A história continua, 10/5/2012
O medo do dano ecológico
Desde que cheguei em São Paulo, dia 9 de abril, mantenho contato semanal com o pessoal da base Fildes. A situação do barco, com cerca de oito mil litros de diesel nos tanques, é fonte constante de preocupação.
Fiz o possível para evitar dano ecológico enquanto tinha condições de navegar. Junto com meus tripulantes, e com auxílio dos chilenos, tentamos todas as opções: atravessar de volta para a America do Sul, atracar no molhe da base chinesa e retirar o diesel dos tanques ou, até mesmo, suspender o Mar Sem Fim por um imenso navio inglês e trazê-lo de volta.
Mas nenhuma delas deu certo conforme expliquei em matérias anteriores. O barco afundou em razão da pressão do gelo em seu casco.
O abandono do barco
Para quem tem dúvidas se descemos na hora certa é só lembrar que, no dia seguinte ao abandono, o Mar Sem Fim estava preso no gelo. Cercado por placas grandes e instáveis, com “buracos” de mar entre elas impedindo a aproximação, ou saída, de quem quer que fosse.
Abandonamos hora certa. Se ficássemos mais uma noite não sei se poderia contar o fim desta história.
O continente dedica à ciência
A Antártica é um continente dedicado à ciência, ainda original em suas peculiaridades, e extremamente frágil. A dificuldade de acesso, e o clima rude, atrasaram a chegada e fixação do ser humano.
Foi só depois da Segunda Guerra Mundial, a partir dos anos 50 do século passado, que o homem conseguiu tecnologia suficiente para sobreviver na área e montar as primeiras bases científicas. De lá para cá mais de 30 países, signatários do Tratado Antártico, têm bases no continente gelado.
A ausência do ser humano por tanto tempo é a responsável por uma das belezas da Antártica. Um continente quase totalmente livre de poluição, agora ameaçado pelo acidente com o Mar Sem Fim.
Os contatos com os chilenos
Quando tive o primeiro problema na viagem, ainda em Deception, era esta minha maior preocupação. Por isto mantive contato com os chilenos de Fildes. Eles me informam o que se passa. Havia suspeitas de vazamento de óleo, mas as condições críticas do gelo impediam uma verificação mais próxima.
Desde que eu e minha tripulação saímos de rei George, em 7 de abril, o gelo que esmagou o meu barco não saiu mais da Bahia Maxwell. Ao contrario. Os blocos ficaram cada vez mais próximos devido a ação do vento, e mais espessos em razão da baixa temperatura.
Assim, finalmente, neste último fim de semana foi feita a primeira aproximação ao Mar Sem Fim.
Um grupo de nove pessoas, entre chilenos e brasileiros (quatro oficiais encarregados de zelarem pelo que resta da base Comandante Ferraz, atingida por um incêndio em fevereiro deste ano estão hospedados na Base Frei, ao lado de Fildes, na mesma baía) participaram da vistoria. Sob o comando de Eduardo Rubilar, chefe da base chilena, eles perceberam que o vazamento de diesel não parou.
Antes de sair de Rei George fiz um desenho do convés do barco mostrando onde ficavam os respiros dos tanques de diesel, de modo que os chilenos pudessem fecha-los assim que o gelo permitisse. E, já de São Paulo, mandei as plantas do barco para que eles conheçam seu interior em deatlhes.
Correio da Antártica
Nesta segunda- feira recebi um e mail, com fotos, de Eduardo Rubilar.
Era tudo que eu não queria:
“Estimado Amigo:
Te cuento que ya hemos ido dos veces hasta el sector del lamentable hundimiento del Mar Sem Fim, en donde hemos encontrado las bolsas de basura, algunos estanques de combustible para botes de goma, balones de gas y boyarines atrapados en la nieve y hielo”…
E prossegue o relato:
…”nos sentimos muy orgullosos de poder estar contribuyendo con nuestro trabajo a proteger y salvaguardar el medio ambiente Antártico, a pesar de no contar con el equipamiento adecuado para ello.”
Mesmo sem equipamento apropriado a equipe conseguiu algum sucesso:
…”al sacar las bolsas con basura dejamos abiertos unos forados de a lo menos 8 o 10 metros de profundidad, que sumados a la gran presencia de combustible en el sector son muy peligrosos. Sin embargo recuperamos gran cantidad de cosas que ya no son un peligro para el medio ambiente Antártico.
