Viagem da Kika agora rumo ao Ártico

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Viagem da Kika rumo ao Ártico, relato Nº 22

Após finalizada a manutenção do Antarctic em Paimbœf, na desembocadura do Rio Loire na França, zarpamos dia 11 de maio de 2022 rumo ao Ártico para uma nova aventura.

Rumo ao Ártico no veleiro Antartic
Artarctic pronto para uma nova aventura.

A primeira etapa era a travessia da França até a Groenlândia. Na tripulação, quase familiar, éramos o capitão Georges, a capitã Anne-Flore, Camille, Salim, Martine e eu.

Península de Quiberon e Ilhas Glénan

Velejamos rumo norte ao longo da costa bretã francesa, uma região de difícil navegação entre ilhas, vento intenso e forte correnteza devido às marés. Na primeira noite ancoramos para dormir na península de Quiberon e na noite seguinte nas Ilhas Glénan, local da mais tradicional escola de vela da França.

Rumo ao Ártico, Escola de vela nas ilhas Glenan, Bretanha.
Escola de vela nas ilhas Glenan, Bretanha.

Passamos pelo Raz de Sein, um funil entre rochedos e ilhotas onde a correnteza pode chegar a 6 nós. Mais adiante atravessamos o bem balizado Chenal du Four, próximo ao farol La Jument, eternizado na fotografia de Jean Guichard com uma onda gigantesca prestes a engolir o faroleiro.

Canal da Mancha

Cruzamos o Canal da Mancha, uma verdadeira avenida de embarcações de todos os tipos e tamanhos, felizmente hoje em dia existe o AIS para calcular a distância dos navios e o risco de colisão.

Abordados pelo barco patrulha da Border Force

Quando nos aproximamos de Cornwall fomos abordados pelo barco patrulha da Border Force inglesa, pediram nossa documentação e queriam revistar o barco em busca de drogas. Informamos que nossa intenção era a de navegar entre a Irlanda e a Inglaterra sem escalas.

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Detidos pela Border Force inglesa.
Detidos pela Border Force inglesa.

Avisamos que levávamos um rifle a bordo pois no Ártico é necessário ter uma arma em caso de ataque de urso polar. Um amigo francês nos emprestou seu velho rifle e não tínhamos a licença. A situação azedou e nos escoltaram até o porto de Newlyn, onde uma equipe veio a bordo para confiscar a arma, os cartuchos e levar até seus superiores.

Um simpático engenheiro intermediou minha ida até um fish & chips para buscar o jantar. Depois de algumas horas nos liberaram, retendo no entanto o rifle e a munição. Os franceses a bordo (todos menos eu) engrossaram o antigo caldo de desavenças entre as duas nações…

Navegando pelo Mar Celta

Seguimos navegando pelo Mar Celta e depois através do canal de São Jorge, que separa o País de Gales da Irlanda, abrigados conforme o planejado – tempo ruim que acossava o lado oeste da Irlanda. Já no Mar da Irlanda, passamos rente à da Ilha de Man, onde os vikings (Saiba mais sobre o modo viking de navegar) se estabeleceram no final do século VII. Até hoje a cultura da ilha é fortemente influenciada pelas suas origens nórdicas e célticas.

Mais adiante atravessamos o profundo canal do Norte, o estreito que separa a Irlanda do Norte da Escócia. Aqui novamente a força das marés é forte, enfrentamos uma correnteza de 4,5 nós contra e decidimos ancorar para esperar a maré favorável.

Abrigados em Lenan Bay, Irlanda
Abrigados em Lenan Bay, Irlanda.

Abrigamos na entrada do Lough Swilly, na pontinha norte da Irlanda, aguardando uma boa janela de tempo para empreender a travessia de 1.200 milhas até o cabo sul da Groenlândia, nestas latitudes os centros de baixa pressão passam um após o outro.

Notamos um problema com o guincho da ancora principal e optamos por ir até a cidade mais próxima para resolver. Fomos recebidos com curiosidade em Buncrana, os irlandeses são muito gentis e estavam dispostos a nos ajudar no que estivesse ao seu alcance. Num domingo, um engenheiro desmontou nosso windlass na oficina da sua casa e o problema foi detectado.

pequena fazenda, Irlanda
Pequena fazenda, Irlanda.

Enquanto aguardávamos as peças de reposição aproveitamos para conhecer a região noroeste da Irlanda. Fomos visitar (London) Derry, na divisa com a Irlanda do Norte, onde os conflitos entre protestantes e católicos deixaram profundas cicatrizes.

cicatrizes em Londonderry, Irlanda do Norte
Cicatrizes em Londonderry, Irlanda do Norte.

Oceano Atlântico Norte

No dia 2 de junho, com o guincho concertado e nova provisão de produtos frescos, nos lançamos para travessia do Oceano Atlântico Norte. Senti um frio na barriga, um mix entre entusiasmo e respeito.

No início as condições meteorológicas foram muito tranquilas, até demais. Navegamos lentamente, com pouco vento de través/popa, gente tomando sol no convés. À noite revezávamos os turnos entre Georges, Anne-Flore e eu. Avistamos um cachalote, duas jubartes, diferentes golfinhos e pássaros. Nos últimos dias o vento apertou e passamos a velejar no contravento, judiando um pouco a tripulação.

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Chegada na Groenlândia

Chegamos dia 12 de junho no sudeste da Groenlândia, na altura de Prins Christian Sund, com intenção de cortar caminho através do fiorde e evitar o Kap Farvel no extremo sul, mas não foi possível pois nos deparamos com muito gelo no mar.

Rumo ao Ártico, num fiorde na Groenlândia
Fiorde na Groenlândia.

Os fiordes estavam entupidos de icebergs que se desprendem das geleiras e o mar repleto de storis, pack ice polar transportados pela correnteza descendente do leste da Groenlândia.

Primeira ancoragem Groenlandia
Primeira ancoragem Groenlandia.

Demos uma grande volta para escapar a área de gelo em torno de Kap Farvel, o risco nesta situação é o barco ficar preso no pack ice que se move rapidamente com o vento e a correnteza.

Paakitsorsuaq, uma baía abrigada

Finalmente, já do lado oeste de Kap Farvel, ancoramos em Paakitsorsuaq, uma baía abrigada e rodeada de montanhas, ao fundo as geleiras que descem da calota de gelo permanente que cobre grande parte do país.

Tripulação rumo ao Ártico.
Tripulação rumo ao Ártico.

Os altos picos, que chegam a 1.000 metros perto da costa, mergulham na forma de penhascos no mar, icebergs compõem a grandiosa paisagem. Na manhã do dia seguinte, descansados e bem alimentados, a beleza tocou a alma. Uma foca nos observava à distância e nos dava as boas vindas.

Viagem da Kika, Açores, Portugal; relato de viagem nº 21

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