntre as nove espécies de répteis três são endêmicas e ameaçadas de extinção, um tipo de jararaca (Bothrops alcatraz), a perereca (Olylogon alcatraz) e uma espécie de rã, criticamente ameaçada de extinção, conhecida como Cycloramphus faustoi, homenagem ao biólogo Fausto Pires de Campos.
Ao todo foram catalogadas 1.300 espécies de fauna e flora, sendo que 93 estão sob algum grau de ameaça de extinção.
No mar, no entorno das ilhas, são centenas de tipos entre peixes como a garoupa, tubarão-martelo, cação-anjo, raia-viola, e raia-manta. Tartarugas-verdes e de pente também se encontram por lá, ambas ameaçadas de extinção.
Ocasionalmente, baleias também são vistas no entorno, notadamente a baleia-de-bryde.
Primeira proposta para Alcatrazes ser um Parque Nacional
Aconteceu em 1990 por iniciativa do então deputado federal Fábio Feldmann que apresentou ao Congresso a proposta. Mas ela não avançou. Até que um incidente grave para a ilha principal teve um peso decisivo para o início da mudança.
Incêndio na ilha principal de Alcatrazes
Os bombardeios foram interrompidos entre 1991 e 1998, por força de uma liminar. Começava a briga na Justiça. Antes disso, em 1987 foi criada a Estação Ecológica Tupinambás, uma esquisitice que só existia no papel.
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A ESEC de Tupinambás cobria apenas uma ponta da ilha e não impedia os tiros da marinha. Mas o ponto de virada aconteceu em 2002, quando os tiros dados no Saco do Funil, ao norte da ilha principal, provocaram um incêndio que dizimou cerca de 14 hectares do que restava de mata nativa do local.
Os alvos da Marinha sempre ficaram no Saco do Funil, pintados em costões rochosos, ou na Ilha da Sapata, uma formação ao norte da ilha principal.
A pressão continuou até que finalmente, em junho de 2013, a Marinha anunciou oficialmente que deixaria de atirar na ilha principal e que não se opunha mais à criação do parque, desde que a Ilha da Sapata fosse mantida fora da unidade, para continuar servindo aos treinamentos.
Nesse período Dilma Roussef era presidente e com ela não havia diálogo. Tivemos que esperar o Impeachment para conseguirmos novo avanço.
Michel Temer assume a presidência em 2016
Temer escolheu como ministro de Meio Ambiente uma das poucas unanimidades entre ambientalistas: Zequinha Sarney, que já fora ministro de FHC, e é tido como o melhor ministro do Meio Ambiente que já tivemos.
Os ambientalistas voltaram à carga sobre a transformação de Alcatrazes em parque nacional, uma unidade de conservação de proteção integral, as mais efetivas, e sem provocar burocracia ou transtornos aos turistas. Alcatrazes seria finalmente devolvido à sociedade civil mais de 30 anos depois do início da luta.
Voltamos a conversar com o pessoal do ICMBio no período em que o órgão era chefiado por Ricardo Soavinski. Tínhamos vários pleitos, entre eles a continuidade dos processos de concessões para as unidades de conservação, a criação do parque nacional marinho dos Alcatrazes, e a transformação de nossas ilhas oceânicas, até então desprotegidas, em unidades de conservação federais marinhas.
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As concessões avançam até hoje. Temer foi o primeiro presidente a olhar para o mar, ele deixou um belo legado ambiental; as ilhas oceânicas de Trindade e Martim Vaz, e São Pedro e São Paulo foram transformadas em UCs federais marinhas, e Alcatrazes…por imposição do ICMBio foi transformado em Revis, ou Refúgio de Vida Silvestre, categoria mais restritiva que parque nacional.
Apesar de todos defenderem a criação de um parque, de Fausto Pires de Campos, até Fábio Feldmann, passando por dezenas de ambientalistas e até a Marinha, o ICMBio cismou que tinha que ser uma categoria mais restritiva.
Nada contra a gestão da Revis que parece empenhada e faz um bom trabalho. Menos de um ano depois de sua criação a unidade já tinha Plano de Manejo, o que é raríssimo. Mas tudo contra a categoria da unidade, que restringe o público diretamente interessado sem necessidade.
Alcatrazes Revis, erro grosseiro e teimosia do ICMBio
Quem acompanha este site, ou os muitos documentários que fizemos, sabe que criticamos e elogiamos diversas vezes o ICMBio, Ibama e MMA. Uma das críticas se deve ao fato do ICMBio demonstrar uma certa arrogância e um gosto excessivo pela burocracia, entre outros problemas.