En la segunda incursión, nos acompañaron los cuatro miembros de la Armada de Brasil que se encuentran hospedados den la Base Frei de la Fuerza Aérea de Chile, quienes me habían solicitado el poder acompañarnos y ver en terreno que se puede hacer para proteger el medio ambiente antártico del derrame del Yate”.
“En esta entrada exploré hacia la proa del yate donde el hielo es realmente delgado y poco seguro para trabajar, debe tener no mas de 4 centímetros, por lo que no trabajaremos ahí aun pues no es seguro, solo recuperamos un estanque de combustible de bote de goma y pudimos ver la cantidad de combustible derramado, creo que en estos momentos debe haber mas del 50% del combustible derramado, pero no lo puedo cuantificar ciertamente”.
Encarando o naufrágio de frente
É extremamente difícil escrever sobre isto. Procuro, e não encontro, as palavras. Meu objetivo desde que saí da Eldorado foi trabalhar em favor do mar e da zona costeira.
Percebi que a falta de informação talvez seja a principal razão do descaso por parte das autoridades, e das pessoas que freqüentam o litoral. Foi o que me deu força para lançar meu site e começar os documentários sobre a costa brasileira, para a TV Cultura, entre 2005 e 2007.
Informação é sempre parte importante da solução.
Não parei mais.
Foram 90 episódios de trinta minutos mostrando cada detalhe do nosso litoral, suas riquezas e ameaças. Em seguida vieram os dois volumes de “O Brasil visto do Mar Sem Fim”, uma transposição do trabalho para a TV em forma de livro.
E mais adiante, no Verão 2009 – 2010, a primeira série de documentários sobre a Antártica desta vez para a TV Bandeirantes.
A idéia era mostrar a importância dos oceanos, e da Antártica, para o clima na Terra.
Foram mais cinco horas de documentários.
A última viagem do Mar Sem Fim
Antes de trazer o barco de volta ao Brasil, para um novo trabalho para a Cultura, decido ir para a Antártica mais uma vez.
O que era para ser uma nova série de matérias e fotos se transforma num pesadelo. E eu passo a ser o agente causador de inúmeros problemas, entre eles, a poluição Antártica.
É doloroso. Um sentimento terrível de culpa. Indescritível.
Desde o início dos problemas como barco faço o possível para minimizar seus impactos.
Estou mantendo contato não só com os chilenos de Fildes, à procura de informações, mas também com empresas especializadas em retirar destroços do mar.
Na Antártica o Mar Sem Fim não pode ficar. Mas, para retirá-lo, é preciso esperar o próximo Verão. Só a partir de novembro, ou dezembro, haverá condições para uma operação deste tipo.
Até lá manterei o público informado.
Estou eu a cá em 2019 lendo esse blog, me bate a curiosidade, o Mar sem fim foi resgatado?
Joáo:
Na época do trágico acidente na base Cmte. Ferraz, surgiu a notícia de que
uma embarcação da Marinha Brasileira tinha afundado no fim do ano na bahia do
Almirantado e que ainda não tinha sido resgatada. Se for verídico este fato, não
poderia ser feita uma operação conjunta para resgate de ambas embarcações ?
Um grande abraço.
Olá, Monteiro, de fato houve o naufrágio de uma balsa da Marinha carregada de diesel. Mas foi antes do acidente com meu barco. Ela já foi recuperada. Não houve vazamento.
No próximo verão vamos retirar o Mar Sem Fim sozinho mesmo, mas contando com o apoio da Marinha do Brasil, sem o qual a tarefa se torna impossível.
Grande abraço e obrigado pela mensagem.
Olá, acompanho seu blog com curiosidade de quem sonha se aventurar um dia pelo continente gelado. Acredito que acidentes como o seu é o que nos faz respeitar tanto a natureza e que estaremos aqui até que ela aceitar os nossos defeitos . Tenho certeza que tua dor é enorme , e que jamais imaginou que isso poderia acontecer. Tem um livro que se chama “A incrível viagem de Shackleton” que relata um acontecimento muito parecido ao que te ocorreu, mas com consequências muito piores . Ficarei na torcida para que volte a navegar e a preencher essa lacuna que é a falta de informação da nossa costa . Te desejo muito sucesso nessa nova fase e que possa retirar seu navio sem causar maiores danos ambientais .
