Viagem-sonho pelo oceano Austral, com Jerôme Poncet
A vontade de retornar à Antártica surgiu durante o período de confinamento “pandêmico”, na Tasmânia. E o que fazia esta jornalista brasileira no outro lado do globo? Bem, isso daria uma nova matéria aqui no Mar Sem Fim. Por hora – já que a proposta é uma narrativa breve – esclareço que estava naquela linda ilha-estado australiana após uma, já saudosa, experiência de tripulante em um veleiro, durante quatro anos, no Pacífico Sul. Viagem-sonho pelo oceano Austral é um artigo especial de Marina Guedes, também autora das fotos.
A espera durante a pandemia
Muito bem equipada, a casa em que permaneci por alguns meses tinha ótima conexão de Internet. Assim, aproveitei o tempo, que parecia infinito, para projetos voltados à concretização de um antigo sonho: fotografar colônias de pinguins-rei na Geórgia do Sul – paraíso destes pássaros que não voam, mas são excelentes nadadores.
Conhecer melhor o continente branco, vizinho daquela ilha sub-antártica, também estava na lista de desejos. Afinal, quando fui pela primeira vez, há 15 anos, através de uma expedição do Programa Antártico Brasileiro, pude visitar apenas um pedaço da região tão especial.
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Uma pesquisa sobre os barcos que fazem viagens ao oceano austral – excluindo os grandes navios, dos quais não sou fã – levou-me ao nome de um ícone das navegações polares em veleiros, o francês Jérôme Poncet.
Para minha alegria, ele foi rápido na resposta ao meu e-mail. Desde então, mantivemos contato virtual. Pouco mais de dois anos depois, o encontro presencial finalmente ocorreu, no cenário perfeito: um de seus barcos, o monocasco de aço chamado Golden Fleece, nas Malvinas, Falkland.
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Partida das Malvinas-Falklands
Radicado no território além-mar do Reino Unido, Jérôme vive no extremo oeste do arquipélago situado no Atlântico Sul. Duzentas milhas náuticas – cerca de quatrocentos quilômetros – é a distância entre sua casa, na Ilha de Beaver, até a capital, Stanley. Em outras palavras, um dia de travessia em seu barco.
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Geórgia do Sul e Península Antártica
O roteiro ao longo de dois meses incluiu a Geórgia do Sul, seguida da Península Antártica, até onde o gelo nos permitiu chegar, bem perto da Latitude 70 ° Sul. No total, percorremos mais de quatro mil milhas náuticas até o retorno, novamente nas Malvinas.
Visitávamos, ao menos, um local por dia, com paisagens fantásticas de montanhas habitadas por pinguins, focas e diversos pássaros.
Um dos momentos especiais foi ancorar em baías da Geórgia do Sul como Right Whale, Salisbury Plain e Saint Andrew, “endereços” de centenas de milhares de pinguins, que dividem espaço, harmoniosamente, com elefantes-marinhos e focas. Devo confessar que foram locais em que derramei lágrimas, de alegria, é claro!
Jérôme Poncet ícone dos mares austrais
Uma vida de navegação pelas altas latitudes-sul, fazem de Jérôme Poncet referência mundial. Suas viagens anteriores – que costumava executar na companhia da ex-esposa, a bióloga australiana, Sally, e dos filhos – levavam, principalmente, equipes de produções internacionais da BBC e National Geographic, além de pesquisadores do Programa Antártico Britânico.
Em razão de sua contribuição pioneira ao conhecimento náutico e científico, Jérôme foi agraciado, em 2016, com a Medalha Polar, em Londres, Inglaterra. Recentemente, um local na Península Antártica recebeu o nome de Poncet Point. A presença de gelo, nesta temporada, infelizmente não permitiu que nos aproximássemos daquele novo ponto identificado na carta náutica da região.
Privilégio histórico
Em São Paulo, antes de partir, gravei uma entrevista com Amyr Klink, publicada em meu podcast, Maré Sonora. Na ocasião, o conhecido navegador brasileiro – que inúmeras vezes também esteve na Antártica – enfatizou que minha viagem “seria um privilégio histórico.”
A temporada de inverno em que Amyr permaneceu rodeado por gelo a bordo de seu veleiro Paratii 1, foi inspirada na trajetória de Jérôme e Sally, então com o veleiro Damien II. Na obra “Le Grand Hiver” (tradução direta em: “O Grande Inverno”), a bióloga narra a experiência que ocorreu no final dos anos 70. O filho mais velho deles, Dion, nasceu após aquela invernagem, na Geórgia do Sul; Jérôme fez o parto.
Conviver com Poncet foi uma aula em diversos aspectos. O primeiro, quanto ao conhecimento náutico e de belíssimos locais ao longo da península.
Posso dizer, ainda, que a oportunidade me permitiu compreender um pouco mais o idioma de Napoleão Bonaparte; mesmo sabendo que ainda há um enorme passo até um nível de fluência. Minha interação com Jérôme sempre foi – e continua sendo – em inglês.
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Forte ligação com a região austral
O aspecto que mais impressionou-me foi observar a forte ligação que o experiente marinheiro tem com a região austral. Ao avistarmos baleias, golfinhos ou na aproximação de enormes colônias dos “moradores selvagens locais”, Jérôme era um dos primeiros a sair rumo à proa, o mais perto possível dos animais.
Sobre as razões que o fazem voltar, quase todos os anos, ele revela serem as particularidades da área. “Você me disse que seu sonho era vir para cá; o meu também”, afirmou o capitão, quando avistávamos as primeiras ilhas da Geórgia do Sul. “É sempre surpreendente”, pontuou, garantindo que a motivação foi o ingrediente decisivo na seleção da nossa tripulação.
Poder compartilhar e ver o encantamento das pessoas que viajam é, para ele, a recompensa maior. Aventureiro, Poncet foi à Antártica pela primeira vez há exatos cinquenta anos, a bordo do veleiro Damien – um monocasco de madeira, de 10 metros de comprimento. Ele teve a companhia do amigo de escola, Gérard Janichon. O livro desta saga, “Damien, 55 Mil Milhas, de Spitsbergen até os Mares do Sul” segue inspirando gerações mundo afora.
De minha parte, só posso dizer: “merci beaucoup”, por ter sido convidada nesta viagem-sonho. Sorte, motivação ou acaso? A combinação dos três, acredito!
À plus!
Maravilha de sonho realizado! Parabéns, Marina Guedes!