Ao criarem uma Revis, unidade de conservação integral como os parques, porém mais restritiva, o público só pode ir para Alcatrazes em barcos de operadoras cadastrados, ao custo médio de R$ 650,00 reais por pessoa. Barcos particulares só se aceitarem as condições impostas pelo ICMBio.
Recentemente um amigo do meio náutico me perguntou se poderia ir com seu barco para Alcatrazes. Respondi que logo no início, quando a unidade foi inaugurada, não era possível visitá-la com barco próprio, apenas com os barqueiros credenciados. Mas que era melhor ele se informar com a direção da unidade.
Dias depois este amigo me envia um imenso calhamaço com as…
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Normas e Regulamentos da Visitação Pública, Alcatrazes Revis
Trata-se de um calhamaço do ICMBio com 11 páginas. Nele estão regras básicas como não jogar lixo no mar, não alimentar aves, não pegar nada como recordação, não desembarcar, usar as poitas em vez de fundear, fazer reservas usando plataforma virtual, etc.
Além destas regras básicas, o pacote informa onde ficam as 16 bóias já instaladas, o que evita que se jogue a âncora, e também define os 10 pontos de mergulhos explicando quais suas características.
Mas há excessos, o item 1.21 exige que haja um relatório da visita pelo comandante da embarcação!
Outras, tão estranhas quanto a anterior, proíbem o uso de ‘prolongadores para equipamentos de produção de imagens (pau de selfie, item 1.24)’!
Mas o pior é o item 1.27 que ‘obriga a presença de condutores cadastrados autorizados’ a bordo dos barcos particulares! Vi a conversa de meu amigo com um destes condutores. Ele cobrava módicos R$ 500,00 reais apenas para acompanhá-lo (e depois levá-lo de volta).
Estas exigências não existem em parques nacionais marinhos. Qualquer dono de barco pode ir para Abrolhos ou Fernando Noronha. Basta ir, aproveitar os bons momentos e a linda paisagem, e aprender a importância de proteger da pesca e outras atividades extrativas pontos de reprodução da importância de Alcatrazes e outros.
Para o ICMBio todos são culpados até prova em contrário
Ao exigir em barcos particulares um condutor cadastrado, o ICMBio parte do princípio que todos são culpados, uma afronta ao direito do cidadão ser considerado inocente até prova em contrário.
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Para visitar uma beleza natural do litoral o cidadão tem que ser ‘vigiado’ como se fosse um incapaz, e ainda pagar para levar um ‘condutor cadastrado’.
É proibido proibir
Não é à toa que muitas pessoas têm horror a tudo que se refere ao ‘ambientalismo’, ONGs e que tais. Medidas como estas apenas afastam ainda mais os brasileiros da conservação.
Alcatrazes fica no meio do caminho entre Santos e Ilhabela. A região reúne a maior flotilha de barcos privados do País espalhados por cinco locais estratégicos: Santos, Bertioga, Ilhabela, São Sebastião e Ubatuba, para não falar nos muitos clubes náuticos ao longo do litoral norte.
Pois estes barcos NÃO podem desfrutar das belezas de Alcatrazes sem serem acompanhados de um vigilante do ICMBio, como se todos os seus comandantes fossem ogros prontos a destruir a biodiversidade local.
O ICMBio é reincidente
O ICMBio é reincidente. Foi assim também com a criação da Rebio do Arvoredo em 1990, quando o arquipélago que fica no quintal de Florianópolis, a menos de 20 minutos de barco, foi ‘sequestrado’ dos catarinenses depois que o órgão, sem nada que justificasse, escolheu o mais restritivo tipo de unidade de conservação para a sua criação: reserva biológica, ou Rebio. Desde então, nunca mais Arvoredo pôde receber turistas.
A grita foi geral. O público protestou, as operadoras de turismo reclamaram, os amantes da náutica idem. Mas a decisão autoritária que excluiu a visitação pública durou mais de três décadas!
Foram precisos 31 anos de luta para que a teimosia do ICMBio fosse mudada a fórceps! Explico: como são criadas por decreto, as unidades de conservação federais só podem ser mudadas, ou recategorizadas, igualmente por decreto.
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Foi o que fez o deputado Rogério Peninha Mendonça (MDB-SC) em maio de 2021. Ele apresentou um projeto de Lei que mudou categoria de Arvoredo, da fechada Rebio, para mais um parque nacional marinho.
E é o que fará este site: lutar até encontrar um par de deputados federais por São Paulo para que criem e levem ao Congresso um projeto de Lei para a recategorização da unidade para parque nacional e assim devolver Alcatrazes para quem de direito: os cidadãos brasileiros.