Felipe, muito obrigado pelo correio. A história do Shakleton é sensacional. Uma grande lição de persistência, resignação e coragem.
Grande abraço e até breve, obrigado pelos votos.
– Prezado João
– Se a Antártica tivesse um rei e se eu fosse, por acaso, o rei da Antártica…
– Você seria perdoado pela pequena poluição, causada involuntariamente, como consequência do naufrágio do MARZÃO.
– Por que razão?
– Pelo MUITO que você fez anteriormente, em prol da preservação do meio ambiente.
– Lendo o seu substancial diário de bordo, escrito quando da viagem do “Mar Sem Fim”, ao longo da infinita costa brasileira, entre 2005 e 2007, isso fica patente.
– Portanto, João, se você tiver a CULPA pelo incidente, não tem o DOLO pela consequência.
– Veja!
DOLO ocorre quando o indivíduo age de má-fé, sabendo das conseqüências que possam vir a ocorrer, e o pratica para de alguma forma beneficiar-se de algo.
Em Direito Civil, DOLO é uma espécie de vício de consentimento, caracterizada na intenção de prejudicar ou fraudar um outro. É o erro induzido, ou proposital. Má-fé.
Diferencia-se da CULPA por que no DOLO o agente tem a intenção de praticar o fato e produzir determinado resultado: existe a má-fé. Na CULPA, o agente não possui a intenção de prejudicar o outro, ou produzir o resultado. Não há má-fé.
(WIKIPEDIA)
– Conclusão: – Sentenciado? Salvo!
– Como no “Fausto” de Goethe.
– No seu caso duplamente salvo.
– Salvo da morte e salvo da condenação.
– Pensando bem, se eu fosse o rei da Antártica, além de lhe perdoar pela poluição fortuita de uma área infinitesimal do meu continente gelado, ainda lhe daria de presente um barco novinho em folha, desejando-lhe ventos mais favoráveis durante sua próxima expedição.
– Coragem para a luta!
Ok, Fernando, obrigado pela força mais uma vez. Abraços
Não se deixe esmorecer amigo. Acidentes como esse acontecem e a nossa revelia, apesar do cuidado que temos. O acontecido é inerente ao seu precioso trabalho como pesquisador e navegador. Esse, em especial, faz parte do teu trabalho. Não tem como fugir a possibilidade disso acontecer uma hora ou outra. E tudo vai acabar bem. Resta agora acompanhar de perto e na primeira oportunidade ir atraz do prejuízo. Em condições normais, com certeza Lara Mesquita já teria resolvido o problema. Não é o caso pois naquelas paragens a coisa é muito complicada. Um forte abraço e todos nós, brasileiros, navegadores ou não, estamos na maior torcida por vc. Ivanhoé.
Obrigado, amigo, grande abraço, até breve.
Força comandante! sabedor sou tb de sua consciência pela VIDA, mas acidentes acontecem e fogem do nosso controle, ainda mais quando se relaciona com um adversário tão imprevisivel e cruel ! sou profissional aposentado da area de segurança ocupacional e sempre preguei que acidentes n tem “culpados” e sim “causas”, e estas sim, têem que serem perseguidas e eliminadas, e cada ocorrência que nos sucede trazem aprendizados.
Por alto, vejo que se necessita projetar um sistema rápido fácil e eficaz de retirada de necessários poluentes do barco em caso de avarias, talvez um istema de tubulação de uma ou duas pol, tipo vent’s, com suspiro de compensação do váquo, instalados,sinalizados e com engate e bloqueio rápidos, no topo do mastro, interligados ao interior dos tanques,que até em casos de submersão total, as equipes de mergulho ganhariam tempo para esvaziar os tanques, sei lá ! posso até estar com abobrinhas , mas o q vale é a intenção !!!
sds e + uma vez força ! estou torçendo para tudo ISSO logo acabar !
Paulo Nova
+ um do mar !
Obrigado, Paulo, vou analisar com carinho sua sugestão. Muito obrigado pela mensagem, grande abraço e até a vista.