Imagem de abertura: arquivo MSF
Fontes: https://www.icmbio.gov.br/portal/ultimas-noticias/20-geral/10138-alcatrazes-abre-para-mergulho-e-visita-embarcada; https://infograficos.estadao.com.br/especiais/alcatrazes/historia.
Excelente reportagem!
Como dito pelo gênio Albert Einstein:
“Duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana; e eu não tenho certeza sobre o universo. “
Participei do Projeto Alcatrazes no começo e estive lá com o Fausto, Bandeira e muitos mais que não lembro. Tenho fotos de quando dormimos lá e fizemos coletas pois na época era do IO-USP. Um lugar maravilhoso que deve ser preservado, mas as regra exageradas devem ser contestadas. Um parque marinho deve ser respeitado. :)
Excelente reportagem.
O problema é que esta enorme burocracia não deixa de afastar aqueles com propensão à pratica do ilícito.
Seu artigo é excepcional! Parabéns pelo maravilhoso trabalho em prol da nossa costa.
Nunca consegui fazer um mergulho em Alcatrazes por causa dessa absurda apropriação pela marinha.
Foi de uma felicidade inenarrável saber que Alcatrazes iria de alvo para bombas à revis, porém, desde o início, com a proibição do desembarque pela gestao (que alegava que isso causaria um impacto ambiental inaceitável, apesar das bombas e incêndios recorrentes das últimas décadas) pus a barba de molho. Proibir é muito mais fácil do que regulamentar, controlar, fiscalizar. E quem perde é o público, consequentemente, a conservação. Só não acho que a culpa é do ICMBio, para mim é da gestão direta. O NGI Abrolhos está evoluindo bastante nesse aspecto (abrir para a visitação, apreciar o uso público sustentavel) e acredito que em breve poderemos dar uma notícia fantástica, na contra mão da nova Revis de Alcatrazes, nova na idade e tão antiquada na gestão.
Felipe: o que eu disse é que contra todos os especialistas que lutaram por um parque nacional, o ICMBio decidiu-se por uma Revis, igualmente de proteção integral, mas com impedimentos com os quais não concordamos. Unidades de conservação são feitas para serem visitadas e conhecidas. Só assim as pessoas entenderão a sua importância.
De acordo! E logo depois o mesmo aconteceu com Trindade e Martin Vaz que acabaram virando Monumento Natural contra os estudos técnicos contratados pelo próprio ICMBio (nesse caso inclusive modificaram o relatório técnico sem consentimento dos autores para apresentar na consulta pública). Apesar dos erros recorrentes do ICMBio algumas pessoas dentro da instituição fazem a diferença (dentro dos seus limites de atuação). Obrigado pela resposta João, parabéns pelo trabalho incansável pela conservação marinha.
Bom dia Felipe! Diferente de Abrolhos Alcatrazes não tem praia, ou seja não tem desembarque seguro. Outro ponto são as espécies endêmicas, principal argumento para cessar os tiros na ilha principal, mesmo antes da criação do Refúgio. As regras são definidas e aprovadas pelo conselho, caso não concorde pode participar das reuniões e defender o seu ponto de vista. Se aprovado pelo Conselho, como é em todas as outras unidades, nós mudamos a regra. Complexo para mim é a lógica de lutar para cessar o impacto dos tiros e aceitar outros tipos de impacto. Nas unidades de conservação temos que cuidar para que todas as atividades desenvolvidas não gerem impacto. E temos feito isso desde o começo. Regulamentamos (são as normas citadas na matéria), fiscalizamos (hoje somos a unidade que mais fiscaliza no sudeste), monitoramos (também somos a única unidade que tem monitoramento ambiental, da experiencia do visitante, e do impacto socieconômico da atividade desde a abertura).
Francamente, se esse comentário compara os tiros com o – possível – impacto dos USOS NÃO-EXTRATIVOS como o Ecoturismo e o Mergulho, temos um problema de visão bastante sério sobre gestão! :-)
Os avanços obtidos no Uso Público de Alcatrazes são, no conjunto, elogiáveis. O trabalho dos condutores é essencial e os que conheço fazem um excelente trabalho. Mas há regras demais SIM, há oportunidades de menos em setores que podem receber visitação SIM. E a recategorização para Parque Nacional permitirá focar a gestão permanentemente em Uso Público E conservação como convém a uma UC no contexto de Alcatrazes, sem se perder nada do que ja foi feito de bom ou desempoderar os condutores atuais, como vêm sendo dito mentirosa e covardemente em grupinhos fechados por gente que pelo jeito não sabe o que é um Parque Nacional.
Deixemos de demagogia e pensemos no custo-benefício para a conservação. Alcatrazes e seus atores diretos merecem.